Frequentemente me deparo com vídeos no TikTok e Instagram mostrando curiosidades ou “life hacks” que parecem milagrosos. Um formato comum são os “time-lapses” acelerados, que mostram desde uma semente sendo plantada em um vaso e regada diariamente até crescer e dar frutos… Até aí, tudo bem. O problema é que muitos desses vídeos são tão ridicularmente falsos que fico na dúvida se são uma piada ou apenas entretenimento sem compromisso (como acontece com vários “life hacks” absurdos feitos de propósito). No caso das frutas, alguns vídeos mostram, por exemplo, como plantar uma semente de uva dentro de uma banana e, milagrosamente, fazer crescer uma planta que não é nem bananeira nem videira, mas que ainda assim dá frutos como uma “uva amarela” ou uma “banana roxa”.

Sério, por quê?

Ninguém é obrigado a saber que a bananeira não nasce de semente ou como é um pé de uva, ainda que sejam cultivos bem comuns. Mas esses vídeos fazem tudo parecer fácil e intuitivo, como se fosse um jogo casual de fazendinha. Para quem não tem contato com agricultura, pode até parecer lógico que basta plantar duas sementes juntas para nascer uma planta híbrida, dando frutos que são uma mistura das duas. Essa ideia também é reforçada por alguns vendedores de frutas “exóticas” ou “híbridas”, que explicam esses cruzamentos dessa forma simples e intuitiva — embora não fique claro se eles realmente acreditam nisso ou se é apenas um discurso de venda. (Aliás, recomendo o episódio Kiwi Banana do podcast Rádio Escafandro, sobre o assunto).

O que também confunde o consumidor (de frutas, ou de vídeos do TikTok), é que frutas “híbridas” realmente existem, mas elas não surgem da mistura de uma banana com um morango. O que ocorre é um processo de seleção e cultivo de variedades com características desejadas, algo semelhante à criação de raças de cães. Quando as características físicas permitem, diferentes raças de cachorros ainda conseguem cruzar e gerar filhotes que realmente parecem uma “mistura” dos pais. Mas isso só é possível porque todos pertencem à mesma espécie. Embora a seleção artificial tenha produzido diferenças gritantes, geneticamente os cães ainda têm potencial reprodutivo entre si.

Já entre frutas, é bem mais complexo. A maioria das frutas que consumimos pertence a espécies completamente diferentes. Seria como tentar cruzar um mico-leão-dourado com um peixe-palhaço. Até entre frutas parecidas, como os cítricos, existem espécies distintas. Para se obter uma fruta “híbrida”, um dos meios é, por exemplo, selecionar variedades de limão que tenham características mais próximas das da laranja (mais doce, mais alaranjado, maior) e promover cruzamentos seletivos até se obter uma nova variedade com essas características. Mas isso depende de essas variações surgirem naturalmente primeiro.

Árvore filogenética de algumas famílias de frutas (nem chega ao nível de diferenciação de espécie) [fonte]

Os cítricos, em especial, têm uma facilidade maior em serem hibridizados de verdade. Quer dizer, mesmo em algumas espécies diferentes, mas ainda dentro da mesma família, a polinização cruzada é possível, e a planta filha pode produzir frutos com características misturadas das plantas originais — como cor, tamanho e sabor. Porém, normalmente a planta filha não é capaz de gerar sementes viáveis após a primeira colheita. Inclusive, os diversos cítricos que temos hoje são todos frutos de hibridização, descendentes de 3 espécies principais (Citrus maxima, Citrus reticulada e Citrus medica, algo como lima, limão e tangerina).

Mas mesmo o processo de seleção e cruzamento não é simples. Muitas espécies são reproduzidas por propagação vegetativa (mudas) e não dão mais sementes viáveis, ou sequer têm sementes, como no caso das bananas e das uvas sem semente.

Outra técnica que pode gerar confusão sobre “plantas híbridas” é a enxertia. Muito usada no cultivo de cítricos, essa técnica consiste em transplantar parte de uma planta para outra. Por exemplo, pode-se cortar um galho de limão yuzu (cito esse porque adoro e até tenho um pé enxertado) e enxertá-lo no caule de um limoeiro tahiti. Basicamente fazendo um corte no caule da planta receptora, e grudando ali o galho cortado da outra planta, amarrando até que “cicatrize”.

Aqui devo confessar que tem uma cara de mentira, mas funciona mesmo. Existe até um famoso caso de uma única árvore capaz de produzir 40 frutas diferentes, pois seus galhos foram enxertados. Mas, ainda assim, cada parte enxertada dá frutos da sua planta original, sem se misturar com a raiz ou com os outros enxertos, e também só é possível com frutas de espécies próximas.

Exemplo de enxertia

Existem também outras formas de se criar variedades de plantas, como a fabricação de sementes transgênicas, com a inserção proposital de genes que determinam as tais características desejadas. Mas também há um limite (e muito estudo) para o que é possível fazer até com a engenharia genética. O mais comum é que sejam alterações que favorecem a sobrevivência da planta contra pragas, ou condições climáticas específicas. E ocasionalmente algumas características como tamanho e quantidade de açúcar produzido também podem ser manipuladas geneticamente. Mas mesmo nesses casos, o resultado é uma semente da “variedade transgênica”, que pode então ser cultivada. Não é tão simples como extrair os genes do morango numa seringa e enfiar numa carambola na terra (esses vídeos estão me deixando maluca).

Quando chamamos uma variedade de “kiwi-morango”, por exemplo, isso significa apenas que é um tipo de kiwi selecionado por ter uma cor que lembra a do morango — e não que ele tem algo de morango nele. Nem mesmo os pigmentos que fazem o morango ser vermelho são necessariamente os mesmos que estão presentes no “kiwi-morango”. No final, esses nomes chamativos são apenas uma estratégia de marketing para facilitar a associação.

“Kiwi-morango” ou apenas kiwi vermelho.