Existe uma falácia comumente conhecida como “Falácia do Promotor”, mas também conhecida como “Falácia do Advogado de Defesa”. É fácil entendê-la com exemplos em um ambiente jurídico, mas ao compreendê-la melhor ao longo desse texto, imagino que irei conseguir convencer você de que é uma falácia que qualquer um de nós pode ser vítima. E falo vítima tanto no sentido de ser manipulado por terceiros utilizando-a, como acidentalmente cometê-la e manipular outras pessoas.

A falácia do promotor é uma falácia de raciocínio lógico de origem estatística. Esta falácia ficou conhecida por sua utilização errônea por promotoria, induzindo o júri a acreditar que a probabilidade de inocência pareça muito menor do que é efetivamente. Embora seja nomeada pelo seu uso por promotores, a falácia se generaliza para diversas situações além do direito penal.

A falácia no contexto de um promotor que questiona um perito se exemplifica por falas do tipo: “as chances de encontrar essa evidência em um inocente são tão pequenas que o júri pode desconsiderar com segurança a possibilidade de que esse réu seja inocente”.[1] A falácia ignora que as chances de um réu ser inocente, dadas as evidências encontrada são diferentes das chances de serem encontradas tais evidências dado que o réu é inocente.

Falácia do Promotor, na Wikipédia.

Vamos utilizar um exemplo bem esdrúxulo para deixar bem claro do que estamos falando. A maior parte dos assassinatos no Brasil são cometidos por brasileiros. Ou seja, a probabilidade (vamos chamá-la aqui de P1) de você ser brasileiro, dado que assassinou alguém no Brasil, é grande. No entanto, o inverso não é igual. A probabilidade (vamos chamá-la aqui de P2) de você ter assassinado alguém, dado que você é brasileiro, não é tão alta quanto a primeira. Um promotor acusando um brasileiro poderia dizer ao júri: A maior parte dos assassinatos no Brasil são cometidos por brasileiros, e o réu é brasileiro. Percebem?

Dois erros estatísticos comuns que levam à falácia do promotor é a confusão com probabilidade condicionais e testes múltiplos sem ajuste. O caso da probabilidade condicional é o que vimos no parágrafo anterior, onde fica claro que P(A|B), lê-se “a probabilidade de A dado B”, não é necessariamente igual a P(B|A). Um outro exemplo interessante foi no famoso julgamento de OJ Simpson, mas nesse caso a falácia partiu da equipe de defesa. A promotoria apresentou evidências de que Simpson havia tido comportamento violento com sua esposa, querendo estabelecer um link entre esse comportamento e o homicídio investigado. A defesa argumentou que para cada 2.500 mulheres violentadas por seus parceiros, apenas 1 ía a óbito, sustentando uma argumentação de que o histórico violento com sua esposa era irrelevante para a discussão sobre o homicídio. Enquanto a maioria dos casos de abuso conjugal não termina em assassinato, a maioria dos casos de assassinato do cônjuge tem um histórico de abuso conjugal.

Um exemplo interessante de testes múltiplos é com checagem de amostras de DNA em bancos de amostras. Uma correspondência pode levar o promotor a dizer algo como: Uma correspondência ao acaso ocorre apenas em 1 a cada 10.000 vezes, ou seja, é altamente improvável que o acusado não seja o assassino! No entanto, essa taxa de 1:10000 é para uma comparação. Se você comparar várias vezes, as chances de encontrar uma correspondência ao acaso aumenta. Na verdade, em um banco com DNA de apenas 20.000 indivíduos, a chance de encontrar ao menos uma correspondência, ainda que o dono da amostra da cena do crime não esteja no banco, é de quase 90%! Vamos pensar em um cenário diferente. Qual a chance de você escolher uma pessoa aleatória na sua sala de aula e ela ter o mesmo nome que você? Baixa, né? E se você perguntar a todas as pessoas da sua escola? Essa é a ideia. Por essa e outras razões, é importante ter muito cuidado com essas estatísticas. Outras evidências podem nos ajudar a ter menos incerteza, ou não, sobre os achados.

Um outro exemplo, ainda na temática de eventos raros, que também recebe o nome de falácia do argumento da raridade, é sobre um vencedor da loteria ter trapaceado. O promotor diz que é extremamente improvável ganhar a loteria, e que, portanto, o vencedor trapaceou para ganhar. O detalhe aqui é que muito embora seja pequena a probabilidade de uma pessoa específica ganhar, a probabilidade de alguém ganhar é enorme. Afinal, em praticamente todo sorteio ALGUÉM ganha.

O artigo Epidemiology Visualized: The Prosecutor’s Fallacy tenta explicar a confusão com probabilidades condicionais fazendo uso de imagens. Na imagem abaixo, por exemplo, fica claro.

Temos 9 quadrados listrados, 25 quadrados cinzas e 100 quadrados no total. 4 dos quadrados cinzas são também listrados, ou seja, 4 de 25. 4 dos quadrados listrados são também cinza, ou seja, 4 de 9. Achar que 4/25 = 4/9 é um exemplo de falácia do promotor.

Infelizmente, o processo penal brasileiro é recheado de várias outras falácias argumentativas. Quem dera fosse apenas a falácia do promotor. Para essas e outras falácias, vamos deixar para um texto futuro 😉