Comumente na ciência usamos a célebre frase “Se eu vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes” (atribuída a Isaac Newton, mas podendo ter origem do filósofo Bernard de Chartres). Isso para relatar que não produzimos ciência sozinhos, sempre estamos nos debruçando sobre artigos escritos por “Gigantes” cientistas e nos baseando nestes para realizar nossos experimentos [1]. Esse fato nos leva a ressaltar a importância da veracidade dos dados publicados e consequentemente da sua reprodutibilidade, que reflete diretamente a qualidade da pesquisa desenvolvida. Esse fato me gera a seguinte pergunta: Qual a qualidade da ciência produzida atualmente?  

Antes de mais nada preciso explicar a questão da reprodutibilidade. Quando realizamos uma pesquisa e publicamos nossos resultados, uma das “regras” da ciência é que essa pesquisa precisa ser reproduzível, ou seja, se você é a única pessoa capaz de produzir esse resultado, esse resultado é inválido. A reprodutibilidade de um dado reflete sua credibilidade. Avaliar essa questão nos dados publicados é importante para evitar que outros cientistas sigam pistas falsas.

No contexto da ciência mundial, hoje enfrentamos um grande problema quanto a reprodutibilidade de dados, a exemplo, um estudo publicado em uma das revistas científicas de maior credibilidade, a Nature, avaliou 53 artigos relacionados a tratamentos para câncer. Em suas análises apenas 6 (11%) destes tiveram seus achados científicos confirmados. Obviamente, as tentativas de validação podem ter falhado por causa de diferenças ou dificuldades técnicas, ou por má documentação produzida pelos pesquisadores. No entanto esse resultado é condizente com dados publicados pela empresa Bayer HealthCare, que verificou reprodutibilidade de apenas 25% dos estudos nesta mesma área [2].

Esses resultados, apesar de assustadores, não significam que todo o sistema científico está em falha, mas refletem que uma maior atenção precisa ser dada para avaliar a qualidade dos dados produzidos. E é por isso que (após 3 longos parágrafos chegamos ao nosso real assunto) pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) decidiram verificar a reprodutibilidade dos dados científicos produzidos no Brasil [3]

Com o intuito de avaliar a qualidade da ciência produzida nas “terras tupiniquins”, pesquisadores coordenados por Olavo Bohrer Amaral, médico do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, irão testar a reprodutibilidade de experimentos biomédicos produzidos por cientistas brasileiros. De maneira a garantir a reprodutibilidade dos resultados do próprio estudo, as análises serão realizadas por 3 laboratórios diferentes, que tentarão replicar até 100 estudos de maneira aberta, imparcial e transparente.

O estudo, que possui apoio financeiro do Instituto Serrapilheira, é ambicioso e, apesar de haver pesquisas avaliando a reprodutibilidade de dados científicos, os já publicados são focados em áreas específicas. Esse será um dos primeiros a avaliar a reprodutibilidade de dados científicos de um determinado país.     

 

Referências:

[1] D. A. Eisner, “Reproducibility of science: Fraud, impact factors and carelessness.,” J. Mol. Cell. Cardiol., vol. 114, pp. 364–368, Jan. 2018.

[2] C. G. Begley; L. M. Ellis, “Raise standards for preclinical cancer research.” Nature., vol. 483, pp. 531–533, Mar. 2012.

[3] R. de Oliveira Andrade, “Brazilian biomedical science faces reproducibility test.,” Nature, vol. 569, no. 7756, pp. 318–319, May 2019.