Nos anos 90, me lembro bem de aprender que a terra é redonda, que devemos cuidar do meio ambiente e nos vacinar. Lembro também que costumávamos imaginar como seria incrível o ano de 2020, quando teríamos carros voadores, a cura de várias doenças, energia limpa, etc. Infelizmente a história tomou outro rumo. É possível notar uma onda de negacionismo, e vivemos em um tempo em que se discute o formato da terra, doenças erradicadas voltam a ameaçar, há quem seja complacente com o desmatamento e políticos se elegem com notícias falsas.

Por mais que o povo brasileiro seja chegado em um meme e essas negações rendam longas discussões na internet, este é um cenário preocupante. Uma pesquisa publicada pelo instituto Gallup em 2019, ranqueou 144 países quanto à confiança da população na ciência. O Brasil ficou em 111° de 144, apontando que apenas 35% da população acredita na ciência. Com tal dado não é de se assustar o fiasco do combate a Covid-19 no Brasil e o desastre que se tornou a política. (O Brasil foi o primeiro país do mundo a ter dois impeachments em menos de 25 anos. Tudo bem, temos o direito de pedir a retirada de governantes que não nos atendem, mas precisamos lembrar que esses políticos foram eleitos, ou reeleitos).

Parte dessa falta de confiança é resultado dos problemas no ensino, das condições humanitárias e desigualdades. No ranking mundial da educação publicado em 2019, o país ficou entre os 20 piores de 79 países. Sobre a desigualdade, a pesquisa “A escala da desigualdade”, publicada em 2019 pela FGV, mostrou que, enquanto a metade mais pobre da população sofreu uma queda de 18% na renda, o 1% mais rico teve um aumento de 10%.

Com tantos problemas sociais, ficam nítidos os motivos de boa parte da população precisar entender o método científico. Afinal ao aprender o método, se entende que não existe necessidade de “acreditar” na ciência porque se entende que ela é objetiva: testada e aplicada.

Assim percebemos que o argumento da meritocracia não funciona. Ao analisar a sociedade, percebemos que o “mérito” das pessoas que tiveram acesso a boas escolas, tiveram suas tardes livres para estudar, comida na mesa, bons exemplos em casa e que puderam adquirir conhecimento e capacidade para processá-lo, não se equivale ao “mérito” das pessoas que mal tiveram acesso à educação e comida, conviveram com problemas familiares ou que precisaram começar sua busca por renda cedo para ajudar em casa.

Ainda assim, não é difícil ver as pessoas do primeiro grupo citado que insistem em teorias da conspiração, em duvidar de fatos, se baseando em “fake news”. Quem não ouviu o apelido “vírus chinês”, por exemplo? Ou a história do “kit gay”?

Um outro exemplo clássico é utilizar a palavra comunismo como ofensa. Não digo que todos tenham que amar o comunismo, mas seria interessante entender a necessidade do assistencialismo no combate a desigualdade. Se o indivíduo não gostar de um sistema econômico ou de outro, que pelo menos tenha a capacidade de criticar, não apenas repetir o discurso eleitoral de alguém. É nesse ponto que eu queria chegar, como é fácil repetir sem processar.

Quantas críticas (memes) vimos em relação a algumas mudanças de posicionamento da OMS durante a pandemia, geralmente baseadas no fato de que uma matéria dizia algo 3 meses atrás e algo contrário na última semana. Primeiro, sabemos que a ciência não é absoluta, nem em postulados de séculos de conhecimento, imagine em relação a um vírus que se conhece há menos de um ano. Essa incerteza costuma ser um problema para a maioria das pessoas. O ovo que fazia mal e hoje é saudável, por exemplo. A questão é que é muito mais cômodo ter as respostas do que aceitar que existem perguntas difíceis demais para se responder de forma tão simples.

A maioria das pessoas prefere as respostas fáceis, exceto as naturalmente inconformadas. Estas procuram ir além e entendem que um post não é informação, que é preciso ler a matéria, que por si só também é uma fonte rasa. De onde surgiram aquelas informações, as fontes? Maldita bibliografia, a parte que ninguém quer fazer nos trabalhos em grupo. Quantas outras matérias repetem aquela primeira? Quem repete? Qual o histórico daquele autor, site, revista? O excesso de informação já é visto como um problema contemporâneo, mas será que certas “informações” não são criadas só porque têm sua audiência, seus compartilhamentos e likes?

Dá uma certa preguiça só de pensar  em ter que fazer essa pesquisa toda para checar uma matéria. Afinal, a imprensa não deveria ser justa, verdadeira e imparcial? Bom, a realidade não é bem assim e uma das justificativas é que não podemos mudá-la. Será que não? Nnguém vai compartilhar uma informação após ler e verificar que as fontes não são confiáveis ou que a matéria tenta induzir o leitor a uma interpretação sensacionalista.

Buscar o conhecimento não é apenas se informar melhor, mas fazer sua parte para melhorar o mundo à sua volta. Afinal, ao adquiri-lo você também se torna responsável com o que é feito com ele. Segundo um estudo do MIT de 2018, as “Fake News” se espalham 70% mais rápido que as notícias verdadeiras, uma realidade perigosa que precisa ser combatida.

A própria normalização das “fake news” já é absurda. É um crime tratado como mais uma tática eleitoral que acaba servindo como justificativa para o eleitor manipulado dizer que foi traído. É aí que termina a responsabilidade do cidadão em uma democracia?

Para ter uma ideia do que é democracia, não precisamos buscar uma definição complexa e filosófica, apenas ler a definição no Michaelis: de origem do grego, demos, “povo” e kratia, “poder”, “poder do povo”.

E como Tio Ben ensinou Peter Parker, “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. Em uma democracia, o grande responsável pelos resultados políticos do país não são os políticos. É o povo, que precisa entender sua responsabilidade. Até mesmo a abstenção é um posicionamento político. Talvez seja até um dos piores, já que ignora-se fazer parte do coletivo e não se importa com os impactos que aquela escolha pode ter na vida dos vizinhos, dos parentes, das minorias, de toda a sociedade. É como sair sem máscara. Quantas vezes já foi explicado que se trata de diminuir a circulação do vírus? Não é medo de se contaminar. E ainda hoje se vê negacionistas falando disso.

É muito prático se posicionar dessa forma isenta e se abster do trabalho de ter que formar ou apurar uma opinião, muito mais prático ser manipulado ou acreditar em uma teoria da conspiração, o que for mais conveniente.

O problema desse posicionamento é que, para ouvir a razão, precisamos de dados, de informação e todo o trabalho já citado, mas para a paixão, é muito mais simples, basta escolher onde dói e encontrar uma “solução radical”. Nesse ponto o cidadão pega uma teoria, um inimigo imaginário, um discurso, e apenas o repete.

Como mudar isso? Compartilhando a ciência, as notícias verdadeiras. A solução está na educação, na divulgação científica e, mais do que isso, na divulgação do pensamento científico.

”A ciência é muito mais do que um corpo de conhecimento. É uma maneira de pensar.”

(Carl Sagan)

As mudanças na nossa história só ocorreram quando pessoas que tiveram dúvidas sobre sua realidade resolveram agir. Nosso mundo só terá uma chance de ser melhor se criarmos gerações de inconformados, aqueles que não aceitam a resposta fácil. Não é cômodo, não é simples, mas questione e, principalmente, instale a dúvida.