Como uma lenda da gastronomia italiana virou a comida mais famosa do Natal

Sem nem precisar pensar muito, eu posso dizer que o Natal é meu feriado favorito. Não só o meu, mas de muita gente também, seja pelo significado religioso da data, por unir famílias e amigos em alguns dias incríveis ou só pelo descanso merecido de um bom feriado.

E o Natal de cada um sempre é diferente… Eu sempre passo o meu com a minha família, comemorando tanto a parte religiosa da festa, quanto o famoso amigo secreto, regado a muita comida. Mais do que presentes e Papai Noel, todos os quitutes que só aparecem na época natalina sempre brilharam aos meus olhinhos. Entre todas as opções de ceia de Natal, uma comida é uma verdadeira constante: o panetone.

Pode ter uva passa, pode ter frutinha cristalizada, pode ter chocolate, pode ser trufado, com doce de leite ou até salgado, mas essa iguaria que surgiu em terras italianas já faz parte das mesas brasileiras há muito tempo. Para conhecer a história do verdadeiro panetone, precisamos voltar um pouco no tempo, bem antes de passarem o especial do Roberto Carlos na TV. Ou melhor, bem antes de existir a TV…

(nota do redator: quando escrevi isso, eu acabei ficando curioso e o programa Roberto Carlos Especial existe desde ― pasmem ― 1974 e não foi ao ar apenas em 1999, em 44 anos! Realmente, faz MUITO tempo.)

Na época dos duques

Como qualquer boa história de origem antiga, não se sabe exatamente quando e quem fez o primeiro panetone da história, por mais que várias lendas estejam aí para preencher essa lacuna cronológica. Considera-se que um precursor do doce já era feito no Império Romano, um pão leve, adocicado com mel. Entretanto, o primeiro registro histórico do panetone é datado do Renascimento e liga a comida diretamente à corte dos Sforza, da cidade de Milão, na Itália.[1]

Ludovico Sforza, o Mouro, Duque de Milão. Fonte da imagem: Wikimedia Commons

Uma das lendas de origem do panetone, inclusive, conta sobre Toni, um ajudante da cozinha da corte dos Sforza, ainda durante a Idade Média europeia. Em uma das muitas vésperas de Natal, o cozinheiro-chefe havia queimado o doce feito para a sobremesa do banquete, que estava sendo oferecido pelo próprio Duque de Milão, Ludovico Sforza (conhecido como “Ludovico, il Moro”, ou “Ludovico, o Mouro”, em português).[2] Desolado, suas esperanças acabaram caindo em cima de uma criação rápida de Toni, uma massa levedada e muito macia, feita com açúcar, farinha, ovos, uvas passas (sim, uvas passas) e frutas cristalizadas. O doce foi um sucesso e o próprio Duque o batizou com o nome de seu criador: o “pão de Toni”, ou, panettone.[3]

Uma história de amor

A outra lenda do panetone não remonta um quase-desastre culinário, mas sim uma história de amor tão bonita quanto as próprias luzinhas de Natal piscando na árvore. Em algum ponto remoto do tempo, também na cidade de Milão, o nobre Ughetto degli Atellani havia se apaixonado perdidamente por Adalgisa, filha de um padeiro chamado Toni.[1] Entretanto, a família rica de Ughetto não aprovava de maneira alguma seu casamento com a humilde filha do padeiro. Após Toni adoecer, a sua amada teve que trabalhar sem parar para manter a padaria funcionando, além de competir com outra padaria que havia aberto por perto.[4]

Para passar mais tempo com Adalgisa e ajudá-la, Ughetto decidiu trabalhar todos os dias, após o seu serviço, na padaria com ela. Em seus dias de padeiro, ele alterou a receita do pão que faziam, adicionando mais manteiga, açúcar e outros ingredientes com o tempo. A nova comida tornou-se um sucesso gradativamente, melhorando a situação da padaria. Perto do Natal, ele ainda adicionou raspas de laranja e uva passa, fechando o pacote com chave de ouro (e muitas vendas).[4] Com o sucesso de sua nova receita, a família de Ughetto aprovou o casamento e os dois viveram juntos, felizes para sempre.[2]

O toque brasileiro

Lendas à parte, o panetone é uma das iguarias milanesas ― isso não quer dizer que ela é empanada e frita, mas que ela vem da região de Milão ― mais famosas no mundo todo, chegando ao Brasil por meio de imigrantes italianos que vieram ao país durante o século XIX.[4] E, sim, se você também não gosta de uvas passas como eu, ela é realmente uma das constantes das receitas lendárias do panetone; inclusive, Ughetto remete ao vocábulo “ughett”, termo de Milão utilizado para chamar a uva passa.[3]

É claro que essa receita não passaria a salvo da criatividade do mesmo povo que criou a pizza de strogonoff, a barca de açaí e a feijoada de sorvete. Além do clássico chocotone (que, particularmente, deve ser um dos meus doces favoritos de todos os tempos), o que não falta são panetones trufados, recheados com paçoca, com sorvete, com mousse de maracujá… Para o brasileiro, não há limites para a nossa versão do “pão do Toni”.

Chocolate, sorvete e paçoca? Não sei se os italianos aprovariam… Fonte da imagem: Cozinha de Lavoisier

Mas o que importa, no final, não é a clássica essência do pão ou as bonitas histórias italianas contadas de geração em geração e, sim, começar a ver o que os panetones na prateleira do supermercado significam… É hora de agradecer, confraternizar e abrir o coração, pois o fim do ano chegou e o Natal também!

Se quiser saber mais sobre a origem do panetone e suas lendas, não deixe de dar uma olhada nos textos que usei como fonte para esse artigo… e Feliz Natal! ??

 

[1] “The – buttery and delicious – history of panettone, Italy’s own Christmas cake”, Francesca Bezzone, 2016, L’Italo-Americano.

[2] “The Panettone Legends”, Barry Lillie, 2013, Italy Magazine.

[3] “A História do Panetone”, Flamigni.

[4] “Panettone: The Story of Italy’s Ubiquitous Christmas Cake”, Lucy Gordan, Epicurean-Traveler.com


Gabriel Toschi Cientista da computação em formação pela USP, sempre encontra tempo para falar sobre jogos, tecnologia, viagens no tempo e outras loucuras. Desenvolve jogos, aprecia chocotones, escreve para o Deviante e faz piadas ruins em seu Twitter.