Todo dia ela faz tudo sempre igual. Água, chaleira, fogão, filtro, garrafa, pó, água e café. E em questão de segundos o cheiro característico toma conta do ambiente.

Cheiro de café pode ser descrito como um convite para sentar a mesa. As vezes é um lembrete de uma pausa ou quem sabe um dedinho de prosa. Nosso café de todo dia é cercado de mitos e ritos próprios. O café é considerado a bebida mais consumida no mundo e talvez por esse motivo cause tantas polêmicas por onde passa. Devo ferver a água? É com ou sem açúcar? Mistura-se o pó na chaleira? Café gelado existe? Qual a proporção recomendada?

São tantas perguntas e curiosidades que rondam que vou convidar vocês a pegar o cafezinho enquanto eu explico uma coisa outra.

Quero começar dizendo que eu sou barista formada pelo Centro de Preparação de Café no Museu do Café em Santos – SP. Além disso tenho curso de Drinks com café. Estudo e busco informações sobre o café diariamente e foi complexo selecionar o que iria dizer por aqui.

A planta

O café é um arbusto da família Rubiaceae, o gênero Coffea agrupa 103 espécies segundo Antoine-Laurent Jussieu (1716). No Brasil as duas espécies mais cultivadas é o Coffea arabica (café arábica) e a Coffea canephora (café robusta ou conilon). São cafés próprios para o clima tropical.

Arábica

Arábica é uma planta mais sensível a pragas, tem preferência por altas altitudes (800 á 2000 metros). Clima ameno, variando entre 15ºC á 24 ºC. Seu fruto tem maior polpa, sua concentração de cafeína é mais ou menos 1,2%, possui 44 cromossomos o que possibilita a grande variabilidade do fruto (há mais de 200 tipos de café arábica).

Canephora

Café tipo conilon ou robusta, Canephora é mais resistente a pragas e mudanças de temperatura, seus frutos são mais amargos e com pouca polpa. Contém 22 cromossomos e tem apenas 2 espécies. Sua porcentagem de cafeína é maior (2,2%) e tem menor concentração de açúcar que o arábica.

O Brasil é o maior produtor de café Arábica do mundo! Somos o segundo em consumo de café, estamos falando que um país tropical que tem como hábito ingerir cafés quentes! Apesar de nosso país ser reconhecido mundialmente pelos nossos cafés, os brasileiros não conhecem bem o produto e ainda há um mito que café bom é café de exportação.

Com tanto tipo diferente de café como podemos garantir a qualidade? Foi em 2004 que a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) criou o Programa de Qualidade do Café – PQC. A idéia é simples: um consumidor satisfeito consome mais e para que haja satisfação tem que existir qualidade.

São no total quatro selos de qualidade diferentes e, para identificá-los, basta olhar no verso do pacote de café. Todos os cafés que contêm o selo da ABIC são cafés que respeitam as normas de qualidade instituído pela organização.

A avaliação da qualidade da bebida café é feita por provadores treinados em laboratórios credenciados por meio de análise sensorial e  leva em conta aroma, acidez, corpo, adstringência , fragrância do pó e amargor, entre outras características. “ ABIC

Cafés tradicionais e Extrafortes

  • Sua composição são blends de cafés diferentes podendo ter arábica, conilon/robusta;
  • São cafés de baixo custo;
  • Os cafés tradicionais podem ter até 20% de defeito em peso de grãos;
  • Embalagem é a vácuo ou tipo almofada;

Café superior

  • Máximo de 10% de defeito;
  • Embalagem é a vácuo ou válvula;
  • Pode ser composto por blends de arábica e conilon;
  • Sabor mais acentuado e de qualidade;

Café gourmet

  • São cafés sem nenhum defeito;
  • 100% de café tipo arábica;
  • Embalagem a vácuo ou valvuladas
  • Sabor, PH e aroma de qualidade excelente;
  • É possível perceber notas e aromas frutados, acastanhados e ou achocolatados;

Café com gosto de fruta? Como assim?

 

“Qual o gosto do seu café?”

Essa pergunta é sincera mesmo. Qual o sabor do café? É possível definir um sabor? 

Café tem gosto de café, assim como água tem gosto de água.

Eu tenho certeza que as pessoas que chegaram até aqui concordam com tal afirmação. Café tem gosto de café. Alguns acrescentariam elogios ou críticas ao café, mas eu não tô aqui pra dizer o óbvio. 

A Roda de Sabores do Provador de Café foi atualizada em 2016. A roda é fruto de um trabalho conjunto de pesquisadores, especialistas sensoriais, provadores de café e torrefação. Estes profissionais tiveram o apoio da World Coffee Research (WCR), uma organização de pesquisa científica que promove projetos que buscam a melhoria da vida dos produtores de café. Além da WCR, a pesquisa também teve apoio da Specialty Coffee Association of America (SCAA), a Associação Americana de Cafés Especiais.

O resultado vocês podem visualizar na imagem abaixo. (Um dia eu tive a curiosidade de contar os grandes grupos e passou de 80 sabores e aromas. Isso porque café é tudo igual… Imagino eu se não fosse.)

Pode parecer uma distopia estranha um café com sabor de framboesa, mas existe! Eu mesma já provei um café nesse estilo e não é algo que lembre levemente, não! É gosto de framboesa mesmo! Aquele azedinho característico e o aroma floral tomando o paladar e olfato em uma experiência única!

Obviamente o café tradicional e extraforte vocês não vão conseguir sentir as nuances de sabor, pois há uma presença de defeitos por quilo do café, além de serem cafés de torra escura (quiças queimada) para mascarar o sabor dos defeitos. Os companheiros do café, o leite e o açúcar, também acabam mascarando o real gosto do mesmo.

Reparem bem, não sou só eu que estou afirmando que existem cafés com gostos diversos. Há organizações mundiais de pesquisa sobre o tema, vale dar uma chance para a ciência e provar um cafezinho gourmet diferente para testar.

Há vida no café sem açúcar!

Ali em cima eu comentei que o café arábica tem a porcentagem de açúcar maior do que o conilon, como os cafés gourmets são compostos somente por cafés arábicas muitos tipos de grãos já são extremamente doces e NÃO precisam de açúcar.

Pode parecer pegadinha, mas eu proponho que vocês façam uma experiência qualquer dia deste. Vão em uma cafeteria boa, deem uma olhada no cardápio de cafés gourmets e especiais. A experiência se assemelha a escolha de um bom vinho. Reparem nas notas descritas, doçura e intensidade. Quando chegar o café, tirem um momento para apreciar seu aroma, dêem o primeiro gole sem acréscimo de nada. Sem leite, sem açúcar, sem nada. Permitam-se descobrir os sabores e aromas descritos na Roda. Se não tiver diferença, você põe o açúcar e termina o café normal.

Referências: Associação Brasileira de Industrias de Café 

MARCELINA, Concetta; COUTO, Cristina. Sou barista. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2018.

Apostilas do Curso Básico e Avançado de formação do Barista. Centro de Preparação de Café – Museu do Café. Santos – SP. 2019.