Desnecessário dizer que vivemos um momento histórico. Nossos netos estudarão sobre os dias que estamos vivendo, falarão sobre a Grande Pandemia de 2020, sobre seus impactos na sociedade, na economia, na política. O mundo de hoje já não é, e não voltará a ser, o mundo de ontem. E quem disser a você que sabe exatamente como será o amanhã está certamente mentindo. Esse cenário é, de certa forma, assustador, claro; mas, como divulgador científico, devo dizer que fico mais tranquilo ao ver a Ciência –  e uma Ciência multidisciplinar – liderando nossos esforços.

E faço esse texto justamente para reforçar o papel da Ciência em tudo isso. Desde que a pandemia se instaurou, o mundo todo vem falando de gráficos e achatamentos de curva; de vacinas e remédios; de cuidados pessoais, álcool em gel; de isolamento social, intervenção do Estado e o impacto na economia. O que liga tudo isso? Sim, a Ciência. A Ciência como uma vela que ajuda a iluminar um caminho tenebroso e desconhecido.

Oras, está claro pra todos o papel fundamental de médicas, enfermeiros e todo o complexo e fundamental sistema de saúde dos países. A medicina talvez seja uma das ciências em que a lógica do método científico seja das mais palpáveis para que se desenvolvam procedimentos, tratamentos e remédios. O melhor tratamento do mundo é aquele que foi exaustivamente testado, nos mais diferentes cenários, com populações de variadas origens e contextos, com taxas de sucesso, ressalvas e necessidades. Um bom sistema de saúde é aquele que provê todos os insumos pra que esses procedimentos consigam serem plenamente executados, sejam remédios, equipamentos, infraestrutura ou pessoal especializado.

E cada um desses pontos é, por sua vez, carregado por outras diversas disciplinas científicas. Biomédicos e bioquímicos, que destrincham o vírus atrás de substâncias capazes de vencê-lo, seja como tratamento em um infectado e, esperamos, uma vacina para nos imunizar. Engenheiros, que não só criam aparelhos de alta complexidade como respiradores, que permitem a sobrevida de infectados em casos mais graves, mas que também pensam em soluções simples e geniais para equipamento de proteção de baixo custo em larga escala, produzidos por impressoras 3D. Arquitetos e engenheiros civis que rapidamente adaptam centros de convenções, escolas e estádios de futebol em hospitais de campanha para multiplicar os ambientes propícios para acolhimento em segurança dos doentes.

Isso porque estou citando apenas aqueles que estão, direta ou indiretamente, na linha de frente. Mas o que falar dos especialistas em saúde pública e epidemiologistas, que analisam um complexo cenário a partir de dados incompletos, mas que já o assimilam, fazem projeções e recomendações de políticas públicas efetivas para que melhor lidemos com a pandemia? Dos estatísticos e matemáticos que interpretam números escassos e desenvolvem cenários com diferentes probabilidades para melhor entendermos os caminhos a seguir? Dos químicos que desenvolvem um sem número de melhores produtos de higiene para que possamos nos proteger de forma efetiva e diminuir o impacto do já combalido sistema de saúde?

E como interpretar o impacto na economia de nosso país e de nossas famílias a partir dessa grande crise senão com o conhecimento de economistas? Como desenhar estratégias eficazes de compreensão e aplicação de medidas fitossanitárias em comunidades de menor renda senão com sociólogos? Como compreender as intricadas dinâmicas do ecossistema que nos rodeia durante a epidemia de um novo tipo de vírus que não com veterinários e biólogos? Como desenvolver aplicativos e soluções virtuais, desde informações de saúde coletiva a aplicativos de transferência de renda, sem programadores e profissionais de T.I.? Isso sem mencionar os professores, tutores, mestres de todos estes, que possibilitam que cada uma dessas disciplinas não partam de uma tábula rasa; muito pelo contrário, permitem que nossa espécie enxergue mais longe, partindo dos ombros de gigantes que nos precederam.

Enquanto desenvolvo esse texto, esse agradecimento pelos profissionais que tornam possível continuarmos a ter uma sociedade minimamente organizada mesmo ao enfrentar o maior desafio que essa geração provavelmente irá viver, sem dúvida estou esquecendo de outros ramos da Ciência direta ou indiretamente relacionados às soluções que agora precisamos. E por isso peço desculpas.

Mas em um momento de incertezas e, daí, medo, repito: a Ciência continua sendo nossa melhor ferramenta para interpretarmos o mundo que se apresenta e para desenvolvermos as soluções e estratégias mais eficazes de sobrevivência, saúde e bem-estar para mais de 7 bilhões de pessoas.

Não finalizo o texto pedindo que acredite na Ciência, pois, como repetimos à exaustão por aqui, está longe de ser uma questão de crença ou fé. Peço fazendo outro pedido: apoie a Ciência. Apoie os cientistas. A Ciência, tal qual nosso próprio conhecimento, é imperfeita – mas ela é e continuará sendo nossa principal ferramenta para conhecermos, entendermos e trabalharmos o mundo que nos rodeia e para superarmos os desafios que temos que enfrentar.

Todavia não é nossa função controlar todas as marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos para socorrer os tempos em que estamos inseridos, erradicando o mal dos campos que conhecemos, para que aqueles que viverem depois tenham terra limpa para cultivar. Que tempo encontrarão não é nossa função determinar. (Gandalf em O Senhor dos Anéis – As Duas Torres)