No dia 15 de setembro de 2122, um grupo de pesquisadores chineses faziam a primeira viagem no tempo. O drone batizado de “Marty” viajou 2 horas para o passado e retornou, o nome é referência à um clássico da arte audiovisual, quando a literatura escrita era muito mais utilizada do que hoje.
Já se passaram 20 anos da primeira viagem, mas o resultado ainda é confuso para algumas pessoas. Afinal se a viagem funcionou, a maioria das pessoas pensou que 2 horas antes da partida o drone deveria ter aparecido em algum lugar. Não foi exatamente o que aconteceu, 2 horas antes, tudo que a câmera do drone mostrava era um vazio e pequenos pontos de luz. A viagem foi um marco para a história, mas o drone não foi parar onde deveria.

A terra se move à 107000km/h em relação ao sol, o sistema solar por sua vez viaja a cerca de 240 km/s em relação ao centro da via láctea, que por sua vez viaja para algum lugar que nem se faz ideia. Devido alguns erros de cálculo, Marty foi parar no vácuo do espaço, mas isso era uma possibilidade prevista.
Obviamente, muitas pessoas tentaram desmerecer os feitos da “tecnologia comunista” que planejava enviar todos os “cidadãos de bem” para o espaço. Mas se existem duas coisas que não falham, são o tempo e a ciência bem aplicada, juntos mostraram a evolução da máquina de viagem pelo espaço-tempo. A primeira máquina se chamou “Brown”, depois vieram vários modelos, Viajante, agamoto, Looper, Cronos, são muitas referências.

Apesar de Marty se perder na ida, ele encontrou o caminho de volta, isso foi o suficiente para gerar dados que os pesquisadores de todo o mundo analisaram, estudaram, refinaram e conseguiram mapear o espaço-tempo, eu teria que estudar muito para explicar isso com detalhes. Durante suas viagens seguintes, Marty viajava com uma rota bem traçada no espaço-tempo que lhe garantia uma precisão dentro de um raio de aproximadamente 50 centímetros para o local de chegada, seja no passado ou no futuro.

Cerca de 11 anos depois a viagem pelo espaço-tempo estava bem desenvolvida, talvez um tempo recorde para uma tecnologia de tal proporções, mas nada que muitos interessados pelo mundo e muito dinheiro envolvido não pudessem acelerar o desenvolvimento.

Algumas perguntas foram mais ou menos respondidas, viajar no tempo pode criar várias realidades? Talvez, mas de qualquer forma não podemos viajar entre elas, ainda. Se eu voltar e matar meu avô, quando voltar ao presente ele terá existido e morrido, eu serei lembrado como o assassino dele, mas minhas memorias permaneceriam, tão pouco eu deixaria de existir. É algo estranho, ainda sendo pesquisado.

Essa experiência foi realizada com camundongos e insetos, apesar dos protestos dos defensores dos animais. Esses animais eram criados e se reproduziram em laboratórios, os mais jovens eram levados de volta para o passado após serem treinados para serem colocados em situações em que matariam seu ancestral. Ao retornar, ao presente, os pesquisadores não se lembravam dos filhotes, pois eles nunca teriam nascido, mas se lembravam da situação em que os antepassados haviam sido assassinados. Esse tipo de experimento não pode mais acontecer, mas os pesquisadores que passaram por essa sensação de descoberta de uma vida que eles não lembram relatam uma espécie de “deja vu”, é ao mesmo tempo uma experiência perturbadora e reveladora, descrita por alguns como algo viciante.

Com o início da popularização da tecnologia, começaram os questionamentos: Quem pode viajar? Para qualquer lugar? Em que pode interferir? Parecia uma maravilha, mas também uma ameaça real, para toda a realidade em que vivíamos. Por um momento o mundo se uniu. Centenas de cientistas e lideres políticos discutiram a utilização desse poder. Assim surgiu o tratado para preservação da linha temporal, a agência reguladora de transito pelo espaço tempo, a ARET e o tribunal global do tempo, o TGT.

Imagine a bagunça se não houvessem regras. Todos iriam voltar para salvar seus ídolos falecidos, seus parentes, a si mesmos. Um desastrado poderia mudar o rumo de toda a realidade em que vivemos, já um mal intencionado poderia mudar os rumos da segunda guerra, por exemplo. E o efeito borboleta, até onde e quando uma pequena mudança pode afetar a realidade?
Decidiu-se definir as situações em que se poderia viajar no espaço-tempo.
Dentre os bons motivos para viajar, talvez o instinto primário seja pensar que o principal objetivo deveria ser salvar vidas, mas quais vidas? Todos iriam viver até a velhice? Qual o máximo de “ressurreições”? Obviamente, uma viagem dessas não é coisa barata, a elite poderia viver mais? Surgiu o termo “desigualdade socio-temporal”.

No tratado, foram definidas 4 situações em que a viagem do tempo é permitida, chamadas de 4 leis temporais imutáveis:

1 – Salvar a humanidade e o planeta terra. Nunca houve uma viagem por esse motivo até agora, mas quando houver, provavelmente será para desfazer alguma besteira que a própria humanidade fez.
2 – Desfazer injustiças; algo como uma sentença errada. É um julgamento bem burocrático e seletivo, é um ponto que às vezes parece arranhado pela desigualdade socio-temporal.
3 – Evitar grandes tragédias. Até que ponto é uma tragédia que deve ser alterada, quinhentas vidas valem mais do que uma? A nacionalidade, o país, cor e outras particularidades das vítimas afetam nessa decisão? O TGT jura que é 100% imparcial.
4 – Fins de pesquisa. Talvez seja a melhor e mais divertida das finalidades, as imagens que o drone “Steven” fez dos dinossauros são realmente incríveis. Estão tentando acertar o dia do impacto e presenciar a chegada do meteoro da extinção. Gerou muita ansiedade.

Além das 4 leis, existem as regulamentações, essa área é mais controlada pela ARET.
As máquinas precisam ser homologadas e periodicamente recertificadas por um representante da agência. Os viajantes precisam de uma habilitação especial e trabalhar de forma regulamentar para uma das agências governamentais, também homologadas pela ARET. Todas as viagens precisam ser aprovadas pela ARET e cumprir pelo menos uma das 4 leis imutáveis.

Viagens para o futuro não são proibidas, mas não são bem aceitas, a agência nunca viu um bom motivo para aprovar uma.

Por fim, existe uma regra primordial: é terminantemente proibido alterar qualquer acontecimento antes de 15 de setembro de 2122, a primeira viagem de Marty. O mundo que foi construído até a invenção tecnologia de viagem no tempo deve permanecer intacto, viagens para antes desse período só podem ser feitas quando atendem única e exclusivamente ao lei número 4.

Mas existe ainda uma preocupação acima de tudo já falado, caso uma viagem dê errado e provoque ramificações que alterem as 4 leis, a ARET e o TGT. Isso pode ser ainda mais desastroso, logo, precisaria de uma sede fora do espaço-tempo, imune a alterações. A solução foi mais simples do que parece, a questão não foi onde fazer, mas quando fazer.

Em 15 de setembro de 2122, no prédio chamado de gênesis (eu também acho esse nome muito clichê), é quando e onde ficam arquivados todos os registros das missões temporais, das máquinas homologadas, dos agentes habilitados, tudo. Os relatórios viajam remotamente, via dados que também viajam pelo tempo e são armazenados no grande servidor construído em gênesis.
Assim como os dados vão para gênesis via espaço-tempo, eles também podem ser acessados por um pequeno portal ao lado da minha caneca de café. Sou um auditor da ARET responsável por controlar, verificar e assegurar que os dados estão armazenados de forma segura. De que as viagens não alteraram nada do tratado.

Há alguns meses auditei uma missão que chamou minha atenção. Uma agente voltou para 2124 e impediu um acidente catastrófico em uma das últimas plataformas de petróleo existentes, foi um julgamento longo e polêmico. Esse acidente havia sido a gota d’água para acabar de vez com a extração de petróleo, mas a ARET decidiu que as 77 vidas e os 43 milhões de barris derramados mereciam ser salvos. Eu não me lembro de nada disso, as informações do julgamento e do acidente estão no registro de gênesis, que eu ouvi logo após estacionar meu carro movido à gasolina, usando minha máscara de vapores e pingando de suor.

Eu não sei quem era a pessoa mais rica antes dessa missão, não estão nos registros, mas sei que alguns dos homens mais ricos ainda vendem petróleo.
Talvez, invés de voltar para desfazer nossos erros, nós deveríamos aprender e não os repetir, talvez o mundo precise de uma nova ameaça real para se unir novamente.

Mas a minha realidade é que foram meses planejando e esperando uma chance. Ontem quando fui recertificar mais uma máquina de viagem espaço-temporal, enquanto fingia testar a máquina, retornei para 2122. As pessoas que matei foram os inventores da máquina, destruí os arquivos, não tenho como voltar, Marty não fará sua primeira viagem.

Talvez, essa confissão não faça o menor sentido, talvez pareça apenas as ideias de um louco. Pela primeira vez, a lei imutável número 1 foi aplicada: Salvar a humanidade e o planeta terra.