Eu sou trilheiro. Desculpe se você não esperava por essa meu querido leitor. Mas é a verdade. Eu sou aquele tipo de pessoa que acorda às 5h da manhã em um feriado para encontrar outros malucos e se enfiar no meio do mato para explorar e caminhar por 15, 20 ou mais quilômetros.

Se você nunca fez, fica a dica, começa por uma trilha pequena, que o restante fica mais fácil. De qualquer forma, costumo fazer as trilhas que ficam na cidade e região metropolitana de São Paulo, ou seja, se você lembra das aulas de geografia, São Paulo tem um bioma majoritariamente dominado pela Mata Atlântica (ou o que restou dela).

Como você pode imaginar, vez ou outra estou inserido dentro da Mata Atlântica e vendo incrédulo que mesmo dentro da maior metrópole do Brasil, ainda existem macaquinhos, tatus, cobras e muita vida selvagem nas veias desse arco verde.

Da última vez que estive numa trilha, fiz uma que teve início em um local da região metropolitana chamada Paranapiacaba, que fica bem pertinho de Rio Grande da Serra. Esse vilarejo tem uma história muito interessante, encham o saco dos nossos redatores de História para falarem sobre lá.

A partir do início da trilha, cada vez que íamos em frente, mais fechada a mata ficava ao nosso redor, o que é um ótimo indício para encontrar cada vez mais um ambiente propício para o crescimento de plantas nativas e aparecimento de animais selvagens.

Conforme seguimos em frente, meu apito mental de cientista começou a apitar, quando comecei a observar melhor a mata em busca de coisas que chamassem minha atenção. Não deu outra: encontrei alguns elementos na mata que resolvi trazer para que possamos pensar juntos sobre quem são, para quê servem e entender o que de mais interessante a Mata Atlântica esconde (ou não) de nós.

Descrição da imagem: 4 fotos tiradas na trilha segurando frutas. Em cima à esquerda, frutinha vermelhas pequenas e redondas compostas por várias bolinhas, como uma amora; à direita, uma fruta laranja pequena e redonda pendurada pelo pedúnculo à planta. Abaixo e à esquerda, uma fruta amarela, pouco maior que as primeiras, aberta ao meio de forma que se possa ver um conteúdo mais escuro na parte de dentro; à direita, uma fruta de um verde claro brilhante.

A primeira fruta que encontrei no trajeto foi um limão. Sabe aquele limão mesmo, com cara daquilo que a gente chama costumeiramente de limão aqui no Brasil? Esse mesmo. Mas indo mais a fundo descobri que era um limão taiti (nome científico Citrus latifolia), fruta originária da Pérsia e chegando no Brasil por volta do séc. XX.

Como o Brasil é um lugar abençoado por Deus e bonito por natureza, o solo é muito fértil e dispõe de condições para o crescimento de vários tipos de planta, como ela por exemplo.

Como o objetivo deste artigo é fazer uma conexão entre as frutas encontradas e a pesquisa científica, uma rápida busca no Pubmed me trouxe um artigo interessante: 1efeito do suco de limão taiti na produção de dois tipos de prostaglandinas e outras citocinas pró-inflamatórias envolvidas na menstruação. Segundo este artigo desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (VAI BRASIL), há muitos indícios de que os flavonoides glicosilados presentes no suco agem nas vias uterinas de expressão das prostaglandinas, podendo ser apresentado como um potencial de controle menstrual através de modulação das contrações musculares.

A segunda fruta que encontramos no caminho foram amoras-vermelhas (Rubus rosifolius) (cuidado para não confundir com morangos-silvestres). Na região onde eu nasci, no extremo leste de São Paulo, eles eram muito comuns nas beiradas dos barrancos do Jardim Limoeiro.

A planta é muito recorrente no Brasil, levando muitos a acharem que se trata de uma planta nativa brasileira, mas na verdade é oriunda da África, Ásia e Oceania, onde novamente se adaptou muito bem ao clima dos biomas brasileiros. Por conta de seu potencial invasor, se disseminou de forma muito facilitada.

Além das curiosidades e sabor de infância dessa frutinha, um estudo muito interessante que foi desenvolvido, não necessariamente sobre a fruta, mas sim sobre o caule da planta. Nesse, foi observado que 2 seu extrato induz lesão celular e apoptose em uma linhagem específica de hepatocarcinoma humano (novamente, outro artigo brasileiro que foi desenvolvido na Universidade Estadual de São Paulo – UNESP).

Para os não-iniciados, aqui vai a explicação de dois termos usados no título do artigo: apoptose é um processo de morte celular programada, anteriormente conhecida como “suicídio celular”, em que a célula inicia o processo de autodestruição por motivos variados. Hepatocarcinoma se trata de um câncer instalado no fígado, que vem apresentando aumento de incidência na população mundial.

Em um resumo muito simplista, os efeitos desse extrato (além de todos os efeitos demonstrados no artigo) é pequeno, porém significante sobre a quantidade de células cancerosas, mas são necessários mais estudos para mais resultados.

A terceira frutinha encontrada nesta trilha foi a melancia-da-praia (Solanum capsicoides), também conhecida como joá-vermelho ou arrebenta-boi. Ela é orgulho nacional, originária do Brasil mesmo, muito prevalente em região de litoral, também sendo encarada como erva invasora em alguns locais.

Essa demandou certa pesquisa da minha parte, pois nunca tinha visto uma fruta assim. Na verdade, quando observei, pensei se tratar daqueles tomates-cereja (Solanum lycopersicum var. cerasiforme), mas a polpa era muito diferente.

Mais que isso, a melancia-da-praia está envolvida em uma pesquisa muito interessante desenvolvida por um grupo da Universidade Federal da Bahia que observou as 3evidências do potencial anti-hipertensivo do extrato da melancia-da-praia em ratos espontaneamente hipertensivos (SHR).

Para esclarecer, os SHR são ratos que são modificados geneticamente para que tenham naturalmente uma condição de pressão alta, muito utilizados em modelos para estudo com medicamentos para esta condição, como feito pela proposta do grupo de pesquisa.

O estudo realmente observou o potencial de hipotensão do extrato do fruto, associado a um aumento nos batimentos cardíacos. Entretanto, como tudo em estudos de base, são necessários mais estudos para que possa se desenvolver mais conhecimento sobre esta aplicação.

Por último, a última frutinha encontrada em minha jornada gerou uma grande intriga dentro de mim. Como podem observar na foto, se assemelha a um maracujá, só que bem pequeno.

Em minhas pesquisas, identifiquei que pode se tratar de um maracujá-do-mato (Passiflora cincinnata) ou maracujá-da-caatinga, o que me deixou extremamente confuso. Mas, segundo o Sistema de Informação sobre a Diversidade Brasileira (SiBBr), o maracujá-do-mato pode ser encontrado também na Mata Atlântica, apesar de sua prevalência na região da Caatinga e do Cerrado.

Sendo assim, é uma espécie nativa brasileira. Assim como as outras frutas, o maracujá-do-mato tem em seu repertório um estudo sobre o 4potencial hipolipêmico e perfil de segurança do extrato etanólico e a farinha da casca do maracujá-do-mato em camundongos, pelo grupo de estudos da Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina, Pernambuco.

Em resumo, o estudo conseguiu encontrar um potencial muito promissor de diminuição dos níveis tanto de triglicerídeos, quanto de colesteróis em geral, além de um perfil de segurança muito acentuado, sem sinais clínicos nem mortes registradas dos animais.

Como espero que tenha ficado claro através deste texto, essas simples frutinhas que encontrei em uma trilha nos arredores da maior cidade da América Latina possuem potenciais de alívio menstrual, combate ao câncer de fígado, medicamentos para pressão alta e controle de colesteróis.

Ao passo que avançamos desenfreadamente rumo a destruição dos nossos biomas como espécie humana, além do rastro de carbono deixado para trás, sem dúvida muitas potenciais soluções para as mais diversas mazelas que nos atingem com certeza foram aniquiladas ao som de machados, fogo e a mais pura ganância.

 


1 – Robeldo, T., Canzi, E. F., de Andrade, P. M., Santana, J. P. P., Teixeira, F. R., Spagnol, V., … Borra, R. C. (2020). Effect of Tahiti lime (Citrus latifolia) juice on the Production of the PGF2α/PGE2 and Pro-Inflammatory Cytokines involved in Menstruation. Scientific Reports, 10(1). doi:10.1038/s41598-020-63477-8

2 – De Quadros APO, Oshiiwa B, Petreanu M, Niero R, Rosa PCP, Sawaya ACHF, Mantovani MS, O’Neill De Mascarenhas Gaivão I, Maistro EL. Rubus rosifolius (Rosaceae) stem extract induces cell injury and apoptosis in human hepatoma cell line. Toxicol In Vitro. 2023 Feb;86:105485. doi: 10.1016/j.tiv.2022.105485. Epub 2022 Oct 22. PMID: 36279965.

3 – Simões LO, Conceição-Filho G, Ribeiro TS, Jesus AM, Fregoneze JB, Silva AQ, Petreanu M, Cechinel-Filho V, Niero R, Niero H, Tamanaha MS, Silva DF. Evidences of antihypertensive potential of extract from Solanum capsicoides All. in spontaneously hypertensive rats. Phytomedicine. 2016 May 15;23(5):498-508. doi: 10.1016/j.phymed.2016.02.020. Epub 2016 Mar 5. PMID: 27064009.

4 – Leal AEBP, Lavor ÉM, de Oliveira AP, Dutra LM, Barbosa JM, Alves CDSC, Braga de Andrade Teles R, Santos RFD, Lima RS, Queiroz MAÁ, Lima JT, Almeida JRGDS. Hypolipidemic potential and safety profile of the ethanolic extract and flour of the peel of Passiflora Cincinnata Mast. (Passifloraceae) in mice. Drug Chem Toxicol. 2022 May 19:1-10. doi: 10.1080/01480545.2022.2077359. Epub ahead of print. PMID: 35589671.