Essa resenha é uma parceria do Portal Deviante com a Cia da Letras, que disponibiliza livros do seu catálogo para os nossos redatores escreverem as resenhas. Livro de hoje: “Mercados Radicais: Reinventando o Capitalismo e a Democracia para uma sociedade mais justa”.

Mercados Radicais: Reinventando o Capitalismo e a Democracia para uma sociedade mais justa

Autores: Eric A. Posner & E. Glen Weyl

Editora: Portfolio Penguin

A crise econômica das subprime que estourou nos Estados Unidos em 2008 deixaram marcas profundas na sociedade americana. Entre elas está a crescente desconfiança e desapontamento com a estrutura econômica dos mercados de capitais e com o modelo predatório de algumas empresas fazerem negócio. Especialmente em um país como os Estados Unidos em que a política é basicamente bipartidária (isto é, só há dois grandes partidos que monopolizam a política), a discussão entrou num espectro de direita e esquerda: na direita, defensores ferrenhos da propriedade privada e dos direitos individuais dos investidores; na esquerda, os defensores de uma sociedade mais igualitária, com benefícios e serviços básicos à toda a população e que acredita que é crucial impor limites e regulações aos negócios.

Eric Posner e Glen Weyl – os autores do livro – descrevem que parte deste desgaste do atual modelo econômico é devido à estagdesigualdade, um termo cunhado pelos autores para descrever um momento da economia global em que a economia não cresce tão rapidamente quanto no passado, enquanto a desigualdade social aumenta. Paralelo a isso, as estruturas supranacionais (como a União Europeia e a Organização Mundial do Comércio), originalmente criadas para ajudar na cooperação internacional, tiveram suas imagens desgastadas e perderam parte da legitimidade popular que tinham no passado, colocando em xeque o modelo de economia e investimentos estatais que aplicamos hoje.

O livro começa descrevendo como a ideia base para o projeto foi inspirada na situação da cidade do Rio de Janeiro. Um dos autores passou férias na cidade maravilhosa e percebeu que a receita desigualdade social, corrupção e modelo econômico não estava sendo nada eficiente – de qualquer ponto que se queira analisar – mas especialmente do ponto de vista econômico. Porém, nenhuma “nova ideia” seria capaz de resolver as questões observadas aqui, mas exatamente iguais em diversas partes do mundo.

Como contraproposta aos modelos de academia, a proposta de Posner e Weyl busca se afastar da dualidade direita/esquerda, ao mesmo tempo em que tenta encontrar uma saída que aumente a eficiência econômica e a alocação de recursos e reduza a desigualdade. Para isso, os autores propõem um modelo de leilões constantes e aplicáveis a todos os bens da sociedade. O projeto se baseia na ideia do bem comum e da luta contra o monopólio – que para os autores tem um significado diferente: ao ter a posse de bens materiais com exclusividade, seu dono está indiretamente alimentando o monopólio, já que sua posse impede outras pessoas ou empresas – talvez com mais capacidade e interesse econômicos que o nosso – de usufruir do bem em questão.

Para que este monopólio não seja alimentado pela noção de propriedade privada que usamos hoje nos modelos capitalistas de economia, os autores propõe levar a ideia liberalista ao extremo e promover leilões constantes de tudo. Na prática funcionaria assim: o dono de qualquer bem (seja carro, imóvel ou qualquer outra coisa) autoavalia o preço de sua posse e o declara ao governo. Este valor serviria de base para o cálculo de um “imposto de uso”, e o mesmo valor ficaria visível para todos os cidadãos em um aplicativo que mostra o valor de todos os bens a todos os momentos – como em uma grande vitrine. Quando a sua disposição de comprar for maior do que o preço indicado no aplicativo, você simplesmente clica sobre o produto e compra, automaticamente transferindo os fundos para o proprietário atual – que teria um período determinado por lei para entregar a compra ou sair do imóvel.

Este formato garante que as pessoas sempre tenham o incentivo de declarar o valor real do imóvel: se declararem acima, pagarão mais imposto sobre o bem; se declararem abaixo, poderão ter seu imóvel comprado a qualquer momento por um preço menor do que ele realmente vale. Este modelo também levaria a uma alocação perfeita de recursos, em que aqueles que mais valorizam um bem o compram dos que valorizam menos – levando ao equilíbrio perfeito do preço de produtos e serviços.

Os autores admitem que este é um modelo extremo – tanto que o título da obra é “Mercados Radicais” – mas defendem a ideia de que ele comece a ser implementado em leilões públicos. Ao invés de vender ou dar concessão a uma estrada, por exemplo, o governo pode estabelecer regras de leilão para a compra, e a avaliação do bem feita pelo comprador estabelece o preço caso outra empresa deseje assumir o bem em um momento futuro. Desta forma, o sistema seria aprimorado ao longo do tempo para garantir o equilíbrio perfeito entre o valor do bem e o imposto cobrado, eliminando incentivos para o estabelecimento de preços muito acima ou muito abaixo do mercado.

Como os governos estariam gerando muito mais valores em forma de imposto sobre o uso dos bens, os autores defendem que isso permite uma melhor alocação de recursos públicos para a redução da desigualdade social – até mesmo na forma de uma renda mínima universal. Além disso, haveria incentivos econômicos para que todas as áreas da cidade sejam ocupadas de acordo com a disposição das pessoas em pagar por elas, levando a uma eficiência até mesmo na distribuição geográfica da cidade.

Outra proposta radical dos autores tem a ver com o sistema eleitoral. Segundo Posner e Weyl, a democracia nunca conseguiu equilibrar o poder da maioria com as necessidades da minoria (o que alguns chamam de tirania da maioria). A fim de proteger as minorias deste mal e avançar determinadas ideias que podem ser bloqueadas por grupos muito específicos, a ideia é que as pessoas tenham não mais um direito a voto, mas uma série de “créditos” que podem ser transformados em votos e usados para apoiar um projeto ou outro. Desta forma, quando um grupo tiver uma posição extremamente forte sobre uma ou outra questão, poderá comprar mais votos naquela determinada decisão em detrimento de se pronunciar em outra. O preços dos votos também seria escalonado de forma quadrática: o primeiro voto custaria um crédito, enquanto o segundo custaria quatro, o terceiro nove e assim por diante. Uma minoria, poderia então vencer a maioria em uma questão que lhe é muito particular.

Apesar de tentarem ser bastante didáticos em sua abordagem, os autores baseiam suas ideias no trabalho de grandes economistas que ganharam o prêmio Nobel – o que torna a leitura um pouco inacessível. Além disso, por estarem propondo uma ideia bastante radical e distante da realidade atual, as propostas podem causar estranheza no público que geral, e com razão. É extremamente incomodo pensar em uma sociedade em que você não tem a segurança de que estará de posse da sua casa, mesmo tendo pago por ela, ou que alguém pode se interessar pelo seu carro e compra-lo bem quando você planejou aquela viagem com as crianças. Os autores afirmam – por alto – que haveria garantias de que nada seria tirado dos donos “da noite para o dia”, mas eu imagino que, em uma sociedade em constante leilão por absolutamente tudo (eles citam atém álbuns de fotos de família), os cidadão estariam constantemente estressados e/ou paralisados – se sentindo impedido de fazer planos de mais longo prazo.

O que talvez mais me incomode neste livro é que os autores descrevem a economia atual como se ela fosse totalmente desprovida de pontos positivos, e oferecem o leilão constante como panaceia para o modelo capitalista. Além disso, ao levar as ideias liberais ao extremo, Posner e Weyl soam cínicos e insensíveis em seus discursos sobre democracia, trabalho e liberdade.  As ideias até podem servir como o começo de um debate para um novo liberalismo, mas definitivamente não são práticas e nem fáceis de digerir.

Apesar de ter sido eleito um dos livros do ano em 2008 pela revista The Economist, esta definitivamente não é uma leitura para qualquer um. As propostas de Posner e Weyl de levar o liberalismo econômico ao extremo pode causar forte estranheza no leitor e provavelmente nunca serão efetivamente implementadas, mas também pode suscitar debates nos círculos acadêmicos e políticos sobre novas formas de pensar e encarar os modelos liberais já existentes. Só isso já faz do livro uma importante ferramenta – mesmo que não seja para o nosso dia-a-dia.