Uma vez eu li em um prefácio de um livro que a ficção científica é um gênero literário que pode permitir a extrapolação da realidade. Através da ficção científica a gente pode copiar e colar nossa realidade ou uma parte dela e adicionar quantos elementos forem necessários para fugir um pouco usando a imaginação para sentir como seria viver de outras formas. 

Flores para Algernon é um exemplo de livro em que os leitores experimentam uma realidade, muito parecida com a nossa, mas com uma pitada de experimentação de coisas inimagináveis na nossa sociedade atualmente.  

É ficção científica, é uma história bonita e um pouco triste também, eu confesso. Vem comigo que eu vou te contar porque ler Flores para Algernon

Flores para Algernon é um clássico na literatura estadunidense que foi publicado pela primeira vez em 1959 em forma de conto e em 1969 em forma de romance epistolar. Já foi adaptado para musicais e filmes, hoje é literatura obrigatória em muitas escolas nos Estados Unidos. 

Sinopse

O livro Flores para Algernon conta a história de Charlie Gordon, um rapaz de 32 anos que possui uma perda intelectual, mas que tem um sonho de ser inteligente.

Charlie vive sozinho e longe da sua família. Ele trabalha em uma padaria ganhando 11 dólares por semana para fazer trabalhos braçais e, durante a noite, nos períodos em que não está trabalhando, frequenta uma escola em que todos os alunos possuem algum déficit cognitivo.

Lá, a professora Kinnaman percebe que Charlie possui uma força de vontade em ser inteligente e ser como os outros homens da idade dele. 

Ele consegue ler e escrever de forma precária, com vários erros de ortografia, e sua professora acha que Charlie está capacitado para participar de um estudo que está sendo realizado em uma universidade por pesquisadores das áreas de neurologia. 

Faz sentido uma das primeiras versões do romance ter sido publicada em forma de romance epistolar, ou seja, contado através de cartas, porque o livro nos conta a história de Charlie através de diversos relatos dele em ordem cronológica, como um diário contando todas as fases do estudo em que ele se submete para ficar inteligente.  

Capa do Filme Flores para Algernon feito no ano de 2000. Na capa podemos ver um homem e um rato branco fazendo a alusão a relação de Charlie e Algernon.

Os primeiros relatos são ainda da fase em que ele está passando pelos testes iniciais para os pesquisadores entenderem se ele se encaixa nos requisitos para participar do estudo. Charlie narra os fatos do seu ponto de vista. É quase como se uma criança estivesse ali contando para os leitores sobre o que ela vai ser submetida. 

Quem o apresenta à possibilidade de participar do estudo e o incentiva é sua professora. Charlie abraça essa possibilidade de uma forma muito intensa e coloca todas as suas forças nisso, ainda que seja remota a chance de o estudo funcionar e tornar ele inteligente. 

Ele, naquele momento, não tem todas as informações e nem a dimensão do que poderia lhe acontecer. É triste perceber na história que ele nem sequer entende a forma como é tratado pelas outras pessoas. Charlie é extremamente maltratado no trabalho, onde seus amigos riem dele e tentam a todo momento tirar sarro dele pregando peças e às vezes até colocando em risco sua saúde e integridade física. 

Charlie se submete a todos os testes e acaba passando pela cirurgia no cérebro que seria capaz de corrigir sua deficiência intelectual e aumentar seu QI para os níveis do que seria uma pessoa comum.

Aqui, eu peço desculpas se não estiver usando os termos corretos para me referir a condição de saúde do personagem, mas as fontes que eu consultei e a própria tradução do livro se referem dessa forma. Se você que já leu o livro e sabe uma melhor forma, por favor compartilhe com a gente nos comentários desse texto. 

A equipe dos médicos e pesquisadores do estudo a que Charlie se submete estão ainda em fase de testes para entender se a cirurgia pode ser bem-sucedida. Eles testam os procedimentos primeiro em um rato, chamado Algernon. Charlie acompanha diariamente o comportamento e evolução do tratamento de Algernon. Ali se cria uma relação de proximidade e também de esperança. 

Por que ler?

A partir daqui tudo o que eu disser pode ser spoiler do livro. Vou apenas trazer alguns pontos que são discutidos através das reflexões de Charlie e que nos mostram, com a extrapolação da realidade que eu falei lá no começo, como a nossa sociedade lida com pessoas com deficiência. 

Charlie, antes da cirurgia, vivia praticamente isolado da realidade e do mundo real. Ele não convivia com sua família e ao longo dos relatos dele vamos entendendo o porquê.

Os únicos contatos que ele tinha com outras pessoas era com a professora, outros alunos da escola e as pessoas no seu trabalho. Um grupo pequeno.

Isso já é um bom começo para entender como a nossa sociedade e, portanto, a realidade que temos, lida com as pessoas com deficiência. Charlie nem sequer percebe como é excluído da sociedade. 

Discussão de temas Importantes

Outro ponto muito importante trazido pelas reflexões de Charlie é a expectativa que a sociedade coloca em todas as pessoas do ponto de vista de performance.

É quase que obrigatório que uma pessoa seja genial, muito competente e cheia de habilidades para que ela seja aceita como minimamente viável na sociedade. Isso ocorre do ponto de vista intelectual e em alguns níveis do ponto de vista físico mesmo, pensando nos corpos das pessoas. O fato de as pessoas com deficiência serem praticamente descartáveis é abordado de forma muito profunda quando os desdobramentos do livro vão se passando. 

A inteligência que Charlie tanto busca é também mostrada de uma forma muito interessante no livro, porque, a princípio, é tratada de forma planificada, como se só existisse uma inteligência possível, essa da performance que a sociedade espera. Ao longo dos relatos de Charlie, ele mesmo vai entendendo a dimensão do que pode significar inteligência. 

Esses e outros pontos são trazidos de forma muito delicada e pessoal, contando mesmo a história do Charlie. Vamos acompanhando a vida dele e os impactos da cirurgia pela qual ele passou. 

Um outro ponto que é trazido é a dificuldade das pessoas que estão do outro lado do outro espectro, ou seja, que possuem uma “inteligência” acima da média. Essas têm dificuldades em se relacionar socialmente e também acabam sofrendo uma certa distância da sociedade. 

Resolvi trazer essa resenha porque recomendo mesmo a leitura do livro e porque a visão da ciência e principalmente dos pesquisadores trazida nesse livro pelo autor é muito importante.

O autor discute temas que são muito relevantes como a ética profissional, a atuação dos pesquisadores e a necessidade de que seja uma atuação responsável e até o ego no meio científico. 

Flores para Algernon é um livro extremamente fácil de se ler e traz reflexões muito importantes para nossa sociedade. Recomendo demais! 

Me conta nos comentários se já leu, ou se pretende ler. E me diz o que achou do livro. 

Até a próxima! 

Imagem de Capa: Capa do Livro Flores para Algernon publicado pela editora Aleph em 2018.