No último dia 14 de abril, morreu Bernardo Madoff – o homem que organizou um dos maiores esquemas Ponzi da história roubando mais de 65 bilhões de dólares de seus clientes. O obituário reascendeu os alertas contra os esquemas de pirâmide e inspirou este texto que conta a história de Charles Ponzi – o homem que dá nome ao crime. Italiano de nascença, Ponzi causou em Massachussets nos anos 1920 e curiosamente morreu no Rio de Janeiro.

Como tudo começa

Ponzi nasceu na Itália em 1882, emigrou para a área de Boston em 1903 e acabou indo para Montreal em 1907. Depois de ser preso no Canadá por fraude e posteriormente em Atlanta por imigração e contrabando, ele retornou à região de Boston em 1911. E esta ficha criminal é antes do esquema, hein?

Em 1919, ele percebeu uma oportunidade de arbitragem* com cupons para selos de correios internacionais. Estes cupons eram enviados em qualquer carta e poderiam ser trocados por selos no país do destinatário para que este não tivesse que pagar pela resposta.

O que Ponzi percebeu foi que os cupons de selos eram muito mais baratos na Europa do que nos EUA. Isso porque após a Primeira Guerra, a diferença de inflação entre as duas regiões deixou o dólar mais valorizado. A ideia era comprar cupons europeus, trocá-los por selos americanos e posteriormente por dólares e o lucro chegaria a 6 para 1.

Para levantar capital para o negócio, Ponzi tentou um empréstimo no banco, mas foi rejeitado. Logo em seguida, apresentou a ideia a diversos amigos com promessas de dobrar o dinheiro investido em três meses. Depois que abriu a “oportunidade” ao público, oferecia lucros de 40-50% em 45 dias. Para fins de comparação, os juros americanos na época estavam em torno de 5% ao ano.

Em janeiro de 1920, Ponzi fundou a Securities Exchange Company e teve 18 investidores no primeiro mês. Todos eles receberam seu dinheiro de volta como prometido, pagos com valores depositados por investidores mais recentes. Ponzi nunca chegou a efetivamente investir nos cupons para selo porque a logística dificultava o envio de selos da Europa e a efetiva troca por dinheiro.

O boom dos negócios

Com números tão relevantes, o boca-a-boca fez o negócio crescer exponencialmente, 400% em um mês. Ponzi chegou a empregar seis pessoas que ficavam dia e noite registrando o dinheiro que entrava e contratou agentes que traziam ainda mais pessoas para a empresa. Nesta altura, todos os empréstimos eram devidamente pagos, o que só estimulava mais pessoas a entrarem.

Conforme o esquema inflava, Charles Ponzi se tornava mais poderoso: seu volume de depósitos bancários era tão alto que que ele se tornou presidente da cooperativa de crédito, usou parte do dinheiro para comprar propriedades, caros, e até uma fábrica de macarrão, e expandiu os negócios para diversos estados da costa leste americana.

Mas quando a esmola é demais, algum santo desconfia. Um empresário chegou a dizer que era impossível que a Securities Exchange Company efetivamente desse os lucros que prometia. Ponzi o processou e ganhou 500 mil dólares de compensação. Algumas pessoas também começaram a desconfiar e houve uma corrida para saques. Como todos foram pagos corretamente, o público se acalmou.

Bom de lábia, Ponzi escapou até mesmo de uma investigação oficial do estado de Massachusetts. Mas em julho de 1920, o jornal local Boston Post começou a investigar e percebeu fatos estranhos: para manter o esquema deveria haver mais de 160 milhões de cupons de selos circulando, quando o número não passava de 27 mil e curiosamente o próprio Ponzi não investia em sua empresa. Houve uma nova corrida para saques e Ponzi acabou pagando mais de US$2 milhões em apenas três dias.

O começo do fim

O golpe de misericórdia ironicamente nasceu de uma decisão do próprio Ponzi. Para acalmar os ânimos e tentar manter a mídia a seu favor, ele contratou William McMasters. Ao analisar o negócio, o publicista começou a desconfiar e depois de ter acesso a alguns documentos que provavam o esquema em pirâmide, vendeu a história para o Boston Post. Desta vez Ponzi não escapou.

O dossiê do jornal mostrou as provas da fraude além de seu passado sujo no Canadá e no mesmo dia a cooperativa de crédito comandada por Ponzi teve todo o dinheiro bloqueado. Pouco tempo depois, Charles Ponzi se entregou às autoridades municipais e logo estava em liberdade sob fiança. Praticamente no mesmo momento, foi preso pelo estado de Massachusetts, mas também pagou fiança e aguardou em liberdade. Mas ainda havia crimes federais.

Com medo de que ele fugisse, o fiador não confirmou a fiança para os crimes federais. Encurralado, Ponzi se declarou culpado por crime postal e cumpriu 3 anos e meio de pena. Logo que foi solto, voltou a ser indiciado por furto pelo estado de Massachusetts, mas com sua lábia conseguiu convencer o júri a inocentá-lo do primeiro indiciamento. No segundo julgamento, o júri não chegou a um veredito, e finalmente na terceira vez foi condenado de sete a nove anos de prisão por ser “um ladrão notório”.

Após cumprir apenas três anos, ele conseguiu fiança e escapou para a Flórida onde acabou condenado mais uma vez por um esquema imobiliário que prometia um retorno de 200% em 2 meses. Ponzi foi devolvido a Massachusetts onde terminou de cumprir sua pena e acabou deportado para a Itália em 1934. Lá, tentou vários esquemas, sem sucesso, até que conseguiu um emprego com a Ala Littoria – uma companhia aérea que o mandou para o… Brasil.

Sua vida no Brasil não foi notória, e durante a Segunda Guerra, a inteligência britânica interveio nos negócios da Ala Littoria e com o Brasil favor dos Aliados a empresa foi encerrada. Sem dinheiro e com a saúde comprometida, Ponzi morreu no Rio de Janeiro, em 1949.

Além de contar essa história quase inacreditável, eu queria chamar a atenção de você, querido leitor para que se um investimento parece ser bom demais para ser verdade, provavelmente é. Se você não entende como um negócio pode dar tanto dinheiro tão rápido, é porque provavelmente não pode e é melhor você ficar de fora.

* Uma arbitragem é quando você explora diferença de preços de um mesmo produto em locais diferentes. Vamos dar um exemplo: imagine que as as cebolas custem R$0,50 em sua cidade, mas na cidade vizinha custam R$1,00. Você poderia comprar cebolas perto de casa e levá-las para a cidade vizinha e vender com lucro. E não tem nada de errado nisso. Ao longo do tempo, a tendência é que os preços se equilibrem nas duas regiões e oportunidade de arbitragem termine.