Essa é uma pergunta que eu ouço de tempos em tempos. E é uma dúvida razoável, é tanta coisa pra lembrar!

Eu estou escrevendo isso com física ou matemática em mente, mas de certa forma isso vale para quase todas as matérias. Professor, eu estudo, presto atenção na aula, copio as fórmulas, tenho um cartaz no banheiro com as relações trigonométricas e já considerei tatuar a terceira lei de Kepler na bunda, porque só assim pra lembrar — mas mesmo assim não entra tudo. É uma questão de memória, dedicação? Como TU, professor, lembra de tudo isso? (Aliás, tu lembra de tudo mesmo? Serião?)

Eu acho que a resposta curta seria que ninguém lembra de tudo, mas a questão é que a pessoa lembra como lembrar. “Se tu não lembrou é porque faltou estudo, esforço, dedicação, memória?” Não. Parafraseando, alguém que decora todas as fórmulas de física não vai se tornar melhor na matéria do mesmo jeito que alguém que decora a gramática não se torna um escritor melhor.

Há algum tempo atrás eu li isso numa excelente resposta pra pergunta “Estudantes da Pós lembram tudo que eles aprenderam na faculdade o tempo todo?” aqui, e pra quem entende inglês eu recomendo esse texto que certamente faz um trabalho muito melhor em responder essa pergunta do que eu. E eu vou descaradamente citar alguns trechos dali.

 

Ah, as fórmulas…

Quando o tempo permite, na primeira semana de aula eu costumo perguntar pros alunos pra que serve uma fórmula de Física, por exemplo. Sempre ouço alguma variação do tipo “olha professor, pela minha experiência o objetivo delas é me ferrar.” Mas falando sério, qual é a ideia? Fazer uma conta e chegar num valor (dã), quem sabe? Se tu pegar, por exemplo, a fórmula pra força de atração gravitacional entre dois corpos (puts), ela diz que um corpo puxa o outro com uma força que vale

F = (0,0000000000667)*M*m/d².

Nessa fórmula, F é a força de atração entre os corpos, M é a massa de um deles, m é a massa do outro e “d” é a distância entre eles. O número feio na frente da fórmula se chama “constante gravitacional” e normalmente é resumido pela letra G, mas é só isso, um número que está ali pra ajeitar os valores pras unidades que a gente usa. Não dê muita bola pra isso agora.

E então, pra que que serve essa fórmula? Claro, eu poderia te dizer que “olha, eu tenho um objeto de 2kg que está a 1m de outro objeto de 3kg”, daí tu podia colocar os valores na fórmula e voilà, achar o valor da força de gravidade que um faz no outro.

 

Não é (só) sobre fazer contas

Mas o importante é perceber que a fórmula serve pra mais do que isso. O objetivo de qualquer fórmula de física é, no fundo, expressar um comportamento da natureza usando linguagem matemática. As fórmulas te dizem o comportamento das coisas, e isso não tem preço.

Olhando pra essa fórmula, sem fazer conta nenhuma, tu pode perceber que existe um número muito pequeno multiplicando os valores — então o resultado, o valor da força, em geral vai ser muito pequeno — ou seja, a força de gravidade em geral é muito fraca.

Claro, um jeito de compensar esse número pequeno seria colocar um valor muito grande de massa — se um dos objetos envolvidos tiver uma massa muito grande, a força de gravidade começa a ter um valor considerável. É por isso que nós sentimos a atração de gravidade de um planeta, mas não somos puxados pela gravidade de um ornitorrinco, por exemplo.

De novo: usar uma fórmula em física é só um jeito de expressar com linguagem matemática o comportamento da natureza. Quando tu acha um resultado de uma conta, tu tá fazendo mais que achar que x = 7 ou coisa assim. Tu tá descobrindo o que iria acontecer. É meio que um jeito de prever o futuro, só que fazendo contas ao invés de jogar búzios. Acho que entender a utilidade delas é o primeiro passo pra fazer amizade com elas.

 

Não é sobre lembrar de tudo

Mas a questão aqui não é essa. Tu pode virar pra mim e dizer “olha professor, eu entendo que essas fórmulas servem pra alguma coisa, a questão aqui é lembrar de todas elas”.

Sinceramente? Não é pra tu lembrar de todas elas. Não vai te ajudar em nada decorar todas as fórmulas e pensar que agora tudo o que tu tem que fazer é ver como usar elas com os dados do problema. Isso até pode dar certo por um tempo, e talvez durante anos você tenha memorizado as fórmulas do bimestre pra prova do colégio e até deu certo, mas não é assim que funciona.

“Olha professor, pra mim deu certo até agora, desculpa, mas funciona.” Talvez tenha funcionado por enquanto, mas acredite em mim, é humanamente impossível lembrar de tudo. E isso não vale só pra Física. Talvez não no vestibular, não na faculdade, mas alguma hora você vai chegar num beco sem saída. A ideia de aprender coisas é muito mais sobre relacionar elas do que é sobre lembrar de todas elas.

 

Conexões

Tirado de um dos livros do grande físico Richard Feynman, imagine que as estrelinhas na imagem a seguir são um mapa de todas as fórmulas que existem em Física. Agora vamos dizer que tu bateu a cabeça na pia do banheiro e todo o teu conhecimento de um determinado assunto foi apagado.

A natureza é tão perfeita que é possível reconstruir o que tu esqueceu baseado no que sobrou. Claro, se tu não tiver esquecido muito e souber o suficiente. Existe um momento — e talvez você não tenham chegado nele ainda — no qual tu conhece tantas coisas que acaba esquecendo algumas delas, mas consegue reconstruir baseado no resto.

Descrição da imagem: dois desenhos de um mapa com estrelas. No primeiro as estrelas apenas estão dentro do mapa e há uma legenda em inglês que, em tradução livre diz: “Mapa imaginário de todas as formulas da física. No segundo desenho, há ligações triangulares entre algumas estrelas, mostrando relações entre elas. A legenda diz: fatos esquecidos podem ser recriados a partir da triangulação de fatos conhecidos.

“Ah, eu não me importo, eu sou bom em lembrar de coisas.” Desculpa, mas isso não funciona. A ideia de todas as ciências é descobrir coisas novas, e é só se você sabe descobrir coisas novas a partir de antigas que um dia pode chegar na próxima imagem — uma coisa realmente nova.

Como disse Feynman, “para aprender a fazer isso, você tem que esquecer esse negócio de decorar as fórmulas, e tentar aprender a entender as inter-relações da natureza. Isso é muito mais difícil no começo, mas é o único caminho de sucesso”.

Descrição da imagem: um balão preenchido por estrelas, mostrando que as conexões entre as estrelas levam uma nova estrela fora do balão. Na legenda original da foto se lê, em tradução livre do inglês: “novas descobertas são feitas por físico triangulando a partir do conhecido para o que era anteriormente desconhecido”.

 

A catedral e as pedras

Um exemplo sensacional (tirado do texto cujo link postei no começo) tem a ver justamente com isso. “Iniciantes se preocupam com os detalhes, enquanto especialistas se preocupam com a visão geral”.

Parafraseando, enquanto estudantes de história se preocupam com datas e fatos, os professores veem a narrativa, personalidade e contexto. Músicos iniciantes se preocupam com tocar a nota certa na hora certa, enquanto os mais experientes se preocupam com a interpretação e estética. Em inúmeros casos, o estudante está se afogando em detalhes demais para ver o todo. Eles olham para uma catedral e enxergam uma pilha de milhares de pedras.

Descrição das imagens: acima, pedras formando uma parede. Abaixo, uma imagem vista de longe, mostrando que as pedras formam uma catedral.

 

Diferentes visões

É surpreendente, como professor, quantas vezes eu já consegui lembrar, melhor do que um aluno, qual havia sido o exemplo da última aula, as perguntas que tinham surgido durante a resolução e talvez até os números que a gente tinha usado.

E não é só por repetir a aula várias vezes: enquanto eu estava preocupado com onde o exemplo se encaixava no aprendizado da matéria, e o que ele mostrava sobre as dificuldades da turma, muitas vezes o aluno estava ocupado com as frações que ele teve que somar, ou com qual era mesmo o seno de trinta graus. É como se você tivesse que aprender a jogar basquete enquanto você ainda está aprendendo a caminhar, correr e como segurar uma bola.

Muito da educação funciona assim: você está tentando compreender como um objeto acelera escorregando por uma rampa, enquanto ainda não sabe direito o que a palavra “acelerar” quer dizer nesse contexto, ou qual o papel do atrito e da gravidade nesse processo. Especialistas veem a catedral, e depois olham para as pedras. Os estudantes se agarram nas pedras que conseguem, esperando empilhar elas e construir alguma coisa.

 

Como lidar com isso?

Não existe uma solução mágica. Diferentes problemas exigem diferentes abordagens, e podemos explorar algumas dessas em textos futuros (comenta aí!). Acho que o principal ponto é entender que reconhecer as peças pelas catedrais que elas formam é algo que vem com o tempo, e não existem atalhos. Suas dificuldades com alguma matéria do colégio, faculdade, ou o que for, não são um reflexo de incapacidade.

Felizmente, cada vez mais aprendemos sobre como aprender, e aqui vai uma lista rápida de algumas coisas para refletir e pesquisar na internet:

  • Como fazer anotações e diagramas mostrando conexões entre ideias. Muitos de nós fazemos isso por instinto, mas vale a pena buscar algumas dicas de profissionais.
  • Para leitores que estejam acompanhando esse texto com alguma prova ou teste em mente: repetição e teste são fundamentais. Feedback enquanto você estuda é importante. O que você está fazendo está funcionando? Ter metas claras ajuda bastante, e sua memória não é perfeita. Não esquecer o que você já sabe é tão importante quanto aprender o que você não sabe.
  • Para quem precisa memorizar coisas, softwares que trabalham com repetição espaçada, como o Anki, podem ser muito úteis.
  • Descanso faz parte de qualquer estudo. Ninguém se prepara para uma maratona só correndo noite e dia: você se alimenta bem, você dorme bem. O mesmo vale para os seus estudos. Dê tempo ao tempo.

Reflita sobre isso, dê um tempo ao tempo. Outra hora a gente continua :)