Imagine uma praia cheia num dia de verão. Nessa praia trabalham dois sorveteiros, cada um com o seu carrinho de sorvete.

Pra evitar a fadiga (já diria o carteiro Jaiminho) eles evitam empurrar seus carrinhos de sorvete constantemente, indo e voltando na praia e preferem escolher um lugar para estacioná-los, deixando que os compradores caminhem até eles. Os vendedores podem parar em qualquer lugar nessa praia, então cada um deles escolhe ficar parado no ponto em que o maior número de compradores vá até ele; quanto mais clientes, mais dinheiro pro sorveteiro. Os compradores, que também não querem andar demais, preferem comprar do sorveteiro que estiver mais perto deles. Além disso, vamos dizer que os banhistas estejam bem espalhados pela praia. Se tivéssemos só um sorveteiro na praia a escolha de onde parar o seu carrinho não faria a menor diferença. Ele poderia ficar lá na esquerda,

no meio, ou na direita da praia,

e acontece que nos três casos qualquer pessoa que queira tomar um sorvete deverá caminhar até ele, seja andando pouco, ou tendo que fazer uma caminhada ao longo da praia toda, no entanto, quando temos dois sorveteiros, isso muda! Observe a imagem a seguir:

Se os dois sorveteiros escolhem parar seus carrinhos a mesma distância do centro da praia, o número de clientes que eles terão será o mesmo; cada um deve vender para metade dos banhistas, pois todo mundo que estiver do lado direito vai preferir comprar do vendedor azul, enquanto o pessoal da esquerda vai estar mais próximo do vendedor rosa. Agora imagine o que aconteceria se o vendedor da esquerda decidisse chegar um pouco mais para o centro da praia. Indo mais para a direita ele estaria “roubando” compradores do outro vendedor, porque algumas pessoas estariam agora mais próximas dele do que do vendedor da direita. Mas o vendedor da direita, que não é bobo nem nada, não deixa por isso e também leva o seu carrinho mais pro centro da praia, aumentando o número de clientes novamente.

Esse jogo continuaria até que os dois vendedores estivessem parados bem no meio da praia, porque empurrar o carrinho pra qualquer outro lugar diminuiria o número de seus clientes; todas as pessoas que estivessem do lado esquerdo da praia comprariam do vendedor rosa, mesmo que tivessem que andar bastante pra isso e o mesmo vale para o lado do vendedor azul.

Agora vamos transpor esse exemplo pra um cenário político. Os sorveteiros seriam agora dois candidatos, ou partidos que se distinguissem um do outro dentro do espectro que vai da esquerda política até a direita política, assim eles caminhariam ao longo dessa “reta ideológica” para conseguir o maior número de eleitores.

O comportamento político ao longo de uma eleição tende a se parecer com o nosso exemplo dos sorveteiros, pois cada candidato está numa disputa (as vezes muito acirrada) para captar votos, assim cada candidato conta com alguns eleitores fiéis (um eleitor de extrema direita dificilmente vai votar num candidato de esquerda e vice-versa), mas os eleitores mais moderados não tem assim tanta certeza sobre qual dos dois candidatos escolher, pois da parte dele não há identificação com as ideias da extrema esquerda, nem da extrema direita. O que se passa a seguir é uma luta pelos votos que estão mais ao centro, onde os discursos dos dois candidatos acabam suavizando seu tom, a fim de conquistar esses eleitores indecisos.

Mesmo que alguns partidos tenham um público bastante fiel às suas ideologias, quando a cena é de muita competitividade, os candidatos têm todo o incentivo a ir um pouquinho mais em direção do centro pra captar alguns votos a mais, pois não faz diferença o quanto as ideias de cada candidato se tornem desagradáveis para seu eleitor de extremo, pois, caso ele ainda queira votar, esse eleitor fatalmente escolherá o candidato que tem as ideias mais próximas das suas.

No início de um processo eleitoral faz sentido que os candidatos se mantenham firmes às suas ideologias, mas quando caminhamos em direção a um segundo turno faz todo o sentido para eles carregarem seus discursos em direção ao centro da praia.

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Esse artigo se inspira no teorema do eleitor mediano de Anthony Downs, apesar de fugir do seu escopo. Pra quem gostou vale muito a pena ler um pouco mais

http://philosophicaldisquisitions.blogspot.com/2011/05/game-theory-part-4-median-voter-theorem.html

http://rdc1.net/forthcoming/medianvt.pdf

Separei também algumas matérias que sugerem uma tentativa de sinalização de posturas menos extremas para ambos os candidatos de segundo turno das eleições de 2018.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/haddad-nao-deve-manter-visitas-semanais-a-lula-e-pt-admite-rever-programa.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/lancamento-de-carta-pregando-democracia-divide-campanha-de-bolsonaro.shtml

https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,bolsonaro-tentara-humanizar-imagem,70002538091

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Guilherme Lopes é vale paraibano de nascença, economista de formação e caipira de coração. Curioso sempre que possível.