Texto de Izabelle Viana Costa

Você talvez seja uma daquelas pessoas que, antes de preparar um delicioso estrogonofe, leva a carne crua para debaixo da torneira para lavá-la em água corrente. O que parece ser um ato intuitivo de higiene na cozinha carrega, na verdade, uma série de perigos. Neste artigo, explico o motivo. 

Figura 1. Lavar a carne antes de cozinhá-la é um equívoco comum em muitas cozinhas ao redor do mundo e pode ser uma importante fonte de contaminação cruzada [1]. Descrição: a imagem ilustra uma pessoa lavando um pedaço de carne em uma pia sob água corrente.

Carnes em geral podem carregar consigo diversos microrganismos. A contaminação microbiana pode ocorrer durante o abate e a esfola do animal, quando o contato com a sujeira da pele do gado, das penas das aves ou de suas vísceras pode transmitir bactérias e outros organismos às carnes que serão comercializadas [2]. Além disso, durante o processamento industrial, máquinas e utensílios também podem servir como fonte de contaminação.  

No Brasil, órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizam a inspeção sanitária de produtos cárneos, garantindo a segurança alimentar. Contudo, mesmo com todas as normas sendo seguidas, as carnes que chegam às prateleiras não são estéreis e podem ser contaminadas novamente durante o seu manuseio na cozinha de casa. 

Por que, então, não devemos lavá-la? Em primeiro lugar, lavar a carne pode espalhar esses potenciais patógenos pela cozinha, contaminando superfícies como a pia, utensílios e até outros alimentos. Isso porque lavar o alimento com água não é eficaz contra bactérias, vírus, fungos ou outros patógenos. Assim como o frango sob a torneira, você estará apenas dando uma ducha nos microrganismos, sem qualquer efeito prático. 

Felizmente, existe um método que, apesar de muito antigo, continua sendo o mais eficiente: o cozimento. As altas temperaturas promovem a desnaturação de proteínas e a destruição das estruturas celulares microbianas, eliminando completamente a presença de agentes patogênicos no alimento. Por outro lado, o cozimento inadequado pode permitir a sobrevivência e até a multiplicação desses microrganismos, resultando em intoxicações alimentares. 

Um dos patógenos alimentares mais relevantes é a Salmonella. Essa bactéria é uma das principais causas de gastroenterite em humanos e animais no mundo todo. Estima-se que ocorram de 200 milhões a 1 bilhão de casos de infecção por Salmonella anualmente, com cerca de 93 milhões de casos resultando em gastroenterite e aproximadamente 155 mil mortes [3]. Além do impacto em saúde pública, as perdas econômicas associadas à salmonelose são expressivas, chegando a cerca de 3,3 bilhões de dólares por ano. 

Figura 2. Sintomas de gastroenterite causada por Salmonella. Imagem adaptada [1]. Descrição: infográfico ilustrando sintomas da infecção por Salmonella, incluindo diarreia (às vezes com sangue), dores no estômago, febre, náusea e dor de cabeça. Cada sintoma é representado por um ícone ou figura, com rótulos em português.

Além da Salmonella, outros agentes também são responsáveis por doenças transmitidas por alimentos contaminados, incluindo bactérias como Escherichia coli, Shigella spp. e Listeria monocytogenes. Vírus como o Norovírus e o Vírus da Hepatite A também estão entre os principais causadores de gastroenterite no mundo. Vermes como as tênias (Taenia solium e Taenia saginata) são associados ao consumo de carne de porco ou boi mal-passada, respectivamente. Em resumo, os perigos são diversos, e é essencial redobrar a atenção antes de saciar a fome. 

Vale ressaltar que lavar carnes pode ser um hábito cultural em muitas famílias. Nesses casos, se ainda assim optar por lavar, é fundamental evitar respingos, higienizar a pia e todos os utensílios utilizados, além de lavar bem as mãos após o manuseio. Também é crucial manter alimentos crus separados dos já cozidos para evitar contaminação cruzada. Diferente das carnes, frutas e vegetais costumam ser consumidos crus e devem, por isso, ser lavados cuidadosamente em água corrente para a remoção de sujeiras e resíduos, mas lembre-se que esse processo, apesar de importante, não elimina todos os microrganismos, sendo o cozimento a única forma de garantir sua total inativação. 

Se você chegou até aqui, espero ter convencido você a abandonar o hábito de lavar carnes cruas antes de prepará-las e, claro, a garantir que estejam sempre bem cozidas. Se fizer isso, parabéns: você eliminará qualquer chance de que seu estrogonofe não caia muito bem hoje! 

 

Referências: 

Figura de capa: https://www.pexels.com/pt-br/foto/fotografia-plana-de-uma-fatia-de-carne-em-cima-de-uma-tabua-de-cortar-salpicada-com-graos-de-pimenta-moida-618775/

[1]: UOL. Faz mal à saúde lavar a carne antes de preparar ou é apenas uma lenda? VivaBem, 24 abr. 2025. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2025/04/24/faz-mal-a-saude-lavar-a-carne-antes-de-preparar-ou-e-apenas-uma-lenda.htm. Acesso em: 6 jul. 2025.  

[2]: MONTEIRO, Daniela Felipe. Microbiologia em carnes. Botucatu: FCAUNESP, Departamento de Gestão e Tecnologia Agroindustrial, s.d. (Apostila/disciplina Métodos de Avaliação da Qualidade da Carne). Disponível em: https://www.fca.unesp.br/Home/Instituicao/Departamentos/Gestaoetecnologia/Teses/roca313.pdf. Acesso em: 6 jul. 2025. 

[3]: LAMICHHANE, Bibek; et al. Salmonellosis: an overview of epidemiology, pathogenesis, and innovative approaches to mitigate the antimicrobial resistant infections. Antibiotics, Basel, v. 13, n. 1, p. 76, jan. 2024. DOI: 10.3390/antibiotics13010076. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38247636/. Acesso em: 5 jul. 2025. 

[4]: CLEVELAND CLINIC. Salmonella. Health Library – Diseases & Conditions, Cleveland Clinic, [s.l.], 24 ago. 2022. Disponível em: https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/15697-salmonella. Acesso em: 4 jul. 2025. 

 


Izabelle Viana Costa

Bióloga, doutoranda em microbiologia, grande apreciadora de açaí com farinha e também de divas pop.