Lembro que ali em 2014, uma quinta-feira qualquer às vésperas de um feriado qualquer, tinha acabado aquela longa faxina na casa. Estava com aquele cheiro de limpeza, sabe, era final de tarde já não tinha nenhuma outra grande obrigação, provavelmente tinha sim, só estava procrastinando. Decidi colocar um filme de terror que estava perdido no meu notebook chamado Babadook (2014). Já viram esse?

No texto de hoje comento o motivo de as pessoas consumirem conteúdos que dão medo, como anda o atual mercado de terror, por qual motivo houve o aumento desse tipo de conteúdo durante a pandemia e passo por uma curiosa história minha. 

O mercado do terror atualmente

Ao acabar o filme, o dia já tinha virado noite e eu estava no escuro do meu quarto, com uma iluminação bem leve que vinha da janela que tinha deixado um pouquinho aberta pro quarto não ficar muito abafado, sabe, além do brilho da tela de meu notebook. Olho para o lado em direção ao banheiro, que está com a porta aberta, e vejo uma sombra, mais escuro que o normal, tenso!!

Afinal, por qual motivo consumimos filmes, séries e podcasts que têm como função principal nos deixar com medo? Eu sei que não é todo mundo que gosta disso, mas observando o movimento nos cinemas ultimamente, usando especificamente de recorte esse período de abertura pós-pandemia, o gênero terror é um dos pilares mais importantes que mantém a indústria de Hollywood.

(O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, 2022)

Um dos principais motivos é que são produções baratas que dão um retorno maior, por já terem uma legião de fãs bem consolidada. Os últimos lançamentos do gênero têm de tudo um pouco: franquias que retornaram, como Halloween, Pânico e Massacre da Serra Elétrica; os considerados grandes blockbusters, como a franquia e os derivados de Invocação do Mal; além de novos nomes se estabelecendo no gênero, como Jordan Peele, Ari Aster, Robert Eggers, Julia Ducournau, dentre outros. Soma-se a isso uma produtora independente que vem ficando cada vez mais admirável no mercado chamada A24.

Não é só no meio cinematográfico que o gênero cresce, inúmeros seriados de grandes sucessos são lançados com uma grande frequência no decorrer do ano. American Horror Story (2011/ atualmente) já vai pra lá da sua temporada 11, Mike Flanagan, desde o seu grande sucesso Maldição da Residência Hill (2018), vem emplacando outras minisséries de terror. No meio dos podcast, os mais ouvidos no mundo são do gênero true crime, como o Serial. No meio dos livros temos o sempre atual Stephen King, o seu filho Joe Hill, além do lançamento de novos clássicos instantâneos, como o Território Lovecraft de Matt Ruff, que recentemente virou uma minissérie pela HBO.      

Até nesse período bizarro que vivemos de ameaça constante à democracia, que principalmente o Brasil e os EUA passaram, se criou uma nova categoria pro gênero terror chamada “pós horror”. Não pretendo me aprofundar tanto nesse tema por hora, mas serve para ilustrar o quanto o gênero vem crescendo nos últimos anos.

Então volto à pergunta inicial: por qual motivo gostamos de consumir conteúdos que nos dão medo?

Porque gostamos de terror!

Sinto o meu corpo paralisado, olho para o interruptor e está um pouco longe, ao lado da porta, “droga!”, lembro do celular, “é claro posso usar a lanterna dele e quem sabe tirar uma foto seja do que for!” olho para o lado e ele não estava ao lado do ventilador, local onde costumava colocá-lo. E aquela iminência escura está logo ali estática no mesmo lugar.  

Os motivos são variados e depende de cada indivíduo, não quer dizer que se você gosta de terror se encaixaria em todos eles. Por exemplo, o que alguns estudos conseguiram concluir é que um dos motivos pelos quais gostarmos do gênero é nos expor a uma situação perigosa dentro de um ambiente controlado. Esses filmes emulam situações na qual nunca passaremos, tipo uma invasão alienígena (Sinais de 2002) ou um apocalipse zumbi (Madrugada dos Mortos de 1978).

(Corrente do Mal, 2014)

Ao assistir esses filmes ocorre uma estimulação a nível fisiológico, primeiro de medo e logo após de alívio. Quanto mais tensos nós ficamos ao ver adolescentes serem perseguidos por um ser sobrenatural incansável em Corrente do Mal (2014), mais aliviados ficaremos ao descobrir que ficou tudo bem, com a gente, né, e não necessariamente com os personagens do filme.

Precisamos acreditar que estamos fisicamente seguros – uma estrutura de segurança. Por exemplo, embora a entidade maligna em um filme possa estar cometendo atos aterrorizantes diante de nossos olhos, podemos obter prazer do horror desde que acreditemos que a entidade maligna está fisicamente distante de nós e, portanto, não pode nos prejudicar. Se, no entanto, começarmos a acreditar que a entidade maligna está saindo da tela para nos prejudicar, a experiência não será mais divertida.

Outra teoria fala que assistir terror nos coloca em contato com o lado “ruim da humanidade”. A probabilidade de um dia nos encontrarmos com um Serial Killer é praticamente zero, daí a fascinação ao ver casos, mesmo que não totalmente reais, como o de o Silêncio dos Inocentes (1991), ou nos inúmeros conteúdos que vem saindo recentemente sobre true crime, como a minissérie do Dahmer: Um Canibal Americano (2022).

O consumo de terror durante a pandemia

Tá! Neste momento não sei quanto tempo passou, algo entre 10 minutos ou 2 horas, e eu ainda tô lá pensando o que fazer, não encontro o meu celular e a noite segue adentro. “Posso levantar da cama em um pulo, correr pro interruptor, conseguir enxergar seja o que aquilo for. Com um pouco de sorte localizo o meu celular e ainda tiro uma foto, já que provavelmente todo mundo vai duvidar dessa história.” Óbvio que não conseguiria fazer isso tudo, mas é aquele tipo de síndrome do protagonista que temos quando nos encontramos em uma situação bizarra, se fosse alguma criatura morreria antes mesmo de acender a luz. De repente escuto um barulho vindo do lado de fora.  

E, nesse período de pandemia, o consumo do gênero terror não ficou mais abalado. Mesmo que a situação por si só já fosse bastante distopia, com o mundo diferente das coisas que eram consideradas normais, muitos puderam ficar em casa e recorreram aos filmes e seriados.

(Vastidão da Noite, 2019)

Ali para abril de 2020 os filmes mais comentados na internet foram Contágio (2011) do Cronenberg, que mostrava uma situação de pandemia muito próxima do que estávamos vivendo; o Poço (2019), um filme espanhol que mostrava o quanto as pessoas não conseguiam compartilhar um bem em comum; e a Vastidão da Noite (2019), filme indie que mostra uma invasão alienígena em uma cidade do interior.  

De acordo com um estudo publicado em 2021 pela American Psychological Association, os fãs de terror e conteúdo mordido são mais resilientes em situações adversas como a pandemia de COVID-19.

A explicação para isso segundo os autores é que

as pessoas se envolvem em experiências ficcionais assustadoras é que essas experiências podem atuar como simulações de experiências reais das quais os indivíduos podem coletar informações e modelar mundos possíveis […]. Descobrimos que os fãs de filmes de terror exibiram maior resiliência durante a pandemia e que os fãs de gêneros “prepper” (invasão alienígena, filmes apocalípticos e zumbis) exibiram maior resiliência e preparação.

Na mesma pesquisa também chegaram a conclusões sobre o motivo do aumento desse tipo de conteúdo. De acordo com os autores, esse momento pandêmico que vivemos despertou uma curiosidade mórbida das pessoas, resultando no aumento do conteúdo de terror.

O artigo ainda conclui falando que

a exposição a ficções assustadoras permite que o público pratique estratégias de enfrentamento eficazes que podem ser benéficas em situações do mundo real.

Escuto um barulho do lado de fora, seguido de passos, e passos em direção ao meu quarto. De repente alguém bate na porta, isso dá total quebra naquela situação. Quem está batendo na porta? Tento falar algo e não consigo. Seja lá o que está lá fora começa a mexer para abrir a porta, me veio o pensamento: “será que eu tranquei o quarto???”, a resposta é não! A iluminação da sala da casa adentra no meu quarto e vejo uma mão!

Acho que por hoje é isso galera, críticas dúvidas e sugestões podem deixar nos comentários, ah o final da história, eu morri nessa quinta-feira, e você não tá lendo esse texto está apenas encarando uma página em branco por 2 horas e nem reparou o tempo passar!! Zoando.

(Jenna Ortega em Pânico 5, 2022)

O fim da história é que – a mão estava abrindo a porta era de um dos meus colegas de apartamento, assim que ele abriu acendeu a luz do meu quarto. Quando olhei em direção ao banheiro, aquela sombra era apenas a uma toalha preta que tinha deixado estendida lá dentro. E é isso, lembre-se que toda história, antes de ser contada, precisa de um polimento. 

Feliz Halloween!

Referências:   

O Mercado do terror atualmente.

Porque gostamos de Terror!

O Consumo de Terror durante a pandemia