Luca Rizzi caminhava sozinho pelo interior de Dreen ajudando as pessoas como ordenou seu mentor. Ele experimentava em primeira mão a ideia de seu mestre para aprender a ser um melhor discípulo da Ordem Branca como andarilho. A Ordem era uma sociedade de clérigos, paladinos e sacerdotes que acreditavam no uso da magia para proteção, estavam bem associados ao reino e gozavam de privilégios há várias gerações de reis.

Seu mentor era a lenda conhecida como Hamza que escolheu o jovem Luca em espírito para seguir essa nova forma de treinamento seguindo o mesmo caminho e ajudando quem precisa, ideia que defendeu em vida contrariando o ciclo interno da Ordem.

Neste momento, Luca estava sozinho há quase um mês, já que escutava seu mentor através de pensamentos desde que aceitou ser discípulo dele. Agora, o jovem paladino precisava seguir o caminho pelas próprias pernas sem interferência, pois o tempo de ser guiado tinha acabado.

Luca estava chegando a um vilarejo simpático mesmo estando tão próximo de um pântano escuro quando foi abordado por algumas crianças. A menor era uma menina linda, talvez com sete anos.

– Moço, moço! Pode salvar nossa vila! Pode salvar a minha família? Por favor! – suplicava a menina com olhos chorosos.

O jovem ficou comovido pelo pedido e seguiu a criança com suas irmãs até uma casa bem bonita daquela vila perto do mercado. Em seguida, já estava com um prato de sopa a sua frente servido por uma jovem viúva enquanto que três crianças olhavam para ele com toda a esperança que seus problemas seriam resolvidos.

– Certo. Alice, não é? Pode explicar o pedido de ajuda, por favor? – pediu Luca enquanto experimentava a sopa.

– Ta! Tem um monstro horrível que vem do pântano, ele atacou o vilarejo duas vezes esse mês. Ele devorou nosso pai no começo do mês, então o senhor Flores e a senhorita Ortiz semana passada – Alice não conseguiu continuar com os olhos cheios de lágrimas.

– O Yago disse que o monstro tem quase 1,5 Fencas de altura, uma barriga enorme, uma carranca bem redonda e presas bem grandes – dizia a irmã mais velha Isabel.

– Infelizmente, a criatura foi vista perto da nossa casa algumas vezes. Estou tão preocupada, já perdi meu marido. Agora, aquilo quer pegar as minhas filhas – disse a viúva com lágrimas escorrendo pelo rosto.

– Calma! Estou aqui, essa criatura já foi vista perto da vila outras vezes? Vocês mexeram com ela? Atacaram o ninho? Fizeram algo no pântano? – interrogou Luca para saber mais a respeito.

– Ninguém fez nada, senhor cavaleiro. Ninguém vai ao pântano, só alguns caçadores, mas nunca perdem a vila de vista, todos temem o local – explicou a mais velha.

Luca terminou sua sopa, agradeceu a hospitalidade, pegou suas armas e partiu em direção ao centro da vila para tentar conseguir mais informações. Levou tudo o que era necessário para o combate deixando sua bolsa aos cuidados de dona Ortega.

Não perdeu muito tempo lá, as pessoas estavam assustadas e tinham pouca informação sobre o monstro. A presença do jovem paladino os enchia de esperança, porém ninguém se voluntariou para acompanhá-lo.

Era bem cedo ainda, Luca caminhou despreocupado para dentro daquele pântano, apesar de não ver mais a Vila. Ele conseguia sentir o cheiro da parte do mercado que vendia peixes e da padaria que era próxima da casa de dona Ortega.

Mais alguns passos e ficou impressionado com o que viu, uma criatura bem alta e rechonchuda tentava se esconder atrás de uma árvore sem sucesso. Quando percebeu que a camuflagem falhou, correu em direção ao jovem com os “braços” erguidos e balançando.

A criatura era grande, a boca protuberante com presas de réptil com o rosto coberto de pelos e enormes manchas ao redor dos olhos. O corpo era um misto de pelos e escamas, os braços eram de mamíferos, mas os membros inferiores eram reptilianos, além da curta cauda de jacaré.

– É o seu fim, quimera! Vou acabar com você! – Luca gritou e começou o ataque.

O jovem paladino desferiu um golpe circular próximo ao abdome da criatura que conseguiu escapar com um pulo para trás caindo em cima de uma grande poça de lama. Luca quis aproveitar a vantagem desferindo um golpe perfurante, mas a criatura desengonçada levantou uma nuvem fétida de sujeira e lama acertando os olhos do jovem. Luca se concentrou ao máximo para perceber a presença da criatura, ele tinha dificuldades com essa habilidade, sentiu uma mistura de algo neutro com macabro, porém a criatura se afastou, provavelmente tentando fugir.

– Você não vai escapar! Não vai devorar mais ninguém, maldito! – gritou Luca saindo à caça da criatura pântano a dentro.

A aberração teve algum sucesso ao se distanciar de Luca por causa do terreno pantanoso cheio de armadilhas naturais. Luca teve grande dificuldade, mas estava conseguindo se aproximar. Então percebeu que estava chegando perto de uma grande cabana, o local tinha aspecto estranho e uma aura diferente emanava de lá. Tentou alcançar a criatura, mas o fugitivo conseguiu alcançar a construção e uma figura estava do lado de fora à espera dos dois. Ele torcia para não ser um desgarrado hostil que estava escondido ali.

– Você me trouxe mais problemas! Seu maldito! – reclamou uma bela senhora de meia idade.

– Muito bem, jovem, pode guardar a arma, você não vai matá-lo aqui. Estas são minhas terras – ordenou a senhora.

– Essa criatura devorou três pessoas da vila, eu vim acabar com isso! – disse Luca apontando a espada para a criatura que estava escondida pessimamente mais uma vez.

– Ele? Ha! Ha! Ha! A única coisa que esse inútil devora são meus bolos de chocolate, desgraçado – disse a bruxa olhando severamente para a criatura.

A mulher insistiu que Luca entrasse, o jovem resistiu, mas não sentiu que estava em perigo ali. Ele entrou seguido da criatura, a bruxa não gostou nada da ideia e mandou o monstro esperar do lado de fora.

– Saia! Você pode escutar pela janela! – reclamou a mulher expulsando a criatura.

– Perdão pela minha falta de educação, eu me chamo Leqa, espero que possamos resolver esse problema – apresentou-se olhando para a criatura com raiva.

– Sou Luca, paladino da Ordem Branca, discípulo de Hamza – falou o jovem.

– Obviamente. O que traz você até a minha casa, garoto? – perguntou a bruxa curiosa ainda de olho na criatura.

– Apesar de eu duvidar muito disso neste momento, os moradores reclamam que esse monstro estranho já devorou três pessoas – acusou Luca apontando para aquilo.

A criatura colocou as mãos na boca e gesticulava não concordando com o que foi dito.

– Ha! Ha! Eu já disse, esse é um inútil! Não seria capaz! – a bruxa ria da situação.

– Ele consegue se comunicar! E como tem tanta certeza? – indagou o jovem.

– Esse é o senhor Ortega, não é dele que sentem falta? Eu o amaldiçoei há quase dois meses? Não tenho certeza – a bruxa coçava o queixo tentando lembrar.

A criatura balançava a cabeça aparentemente discordando do tempo, a informação deixou Luca indignado.

– E a senhora ri disso? A família acha que ele está morto, porque fez isso? – reclamou o paladino com voz irritada.

– Ele me fez passar vergonha na frente dos meus convidados, devorou a torta de chocolate que tinha feito para a reunião. E não foi a primeira vez! Esse idiota era útil para trazer vinho e especiarias da vila, mas não resiste às minhas tortas! – explicou a bruxa que não estava nada feliz.

– Agora, fica circulando a minha casa resmungando e choramingando quando não está espiando o povo da vila – reclamou a bruxa com testa franzida.

– Então retire, traga ele de volta – pediu o jovem

– Não posso! Já expliquei a regra, eu disse na hora que o amaldiçoei, toda vez que comer chocolate vai ficar nessa forma! Vai carregar isso para o resto da vida – disse a bruxa com voz encorpada.

A criatura do lado de fora com a boca toda suja de algo feito de chocolate colocou a mão na testa voltando a lembrar deste detalhe. Luca não acreditava no que acontecia ali.

– Você pegou o resto da minha torta! Desgraçado! Vai me arranjar mais duas garrafas de vinho tinto, seu miserável! – reclamou a bruxa ainda mais contrariada.

– E o senhor Flores e a senhorita Ortiz? O que fez com eles? – indagou o paladino.

O monstro fez um gesto que lembrava um “fazia tempo”, depois uns gestos sobre o que os dois faziam sozinhos no pântano, isto não posso descrever aqui. Em seguida, a criatura deu a entender que os dois fugiram da vila na semana passada.

Naquela mesma noite, Luca retornou a casa dos Ortegas para explicar a situação. Elas fizeram uma grande festa com a notícia incrível, o jovem prometeu proteger o senhor da casa até a maldição ceder, assim ficou defendendo ele por três dias até voltar a ser um homem. A volta para casa foi recheada de felicidade pela mulher e pelas filhas, alguns dias depois ele levaria um belo sermão por estar fazendo negócios com uma bruxa, além de ficar mantendo a forma de monstro. Luca foi parabenizado por suas ações pelos chefes da vila e ainda permaneceu por alguns dias até voltar para sua jornada como andarilho.