Em 2014 pesquisadores da Universidade de Montreal[1] tiveram essa brilhante ideia, publicada neste artigo, de colocar duas inteligências artificiais como adversárias para resolverem problemas e, através de uma espécie de algo semelhante a uma competição, uma aprender com a outra. O nome dado a esta técnica foi Redes Adversárias Generativas (GANs – Generative Adversarial Networks).

Esta proposta tem chamado tanto a atenção que em 2016 o Yann LeCun (Diretor de Pesquisas em IA (Inteligência Artificial) do Facebook  classificou como “a ideia mais interessante nos últimos 10 anos em Machine Learning”[2]. Até então já havia se tentado juntar diferentes tipos de algoritmos de inteligências artificiais, como no caso das Redes Neurais Evolucionárias [3] que usam algoritmos genéticos para tentar dar uma “tunada” em uma rede neural, mas a sacada dessa tal de GANs é um pouco diferente, relativamente simples e muito genial. 

Basicamente a GANs coloca duas redes neurais com funções opostas para competirem uma com a outra. Uma é generativa, ou seja gera coisas baseada em um ou mais parâmetros. Por exemplo a seguir temos imagens de gatos gerados com redes neurais generativas[4]:

De outro lado temos redes neurais discriminativas que servem para classificar dados, que aplicado ao nosso exemplo anterior, podemos usar para tentar identificar dentre um monte de imagens quais são imagens de gatos e quais não são, ou quais são imagens reais de gatos, e quais são imagens falsas de gatos. 

A GANs nada mais é que colocar as duas redes neurais para se complementarem, de um lado temos uma IA gerando imagens falsas de gatos, do outro temos uma IA recebendo imagens reais de gatos e imagens falsas de gatos geradas pela adversária. A IA discriminativa vai enviando uma espécie de “feedback” pra IA generativa que chamamos de BackPropagation, dizendo que aquela imagem não era boa (quando realmente não era). E de outro lado, a IA generativa vai ensinando para a outra qual imagem é real e qual é falsa com as classificações e cada vez imagens mais difíceis. Ambas vão se especializando e melhorando mutuamente como demonstrado no fluxo abaixo:

Fluxograma: quadrado “dados de treinamento” com as fotos dos gatos, como exemplo, no canto superior esquerdo; abaixo, “Rede Neural Generativa”. Uma linha saindo de cada se junta em “Rede Neural Discriminativa”, que identifica se é real ou falso. Pontilhado vermelho representa backpropagation, que leva o resultado de volta para a “Rede Neural Generativa” para melhorar a novas gerações de imagem

Inicialmente as imagens geradas não são muito boas. Em alguns casos nem dá pra reconhecer que são o objeto proposto, porém à medida que são repetidas as interações a rede neural generativa vai aprendendo como “criar” um gato, e vai se especializando nisso. Ao mesmo tempo a rede discriminativa inicialmente não sabe o que é um gato, e ela vai aprendendo. Como ela está aprendendo também junto com o aprendizado dela, ela consegue repassar isso para a rede generativa através do backpropagation.

O processo inicia com imagens pequenas, e aos poucos, conforme a rede neural vai aprendendo, mais qualidade vai sendo exigida, como podemos ver no gif [5], que começa com 8×8 pixels, até chegar a uma imagem de alta definição de 1024 x 1024 pixels.

Os resultados dessa técnica tem sido surpreendentes, como é o caso das famosas deepFakes que em sua maioria são feitas com GANs como no caso do famoso vídeo do Barack Obama:

Com isto podemos fazer algumas reflexões: 

As inteligências artificiais estão cada vez mais poderosas

Elas estão cada vez mais próximas de criarem coisas reais e coisas de forma melhor que um ser humano consegue fazer. Já temos IAs ganhando de jogadores profissionais em jogos como GO[6] (Spin 402) e StarCraft [7](Spin 765). Temos até uma IA criando e vendendo obras de arte usando as próprias GANs, que registra[8] a primeira obra feita por IA vendida por 432 mil dólares na Christie’s (famosa rede inglesa de leilões). As relações e interações profissionais e sociais estão sendo modificadas diariamente com as mudanças no mundo causadas pelo avanço tecnológico principalmente por conta de Inteligências Artificiais.

Vídeos e imagens podem ser fakes

Como podemos ver no caso das imagens falsas de gatos, imagens de pessoas e vídeos criados, passamos a precisar de outros instrumentos para podermos considerar que as imagens são ou não verdadeiras. Precisaremos cada vez mais de outros elementos que garantam que imagens são verdadeiras, como por exemplo garantir que as pessoas que filmaram as imagens são pessoas reais, ou que as imagens são provenientes de fontes seguras. Podemos usar geolocalizadores nos dispositivos que fizeram as filmagens e teremos que criar novos mecanismos para nos certificarmos de que as informações criadas são verossímeis. Recomendo um TED do Supasorn Suwajanakorn muito interessante que aborda esse assunto. Ele é um dos pesquisadores que trabalha com DeepFakes, e criou um projeto para atráves de IA detectar vídeos e imagens fakes.

Ideias simples e resultados surpreendentes

Eu considero a proposta de colocar duas IAs para competirem e aprenderem uma com a outra uma ideia muito simples, porém genial. Não necessariamente de ideias mirabolantes, por vezes as grandes mudanças de paradigmas vem de ideias simples com grande potencial e que aos poucos vão sendo lapidadas. As GANs propostas em 2014 não conseguiam gerar imagens muito boas, mas aos poucos elas vieram sendo melhoradas e conseguem atualmente resultados muito surpreendentes. Acredito que em breve teremos IAs tendo essas ideias, e com isso chegaremos cada vez mais perto da tal singularidade tão falada pelo Pena em diversos episódios do Scicast, mas que tem um episódio dedicado a isso[10] (Scicast 324).

Bom por hora é isso, cuidado ao criar IAs podes estar construindo a Skynet. Não se esqueça de consultar o seu Guru digital antes de tomar qualquer decisão (pior que ainda não vi nenhum, acho que vou criar um e ganhar dinheiro). E por último, mas não menos importante, nem tudo que está na internet é verdade, pasmem, mas pode ter sido criado intencionalmente para tirar enganar ou apenas tirar sarro de quem acreditou.

Uma abraço digital pra você que também fica fascinado com o poder das IAs.

Referências

[1] – https://arxiv.org/abs/1406.2661

[2] – https://www.quora.com/What-are-some-recent-and-potentially-upcoming-breakthroughs-in-deep-learning

[3] – https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/int.4550080406

[4] – https://www.vice.com/en_us/article/a3dn9j/this-deep-learning-ai-generated-thousands-of-creepy-cat-pictures

[5] – https://mc.ai/a-simple-introduction-to-generative-adversarial-networksgans/

[6] – https://www.deviante.com.br/podcasts/spin/spin-de-noticias-402/

[7] – https://www.deviante.com.br/podcasts/spin/spin-de-noticias-765/

[8] – https://www.theverge.com/2018/10/23/18013190/ai-art-portrait-auction-christies-belamy-obvious-robbie-barrat-gans

[9] – https://www.youtube.com/watch?v=o2DDU4g0PRo

[10] – https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-324/


Leroi Oliveira. Pai de duas lindas crianças. Sempre disposto a entrar em uma discussão filosófica ou polêmica. Mestre em Computação pela UFPel, gosta de games, música, acampar, trilhas, montanhas e viajar.