Há 72 anos, três físicos estadunidenses entrariam para a história da eletrônica com a invenção do transistor. É unânime que o transistor é uma das maiores — se não a maior — invenções do século XX. Sem ele, mal teríamos ido à Lua. A corrida espacial foi um dos grandes propulsores da miniaturização dos transistores, fomentando, mais tarde, o famigerado Vale do Silício. O conceito de um transistor é bem simples: ele funciona como se fosse o interruptor do seu quarto, em que 1 é ligado e 0 é desligado. Ligado e desligado referem-se, respectivamente, a passagem de elétrons e não passagem de elétrons. Por essa invenção, Walter Brattain, John Bardeen e William Shockley dividiram o prêmio Nobel de Física em 1956. Mas, se o conceito é tão simples, como isso rendeu um nobel aos físicos? E, por que é considerado uma das maiores invenções do século XX?

Figura 1 – Da esquerda para a direita: Bardeen, Schockley e Brattain

A importância fundamental dos transistores

Na computação, existe algo chamado portas lógicas. Basicamente, essas portas lógicas funcionam para fazer operações aritméticas com 0 e 1 nos computadores. Por exemplo, existe uma porta lógica que chama “AND” e ela serve para fazer cálculos de multiplicação.

A porta lógica recebe dois valores (A e B), faz a multiplicação e devolve o resultado (C). No lado direito da imagem, temos uma tabela. Essa tabela representa como a porta lógica deve funcionar. Portanto, se inserirmos 0 e 1, o resultado é 0. Nós usamos essas portas lógicas para fazer circuitos integrados, que são usados em calculadoras, smartphones e computadores.

Figura 3 – Exemplo de circuito integrado formado por portas lógicas “AND”

As portas lógicas são extremamente importantes na computação, bem como os circuitos integrados. Mas há algo ainda mais fundamental nisso: os transistores. Uma simples porta lógica, consiste em até 20 transistores. Eles são a unidade fundamental da computação, assim como os quarks são para a física. Esse simples “interruptor” é a base de todos os sistemas digitais de hoje.

A revolução dos transistores

Com o encolhimento dos transistores ao longo das décadas, tornou-se possível a miniaturização dos componentes básicos de um computador (memória, disco rígido e processador). Possibilitando, mais tarde, os computadores pessoais. Essa revolução foi o berço da Apple e da Microsoft, duas das maiores empresas de tecnologia do mundo. Os transistores foi o gatilho que precisávamos para o avanço tecnológico. Foi realmente revolucionário, no sentido que foi uma mudança abrupta na ideia vigente de hardware e de eletrônica. Nós saímos de um futuro incerto, para um universo de possibilidades.

Vide, por exemplo, os primeiros microprocessadores fabricados pela Intel. Em 1971, a Intel já contava com um microprocessador cuja espessura era muito menor que um fio de cabelo, com 2.300 transistores e frequência de 108 KHz. Quatro anos depois, em 1975, a espessura era pelo menos 3 vezes menor que o primeiro, com 29.000 transistores e frequência de 4,77 MHz. Uma evolução muito impressionante em tão pouco tempo. Para se ter uma ideia do tamanho dessa evolução, vamos às proporções: de 1971 a 1975 foram 12 vezes mais transistores em um espaço três vezes menor, além de uma frequência 40 vezes maior. Isso em 4 anos! Agora imagine isso até os dias atuais.

Custo benefício

Entre outras coisas, os transistores ficaram famosos pelo custo de produção. Placas de silício com milhões de transistores têm um custo de produção baixíssimo, quase risível — para empresas como a Intel, é claro. Esse fato, aliado a importância fundamental dos transistores, criaram um ambiente ainda mais promissor de desenvolvimento tecnológico e eletrônico. Algo com uma importância fundamental e com custo baixo, foi a porta de entrada para uma produção em massa absurda. Com toda essa perspectiva em vista, o avanço da tecnologia era iminente. Em 2002, foram produzidos 60 milhões de transistores para cada pessoa na Terra. Isso é 4.500.000.000.000.000.000, ou 4 quintilhões e 500 quadrilhões, de transistores produzidos no ano. Esse número é inimaginável.

Lei de Moore e o limite físico

Logo no começo da revolução dos transistores, entre os anos 60 e 70, Gordon Earle Moore fez uma previsão sobre o futuro dos hardwares. A previsão de Moore era que a cada 18 meses o número de transistores dobraria em um mesmo espaço físico e manteria o mesmo custo. O caso da Intel citado acima prova que a previsão se concretizou. Desde então, estamos dobrando o poder de processamento a cada 18 meses. O grande problema da Lei de Moore é que não é uma lei de fato. É previsto que na próxima década essa lei não se aplique mais. Mas por quê?

Com o tempo, a Lei de Moore se tornou um estímulo para a indústria. E isso ajudou muito no aumento da capacidade do hardware, com o custo cada vez mais baixo. Isso deixou smartphones e computadores cada vez mais acessíveis. Há pouco tempo atrás, usar um computador só era possível nas lan houses. Hoje, mal existem lan houses. As que sobreviveram foi porque se adaptaram e começaram a oferecer outros serviços além de acesso ao computador.

Esse aumento todo no desenvolvimento e produção de tecnologia deu luz às empresas mais valiosas do mundo. Há 10 anos atrás, as maiores empresas do mundo eram de petróleo. Hoje, as empresas mais valiosas do mundo são de tecnologia. Mas, infelizmente, a Lei de Moore já está com a corda no pescoço. Nos próximos quatro anos é quase certo que não se aplique mais. Está cada vez mais caro fazer pesquisa e desenvolver tecnologias na mesma rapidez. Conforme a tecnologia vai avançando, começa a aparecer variáveis que não tinham antes. Esses obstáculos vão levar ao fim da Lei de Moore, e talvez cesse um pouco o avanço da indústria de tecnologia. Desde fabricantes de processadores até fabricante de celulares. Talvez não seja mais lançados tantos modelos diferentes de celulares a cada ano.

Como dito anteriormente, os transistores são a unidade fundamental da computação. Em 2012, os transistores comerciais tinham em torno de 22 nanômetros. Em laboratórios, já era possível produzir transistores de até um átomo. Mas há um problema: os transistores vão chegar a um limite físico na próxima década, talvez sendo do tamanho de moléculas. De qualquer forma, o fato é que haverá um limite. E o desenvolvimento da tecnologia, como vai ser? Já que o que possibilitou esse grande avanço, foram os transistores. Não vai ser mais possível colocar tanto transistores em tão pouco espaço.

O futuro e os computadores quânticos

A nanotecnologia vem avançando muito, mas talvez não seja capaz de salvar os transistores do limite físico. Não há a possibilidade de aceitarmos isso e ficarmos parados no tempo esperando um deus ex machina. Então, qual a solução para o futuro? Se é que temos uma.

É claro que as empresas de tecnologia já estão cientes do problema e a saída da maioria delas está sendo investir em uma nova tecnologia. Empresas como Google, IBM e Microsoft estão investindo fortemente em computadores quântico. Milhões, talvez bilhões de dólares. Não sabemos ao certo, mas há algumas pistas.

Não são só os transistores que enfrentam obstáculos no seu desenvolvimento. Para o seu funcionamento, os computadores quânticos precisam de algumas propriedades físicas e, para conseguir isso, o silício é resfriado próximo ao zero absoluto (-273,15 ºC). Essas propriedades são necessárias pois o zero absoluto é a temperatura de menor energia possível, ou seja, não há perda na condutividade de energia. Essa dependência do zero absoluto para o funcionamento é um gasto de energia gigantesco, o que logicamente torna o desenvolvimento de computadores quânticos muito caro.

Os computadores quânticos não funcionam com bits, e sim qubits. A diferença entre eles é que os bits só assumem dois valores: 0 ou 1. Já os qubits, assumem mais valores: 0, 1 e a superposição dos dois. Não vou entrar muito na física, pois não é a minha área, mas a ideia é usar estados quânticos como informação. Aparentemente não faz muita diferença, certo? Errado. Vejam essa lista de comparação entre bits e qubits:

É exponencial, apenas 45 qubits equivalem a 35.184.372.088.832 bits. Isso é de derreter o cérebro. Por isso essas empresas investem tanto dinheiro em computação quântica. Hoje os computadores quânticos só servem para fazer cálculos específicos, mas os resultados são impressionantes. De acordo com um artigo publicado na Nature, a Google afirma que o seu computador quântico de 54 qubits realizou um cálculo em 200 segundos que os computadores clássicos mais poderosos de hoje em dia levariam 10 mil anos para faze-lo. Mas não se engane, os computadores quânticos não estão vindo para substituir os computadores clássicos. Eles podem muito bem trabalhar juntos, com a computação quântica sendo usada no que é melhor, como o paralelismo.

Mas mesmo que não sejam excludentes um do outro, imaginem toda uma arquitetura baseada em quântica. Seria tão revolucionário quanto os transistores no século XX. Isso está muito, mas muito longe de acontecer. Mas nós podemos imaginar, certo?

É claro que mesmo com o fim da Lei de Moore, os transistores ainda vão continuar importantíssimos. Quase todos os componentes eletrônicos existentes hoje têm como base os transistores. Chegar a um limite físico não quer dizer que ele seja dispensável, mas empresas que tem como foco o avanço da tecnologia, vão precisar recorrer a novas formas de fazê-lo. E a computação quântica está mostrando ser um saída viável e promissora.


Pedro Henrique. Programador e aspirante a físico. Especialista em transformar café em código e texto.