
No cenário alimentício, temos diversos assuntos quentes do momento, bem como diversos problemas para lidar de uma vez só. Talvez um dos mais complexos seja a questão das embalagens alimentícias.
No texto sobre biopolímero de alimentos, nós já demos uma espiada sobre uma nova abordagem em embalamento para conservação ou embalagem primária, que fica mais próxima ao alimento. Falamos sobre o potencial desse recurso em diminuir os resíduos plásticos, que estão cada vez mais preocupantes à saúde humana. Mas não falamos nada sobre as embalagens secundárias e terciárias, responsáveis pelo transporte e armazenamento por longos períodos.
No texto de hoje, pretendo mostrar algumas soluções inovadoras que pretendem diminuir nossa dependência de plástico na cadeia de alimentos. Será que somos capazes de indicar saídas para essa cadeia de riscos? Afinal, temos oportunidade de buscar opções melhores como sociedade? É o que vamos ver agora!
A procura por soluções alternativas não é algo novo. Universidades, indústrias, startups e outros centros de pesquisa lançam soluções para tentar frear nossa dependência do plástico como embalagem de alimentos, mas poucos projetos conseguem ir à frente. Isso ocorre porque ainda é muito barato e cômodo utilizarmos esse derivado do petróleo na indústria de embalagens.
O polietileno é o principal recurso usado para embalagens secundárias (que agrupam embalagens primárias) e terciárias (usadas em operação de transporte), representando quase metade dos utilitários alimentícios no mercado [1]. O material é tão requerido assim pela sua alta eficiência em plasticidade, sendo adequado para funções como conservação e marketing.
Porém, as embalagens escondem problemas terríveis. O material simplesmente não consegue se degradar na natureza em velocidade sustentável, com o consumo ficando cada vez maior e o problema se agravando. O volume gerado pode chegar a sete milhões de toneladas de resíduo por ano, porém é esperado um aumento em virtude da alimentação fora de casa. Com os processos físico-químicos que ocorrem na natureza após o despejo residual, o plástico simplesmente vai ficando menor, até virar o microplástico.
Aí que o problema acontece de verdade. Os primeiros estudos já estão saindo para relacionar diversos problemas de saúde com esse contaminante ambiental [2]. O microplástico já se tornou um elemento presente nos nossos cérebros, inaugurando uma nova dinâmica em saúde pública nunca antes vista. Os principais estigmas relacionados são a queda de fertilidade geral, depressão, ansiedade, demência e outros tipos de inflamações e doenças autoimunes.

Imagem um. Grupo independente de pesquisa PlasticList revela contaminação por plásticos de alimentos relacionados a marcas famosas [2]. Apesar de limitações técnicas do estudo, os dados revelam uma nova preocupação à indústria. Na figura, observamos um hambúrguer sendo manipulado por uma mão envolta em luva preta.
Nesse cenário, a busca por substitutos viáveis ao plástico tem levado a pesquisa por processos que, mimetizando processos biológicos e naturais, sejam capazes de sanar nossa demanda sem poluir nossos espaços. Os bioplásticos são as principais soluções nesse cenário. Eles são derivados de matérias primas biológicas (portanto renováveis) ou derivado de processos biológicos, diminuindo significativamente o tempo para se decompor.
O uso de nanocristais de celulose se destaca cada vez mais como substituto de embalagens plásticas [3]. O processo de nanocristalização ocorre quando pegamos uma matriz alimentar de alguns produtos vegetais e colocamos para reagir com enzimas específicas, alterando a estrutura dessa matriz para formar uma rede forte e flexível de algum componente, no caso a celulose, presente nas paredes vegetais dos alimentos.
A eficiência em plasticidade é tão alta quanto o polietileno convencional. E o melhor, é capaz de reaproveitar alimentos que antes seriam jogados fora, fomentando economia circular e diminuição de resíduos. Pode ser feito a partir de cana, milho, algas e até mesmo resíduos vegetais. O uso desse biofilme tende a ser mais seguro, mas essa não é a única solução que desponta no horizonte.
A técnica de plastificação por ácido polilático (APL) ganhou bastante repercussão na indústria recentemente. A molécula é conquistada após o intercruzamento e hidrólise de diversas moléculas de ácido láctico, presente na fermentação de componentes como laticínios [4]. Utilizando essa molécula com matriz biopoimérica, podemos ter uma “rede molecular” tão eficiente quanto o plástico e com outras capacidades.
Diferente de suas alternativas, o APL possui alta eficiência em encapsular óxidos metálicos. Trabalhando com óxido de zinco (ZnO) hibridizado nessas redes de APL, obtêm-se ganhos surpreendentes como: alta absorção de radiações ultravioleta, raios-X e infravermelho, atoxicidade e estabilidade química ideal à indústria alimentícia. É o tipo de sacola para grandes deslocamentos, e quem sabe mais um aliado para não deixar o pote de sorvete descongelar enquanto dirigimos de carro às nossas casas!
As embalagens terciárias, que mantêm os produtos unidos durante a cadeia de transporte, também necessitam de remodelagem sustentável. Mesmo com o papelão sendo o principal componente neste setor, a cadeia de valor do eucalipto ainda tem uma pegada de carbono pesada. E algumas soluções possíveis já estão hoje no mercado.

Imagem dois. No mercado tecnológico, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais – CNPEM – desenvolveram embalagem para equipamentos eletrônicos baseados em bagaço de cana [5]. O material, além de sustentável, gera benefícios por ser antiestática a componentes sensíveis. Na imagem, podemos observar cinco unidades de uma embalagem preta, fosca e com textura granulosa, no formato cilíndrico e em fundo vermelho.
A mandioca brava é uma variedade do tubérculo que contém alta quantidade de ácido cianídrico, inviabilizando seu consumo para humanos e animais por ser tóxica. Mas nada impede que sejam utilizadas como embalagens unitárias, canudos, talheres descartáveis, caixotes e até potes de sorvete [6]. Tudo isso utilizando menos recursos naturais como água, nutrientes do solo e espaço de cultivo do que o tradicional eucalipto.
Quando inseridas no meio ambiente, a embalagem ainda é capaz de virar adubo em 90 dias. Esse é o reaproveitamento máximo já alcançado na indústria. Agora, antigos vilões podem se tornar aliados na luta contra os microplásticos e outras externalidades ambientais. Inaugurar essa nova mentalidade depende de uma série de atores, mas também da pressão do público, cada vez mais consciente dos efeitos do plástico em nossa saúde.
Pressionar o poder público para que soluções sustentáveis saiam do papel é o principal ato que podemos fazer. Neste texto, fomos apresentados a algumas soluções que estão chegando ou já estão sendo opções viáveis no mercado. Muitas ainda estão por aí, esperando para serem testadas e aprimoradas. Esperemos que esse futuro chegue logo, embalado por componentes sustentáveis!