Texto de Anna Rita Erthal

O que é TEA?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta diferentes áreas do indivíduo como a socialização, comunicação e a linguagem. É comum que pessoas com essa neurodivergência apresentem alterações no padrão de comportamento, como manias, apego a rotinas e o hiperfoco.

Contudo, é importante dizer que nem todas as pessoas autistas possuem as mesmas manifestações, e certos dizeres, como por exemplo “autistas não são empáticos” ou “vacinas causam autismo” e até mesmo “o autismo é uma doença e não tem cura” só ajudam a estigmatizar mais essa condição.

Indivíduos com TEA são diversos, e suas individualidades devem ser enfatizadas, e não colocadas como parte de um grupo só. Certos autistas podem encontrar dificuldades em se relacionar, outros tão pouco. Outros podem ter atrasos na fala ou ser não verbais, mas nem todos. Vacinas definitivamente não causam autismo, e existem centenas de estudos refutando essa ideia.

Autismo não é uma doença, e, portanto, não tem cura. O autismo é apenas mais uma forma de se expressar. Desse modo, os indivíduos não neurodivergentes que deveriam se adequar aos autistas, e não ao contrário. E por último, é necessário salientar que diminuir o estigma e falar sobre essa condição é essencial, tendo em vista que quanto antes a criança receber a intervenção, seja com fonoaudióloga, terapia ocupacional etc., melhor será seu desenvolvimento.

 

O TEA e a evolução dos hominídeos

Mas agora, gostaria de entrar num conteúdo mais científico. Recentemente eu estava lendo um livro fantástico chamado “A Evolução da Mente”, de Joseph Jebelli, e o autor dedicou um capítulo especial para pessoas que fazem parte do espectro autista.

O argumento ilustrado por ele foi extremamente interessante. Ao invés de apresentar as facetas negativas e estigmatizadas por trás do TEA, Jebelli opta por mostrar um lado diferente: a contribuição dos indivíduos autistas para a manutenção e o sucesso da espécie humana sob a ótica da Psicologia Evolutiva.

Imagine agora o mundo dos nossos ancestrais, Homo sapiens, há 60 mil anos atrás. Muitas espécies de hominídeos já haviam sido extintas, como o Homo erectus, e o Homo habilis. O planeta estava esquentando novamente, tornando as condições mais favoráveis para a migração da nossa espécie da África para outros continentes. Já dominávamos o fogo, e estávamos aprendendo a nos adaptar aos períodos de glaciação do planeta, momento em que o frio tomava conta. A nossa espécie obteve um trabalho árduo para sobreviver e se tornar o que é hoje. E, de acordo com Jebelli e a Psicologia Evolutiva, nada disso teria sido possível sem a ajuda de pessoas neurodivergentes.

Primeiramente, no mundo onde enfrentávamos os perigos das selvas e existiam predadores poderosos, ter um sistema visual aguçado e uma atenção aos mínimos detalhes eram habilidades cruciais para a nossa espécie. Muitos autistas possuem essas capacidades, e isso pode ter nos auxiliado a melhor compreender o ambiente onde estávamos, e por consequência, na criação de mapas e rotas, o que facilitou a caça e a colheita de grãos.

Outra característica que muitas pessoas parte do espectro possuem é o foco obsessivo em detalhes e a capacidade de saber o dia da semana que determinada data vai cair. Essa parece ser uma habilidade sem muitos ganhos, mas isso pode ter sido essencial para aprimorar e desenvolver nosso sistema de calendários. Em conjunto com essa capacidade, muitos autistas também têm uma memória, olfato e paladar aguçados, e que, em conjunto, eles podem ter contribuído com o conhecimento vasto da fauna e da flora do ambiente em que vivíamos e para o desenvolvimento da agricultura, que começou em torno de 12000 anos atrás.

Além disso, devemos notar as excelentes habilidades artísticas de muitas pessoas com autismo, e há indícios (apesar de ser ainda parte de muita especulação) de que existem pinturas pré-históricas na caverna de Chauvet no sul da França que podem ter sido feitas por pessoas neurodivergentes. A caverna possui desenhos detalhados de animais como cavalos, leões e ursos.

Imagem 1: Caverna de Chauvet, sul da França, 33 mil anos atrás. Na imagem podemos identificar técnicas complexas de pintura da era paleolítica. Há uma grande variedade de animais, como ursos, leões e principalmente cavalos.

 

O próprio Vincent Van Gogh, um artista mundialmente conhecido por seus quadros intrigantes, possuía traços autistas segundo especialistas. O nosso gênio, Isaac Newton, obcecado pelo movimento dos planetas e com complexidade do nosso universo, também tinha características neurodivergentes.

Isso foram só alguns pontos interessantes, a verdade é que muito ainda não se sabe sobre o autismo. Existem pelo menos 65 genes correlacionados com essa condição, e pesquisadores ainda estão buscando um padrão em comum entre esses genes. No fim das contas, o meu ponto é que há beleza na diversidade e que não é justo atrelarmos conotações negativas e capacitistas para pessoas com TEA.

Novamente, nem todos os autistas possuem as habilidades listadas acima. Existe uma pluralidade tão grande dentro do próprio grupo que é inviável fazer generalizações. Deixo claro que minhas intenções foram apenas mostrar que existem inúmeros aspectos positivos e essenciais nessas pessoas, e que isso deveria ser igualmente difundido ao público.

Devemos trabalhar juntos para eliminar os estigmas e promover a conscientização sobre o assunto, e essa sempre será a melhor forma de ajudar as pessoas com TEA. Essas pessoas possivelmente podem ter sido brilhantes e cruciais para estarmos vivos hoje.

 


Anna Rita Erthal

Terapeuta ABA, formada em Psicologia e cursando pós em Neurociência. Tem como hobby ler, cuidar de seus dois pets e entender sobre o mundo que a ronda, principalmente quando se trata de comportamento humano.