Imagine você ser luz. Imagine você, por ser luz, ter poder bélico tão grande que sozinho é capaz destruir exércitos inteiros. Imagine você se filiar à marinha e atingir o cargo máximo de almirante. Imagine você ter escolhido essa vida sabendo que é completamente vulnerável à água. Conheça os perigos do espelho para quem é de luz!

Então, no meu entender, você estaria desperdiçando um grande potencial se tornando um marinheiro que perde todo seu poder justamente no mar. Mas isso só é desperdício na nossa vida real. Em One Piece, faz todo o sentido!

Esse personagem existe e ele se chama Kizaru. Um almirante poderosíssimo, que enfrenta piratas igualmente poderosos e também suscetíveis à exaustão plena em contato com água (mundo estranho esse de One Piece).

Kizaru é marcado por seu temperamento calmo, seu raciocínio lento, mas que resolve todos os seus problemas (piratas, agressores dos membros da classe burguesa e trabalhadores quebrados financeiramente) de forma muito rápida. Tê-lo como inimigo é um grandíssimo problema, visto que, mesmo que você pudesse o acompanhar, você não seria capaz de tocá-lo. Um adversário implacável.

Figura 1 — Kizaru, personagem de One Piece, capaz de se transformar em luz. Kizaru é um homem alto e magro, de meia-idade com e rugas no rosto, cabelos pretos e uma barba muito rala. Ele veste um terno listrado amarelo com um casaco da Marinha sobre os ombros como uma capa, sem os braços nas mangas. Kizaru também usa sapatos brancos e óculos escuros dourados. Ele geralmente é visto com um sorriso relaxado no rosto.

Certamente, em One Piece existem inimigos que tornam a vida do Kizaru muito difícil. Eles utilizam também de seus poderes especiais para emparelhar a luta. Habilidades como recobrir o corpo com uma aura energética que torna tudo tangível, ou técnicas que os fazem ser livres o suficiente para fazer qualquer coisa. Poderes e tanto.

No entanto, existe uma forma muito simples de enfrentar um ser de luz frágil a água. Você é o alvo do Kizaru. Ele viaja a trezentos mil quilômetros por segundo em sua direção. Para derrota-lo, basta tirar um espelho (de onde você tirô esse espelho, hein batima?) posiciona-lo em sua frente e refletir Kizaru para o fundo do mar. Pronto, já era. O Coyote não consegue pegar Papaleguas, mas daria conta desse inimigo luminoso de One Piece.

 

Uma arma poderosa: espelho

Bem, essa estratégia ainda não foi utilizada em One Piece e acredito que não será — os poderzinhos não têm limites. No entanto, acredito que um personagem poderia sim tentar utilizar tal técnica para lidar com o marinheiro: Usopp. É muito sagaz, esse moço.

Espelhos são utensílios bastante conhecidos por todos nós. São utilizados nos mais diversos locais e, por isso, podemos encontra-los nas nossas casas, em laboratórios para aumentar objetos pequenos observados com microscópios, em usinas de geração elétrica que se utilizam do sol para aquecer milhares de litros de água, no espaço para ver o passado.

Essa versatilidade se dá apenas por uma característica: reflexão de luz. De certa forma, podemos dizer que espelhos nos permitem manipular a luz a nosso bel-prazer. Graças a isso, temos acesso a tecnologias incríveis e a meios de sabermos se a espinha no nosso nariz está vermelha.

A luz se propaga na forma de ondas eletromagnética e está suscetível a interagir com a matéria. Com isso, quando interagindo com uma superfície, ela pode sofrer vários efeitos, entre eles a reflexão. Existem duas leis que descrevem esse fenômeno:

  • a direção normal e os raios de luz incidente e refletido estão contidos no mesmo plano;
  • o ângulo de incidência dos raios de luz, em relação à reta normal, é igual ao ângulo de reflexão.

Ou seja, quando a luz é refletida numa superfície, ela vai refletir no mesmo ângulo de incidência em relação à normal. Ou seja, vide imagem:

Figura 2 — Na reflexão regular da luz, os ângulos incidente (θi) e refletido (θr) coincidem, ambos formando o mesmo ângulo em relação à direção normal à superfície. Fonte: https://www.preparaenem.com/fisica/reflexao-da-luz.htm. Na imagem, uma seta vermelha marcada como “luz incidente” incide sobre um plano preto com ângulo θi em relação a um plano perpendicular ao plano preto. A seta (agora denominada “luz refletida”) bate no plano e continua sua trajetória saindo com um ângulo θr em relação ao mesmo plano perpendicular, sendo que θr = θi.

Para exemplificar, se Kizaru, que está na sua frente, se lança em sua direção, basta você inclinar o espelho 45° para baixo e refletir o almirante para água que está sob seus pés. Sim, nesse exemplo você está caminhando sobre a água e provavelmente não precisaria de um artifício desses para lidar com o coisa ruim. Sim, em One Piece os marinheiro são do mal. Sim, na nossa vida isso também parece ser verdadeiro.

 

Materiais do espelho

O poder do espelho, sem dúvida, está intrinsecamente ligado aos materiais que compõem sua estrutura. Geralmente, um espelho é formado por três elementos: vidro, metal e base. Cada um desempenha um papel fundamental na reflexão da luz.

Comecemos pelo vidro, originado do controle cuidadoso do aquecimento e resfriamento da areia. Este material é responsável por dar forma ao espelho. Quando nos observamos em um espelho e percebemos nossa imagem sem distorções, é um sinal de que estamos diante de um vidro sem defeitos estruturais, livre de impurezas, com faces paralelas. Essa condição permite que a luz seja transmitida sem interferências ao atravessar o material.

É interessante notar que no parágrafo anterior não foi mencionado que o vidro reflete a luz, pois essa função é desempenhada pelo metal. A luz não interage com os átomos do vidro, sendo transmitida sem efeitos. No entanto, isso não ocorre com os átomos dos metais.

Em espelhos, é comum depositar uma fina camada de prata, um material metálico, na parte posterior do vidro ou na parte frontal da base. Devido à natureza de seus átomos, quando a luz incide sobre a prata, não é absorvida, mas sim refletida. A absorção da luz geralmente está associada ao aquecimento de materiais expostos a fontes luminosas. Nos espelhos, a luz interage com os elétrons do material e é refletida de acordo com as leis previamente mencionadas.

Por último, temos a base escura, que pode ser confeccionada com diversos materiais, contanto que seja suficientemente escurecida. Normalmente, essa característica é alcançada com tinta ou pigmentos depositados diretamente atrás da fina camada de metal.

Figura 3 — Camadas de materiais que formam um espelho. Num primeiro plano temos o vidro, no segundo, o metal e, no fundo, a base escura.

A necessidade de ser escura se deve à sua alta capacidade de evitar a transmissão de luz para além da camada metálica. Apesar de o material metálico refletir bem a luz, uma parte dela ainda pode atravessar o material. Materiais escuros, dessa forma, impedem essa ocorrência, assegurando uma reflexão eficiente da luz e a formação de imagens fiéis à realidade.

Usopp certamente sabe disso tudo (não, não sabe) e se utilizaria de um espelho gigante para lidar com Kizaru, um ser que tem toda a pompa de ser um dos personagens mais fortes de uma obra com mais de mil personagens nomeados. Não é à toa que Usopp está na tripulação do futuro dos reis dos piratas.

 

Suma, espelho!

Espelhos são problemas para você que, de forma estranha, ainda decide encarar os perigos do mar para exercer seu papel na marinha. Eventualmente, você tenha a brilhante ideia de dar um sumiço em todos os espelhos e estar cem por cento protegido dessa ameaça. Bonito jeito de pensar.

No entanto, você, inteligente como é, sabe que está se enganando e o perigo ainda está aí. Não são só espelhos que refletem a luz. O vidro isolado e o metal isolado também o fazem.

A reflexão da luz em superfícies de vidro é um fenômeno óptico complexo, e os índices de refração dos materiais desempenham um papel crucial nesse processo. O índice de refração, que mede a velocidade da luz em um meio específico, é fundamental nesse contexto. Quando você, a luz, provêm de um meio com um índice de refração diferente, como o ar, e incide sobre uma superfície de vidro, parte é refletida na interface ar-vidro.

A magnitude dessa reflexão é diretamente influenciada pelo ângulo de incidência da luz. Em ângulos rasos, próximos da horizontal, a reflexão pode se tornar mais proeminente, resultando no fenômeno conhecido como “brilho” ou “reflexo especular”. Em ângulos maiores, numa incidência mais perpendicular, a luz atravessa o vidro.

O metal por si só, desde que bem polido, também pode ser um problema para você. Visto que a superfície metálica tem átomos que interagem com a luz e a fazem refletir, o processo de reflexão ocorre. A superfície polida permite que os ângulos de reflexão de todos os pontos de interação entre luz e metal sejam iguais, o que garante que a luz seja refletida sem distorções.

Assim, é inegável que você é poderoso. Mas a luz, diante a todo o conhecimento humano, é algo que pode ser utilizado de forma mais inteligente e nobre. Então, em vez de ser um marinheiro, você pode vivenciar a pesquisa e o desenvolvimento que ocorrem graças a luz. Sua vida seria muito mais interessante e nobre.