Texto de Gustavo Henrique Baraviera

Me dei o direito e a ousadia de “roubar” o título do livro de Eduardo Galeano, escritor uruguaio, para encabeçar este texto. Ousadia porque Galeano foi talvez quem melhor traduziu em palavras a paixão que sentia pelo futebol, e colocar o nome de seu principal livro em um texto como este parecia (e ainda me parece) presunçoso, porém foi impossível resistir à junção das palavras “futebol”, “sol” e “sombra” quando me proponho justamente a explicar a área ambiental com a paixão do esporte mais popular do planeta.

Em resumo, Galeano mostra as duas faces do futebol. O “sol” representa a paixão, os dribles, os golaços e tudo que ocorre dentro do campo (ao sol). Ele passa por quase um século de Copas do Mundo relembrando as grandes histórias e personagens do mundo da bola. A “sombra” mostra o lado sombrio, sujo, corrupto, de tudo aquilo que acontece longe dos olhares das arquibancadas (à sombra), como os diversos escândalos de corrupção da FIFA, ou ainda as edições da Copa do Mundo da década de 1930 sendo utilizadas como ferramenta de propaganda nazista/fascista.

A área ambiental não é tão diferente assim. Ao sol, temos grandes movimentos, projetos de recuperação, e principalmente discursos que despertam a esperança por um mundo mais igualitário e preservacionista do ponto de vista ambiental. À sombra, porém, temos os lobbies, os interesses financeiros, o cálculo político e tudo que envolve o que há de mais sujo na área.

Em 2022, foi realizada a Copa do Mundo de futebol masculino no Catar, um pequeno país peninsular da Ásia, com pouquíssima (ou nenhuma) tradição no esporte, porém com um capital financeiro inegável, capaz de gerar a estrutura necessária para a realização do evento e que até então era inexistente.

Há uma controvérsia muito grande no porquê da escolha do Catar, uma vez que Austrália e EUA teriam apresentado projetos mais sólidos, além de já possuírem uma estrutura mais preparada para receber este tipo de evento, sem mencionar o calor, que obrigou a FIFA a sediar seu principal evento fora do calendário tradicional, passando a Copa para novembro, quando tradicionalmente é realizada em junho/julho. Nenhum desses fatores foi suficiente para tirar os votos ao Catar.

A Argentina foi campeã, comandada por Messi, ao sol (e que sol!), e as denúncias de corrupção na escolha da sede vão se acumulando, à sombra.

O Catar também está entre os países que mais exploram petróleo no mundo. É uma economia totalmente baseada e dependente do combustível fóssil. E aí entramos no ponto principal deste texto.

Apesar dos discursos cada vez mais contundentes sobre as mudanças climáticas, os acordos internacionais (especialmente o Acordo de Paris), e até mesmo a criação de partidos políticos e movimentos sociais voltados às mudanças climáticas, quais mudanças concretas e de fato o mundo tomou até o momento em relação à diminuição do consumo e da exploração de reservas de petróleo?

Entenda que quando eu digo concretas, eu não estou falando de prognósticos ou metas, como prevê o Acordo de Paris, não estou falando de legislações recém criadas ou ineficientes. Eu digo ações efetivas e que já trouxeram resultado. São raras, e ainda pouco efetivas na mitigação dos impactos.

Veja o gráfico do consumo de combustíveis fósseis através do tempo (disponível no site Our World in Data). Embora as políticas e discursos internacionais tenham mudado, o consumo ainda é crescente (ou pelo menos estagnado) e não mostra nenhuma tendência de diminuição.

A força política e econômica dos países produtores de petróleo ainda é enorme (como, por exemplo, Catar sediando eventos esportivos, e a Arábia Saudita vindo com uma candidatura fortíssima como sede da Copa do Mundo para 2034).

Enquanto ao sol vemos discursos rebuscados e voltados à defesa do meio ambiente, as ações concretas para o controle das mudanças climáticas ainda são escassas e difusas. Os interesses econômicos na exploração de petróleo ainda falam mais alto. Muito porque o interesse em conter as mudanças não é globalizado, e muitas vezes vemos países mais engajados, mas com menos força diplomática (países da Oceania, por exemplo). Nenhum partido o qual a parte ambiental seja seu principal viés chegou a governar uma grande potência mundial.

A verdade é que tenho uma previsão bem precisa sobre o fim do uso dos combustíveis fósseis, porém é uma previsão pessimista. O uso de combustíveis fósseis tem data para acabar: quando as reservas acabarem.

E o mesmo vale para o mundo do futebol, embora o discurso e as evidências do mundo corrupto que cerca a FIFA apareçam aos montes, seguiremos às sombras do que realmente acontece nos bastidores, e vibrando e se empolgando a cada 4 anos. No Catar, na Arábia Saudita, em breve com um campo de futebol em cima de uma plataforma de petróleo.

 


Gustavo Henrique Baraviera

Engenheiro ambiental pela UNESP, doente por futebol e entusiasta da divulgação científica. Nada é tão complexo que não possa ser explicado, apenas não encontramos as palavras corretas para a pessoa correta.