Existem 13 espécies de lontras no mundo. Três delas marinhas. Uma delas, minha obsessão: a Enhydra lutris, mais conhecida como simplesmente lontra marinha. Apesar de seu habitat, a Enhydra lutris é prima direta das doninhas e texugos. Estes animais moram nas águas geladas do Pacífico Norte, desde a costa da Rússia, passando pelo Alasca e até a Califórnia.

Minha adoração e obsessão pelas lontras marinhas tem um começo inesperado. No meio de uma séria crise de saúde mental, eu descobri o feed 24 horas do viveiro das lontras no aquário de Monterey Bay, na Califórnia. Uma das poucas coisas que me acalmava era ver Rosa (a residente mais antiga e fofa) nadando em círculos, enquanto Selka e Kitty brincavam entre si.

De tanto assistir ao feed, comecei a ficar curiosa sobre aquelas criaturas fofíssimas e passei a consumir todo o conteúdo sobre elas na internet. Eu não sou bióloga, mas consumi uma quantidade considerável de vídeos, textos e até papers, então sou uma especialista-leiga (ou leiga-especialista). E como eu acho que mais gente deveria conhecer esses animais, decidi compartilhar com vocês as minhas informações favoritas sobre minhas adoradas lontras marinhas.

1. As lontras marinhas têm o pelo mais denso do mundo animal.

Vivendo em um ambiente tão gelado quanto a costa norte do Pacífico, as lontras precisam de uma grande proteção térmica. Ao contrário da maioria dos outros habitantes do Pacífico, elas não possuem uma camada de gordura corporal para protegê-las — como as focas e leões-marinhos. Para isso, elas contam com um metabolismo acelerado que mantém sua temperatura corporal em 40 °C e, para isso, chegam a comer o equivalente a 1/4 do seu peso por dia — um adulto humano deveria comer 20 quilos de comida por dia para manter a proporção.

Mas o diferencial evolutivo desses animais é a pelagem densa. Para se ter uma ideia, 1 centímetro quadrado de uma lontra tem cerca de 1 milhão de pelos — para fins de comparação, um cachorro tem 15 mil. Esses pelos são organizados em duas camadas que chegam a 4 cm de altura, criando uma estrutura que acumula muitas bolhas de ar. A densidade do pelo mais as bolhas criam uma camada que efetivamente impede a água de sequer encostar na pele, e é isso que as mantém aquecidas.

Por isso, a rotina de cuidados com o pelo é essencial para a sobrevivência desses animais. Se você nunca viu, vou deixar aqui um vídeo com a rotina de pelagem de uma lontra. Cuidado para não morrer de fofura.

2. As lontras marinhas da Califórnia quase foram extintas pelo comércio de peles.

Durante a febre das peles nos séculos XVIII e XIX, as lontras marinhas foram caçadas à quase extinção na costa da Califórnia por conta de sua pelagem incrível. Na verdade, acreditou-se por muitos anos que elas estavam totalmente extintas na região, mesmo depois da proteção da espécie pelo estado em 1913.

Mas, em 1938, foi encontrada uma população de cerca de 50 indivíduos morando sob uma ponte na região de Big Sur. De lá para cá, diversos projetos de proteção e reabilitação de lontras fizeram com que a população aumentasse para 3 mil. Mesmo com o salto, ela continua na lista de espécies ameaçadas de extinção.

Curiosidade: Um estudo de genética mostrou que todas as lontras vivas hoje na Califórnia são descendentes daqueles 50 indivíduos encontrados em Big Sur.

3. As lontras são grandes protetoras do ecossistema marinho.

As lontras são o topo da cadeia alimentar da sua região e, com sua população reduzida, houve um enorme desbalanceamento do ecossistema. A principal consequência foi um aumento exponencial de ouriços-do-mar, que destruíram as florestas de algas da costa. Estas plantas serviam de alimento, moradia e proteção para diversas outras espécies, que aos poucos foram desaparecendo.

Nos locais em que a população de lontras foi mais recuperada, os biólogos já encontram áreas cada vez maiores de florestas de algas, redução de ouriços-do-mar e o retorno de outras espécies. Essas mudanças também melhoraram a qualidade da água nessas regiões. Além de fofas, as lontras são enormes protetoras ambientais.

4. Lontras têm pedras preferidas que elas carregam nos seus “bolsos”.

Na região que seria a axila de uma lontra, há um excesso de pele que cria uma dobra capaz de conter objetos. Curiosamente, várias lontras carregam suas pedras preferidas nessa estrutura. Mas não é para uma coleção. As lontras usam pedregulhos para quebrar as carapaças de suas presas preferidas — caranguejos e ouriços-do-mar. Elas são uma das poucas espécies marinhas capazes de usar ferramentas. Mas alguns indivíduos preferem não carregar peso e usam as rochas do habitat ou encontradas pelo caminho.

Outra curiosidade é que as fêmeas usam mais “ferramentas” que os machos, numa forma de compensar seu tamanho e força, além de deixar o processo mais eficiente quando precisam alimentar a si e ao filhote.

5. As lontras do aquário de Monterey Bay trabalham como mães adotivas.

Os filhotes de lontra são totalmente dependentes de suas mães até os 6 meses de idade, mas às vezes eles se perdem por conta das ondas. Desde 2002, o aquário de Monterey Bay desenvolve um programa de reabilitação de filhotes perdidos, que não sobreviveriam no meio ambiente sozinhos.

Enquanto estão em idade de amamentação, eles são cuidados 24 horas pela equipe do aquário, que usa roupas especiais para que os animais não vejam os humanos. Isso é essencial para que eles possam ser reintroduzidos no ambiente sem associarem pessoas à sua fonte de alimentos. Em seguida, os filhotes são entregues a uma das lontras residentes do aquário, que os ensina os comportamentos naturais como mergulho, caça e cuidados com a pelagem.

Depois de reabilitados, os filhotes são reintroduzidos na região de Elkhorn Slough e monitorados. Um estudo recente mostrou que metade da população da região é descendente direta ou foi um filhote reabilitado pelo programa.

Eu não sou a única apaixonada por esses animais. Enquanto pesquisava sobre elas, observei tantas crianças que visitaram os aquários e se interessaram pelos oceanos por conta das lontras. Vi lives em que milhares de pessoas fizeram doações para projetos de conservação marinha durante a pandemia. Depois da morte de Rosa (minha favorita em Monterey Bay), me emocionei lendo os comentários de como ela tocou a vida de tantas outras pessoas que, como eu, precisaram de uma patinha peluda em um momento difícil (mesmo pela tela do computador).

Com uma internet pandêmica cheia de mensagens de desinformação, quem diria que um feed de lontras marinhas na Califórnia iria salvar minha saúde mental. O mínimo que eu podia fazer em troca era compartilhar com você um pouco do que torna essas bolinhas de pelo tão especiais. E quem sabe eu não consigo mais alguém pro fã-clube.

FONTES:

https://cimi.org/blog/sea-otters-fur-facts/

https://www.bigsurcalifornia.org/seaotter.html

https://www.montereybayaquarium.org/animals/animals-a-to-z/sea-otter#:~:text=Still endangered,has not expanded to match.

https://news.ucsc.edu/2024/05/sea-otters-tools/#:~:text=Female dolphins%2C chimps and bonobos,tool-use behavior to offspring.

https://www.montereybayaquarium.org/visit/exhibits/sea-otters/meet-our-otters

https://www.doi.gov/blog/12-facts-about-otters-sea-otter-awareness-week#:~:text=Thirteen different species exist around,cylindrical body and small head.

https://www.aquariumofpacific.org/blogs/comments/chloe_the_sea_otter_demonstrates_otter_pockets