Você já pensou que o seu celular poderia ser responsável pela dificuldade em ter filhos no futuro?

Um estudo apresentado no congresso da ASRM — Sociedade Americana de  Medicina Reprodutiva — sugere que deixar o celular no bolso com o wi-fi ligado poderia prejudicar a qualidade de espermatozoides em homens. Várias ressalvas precisam ser feitas, mas primeiro vamos aos dados.

O grupo que realizou o estudo selecionou 27 homens entre 25 e 35 anos, sem histórico de alterações na qualidade do esperma e colocou o material coletado após ejaculação para análise. Parte das amostras foram colocadas sob exposição ao 4G, 5G e wi-fi durante uma chamada de voz realizada pelo whatsapp num smartphone da Apple, pelo período de 6h.

O que os autores observaram é que houve redução na mobilidade e viabilidade dos espermatozoides que foram expostos ao wi-fi de forma significativa. Eles também observaram que o celular ficava mais quente com o uso do wi-fi quando comparado com o 4G e 5G. Por fim, eles também verificaram que a queda da qualidade dos espermatozoides era minimizada ao aumentar a distância do celular em relação à amostra e ao colocar o celular numa capa de proteção.

Outro grupo já havia chegado a uma conclusão semelhante ao estudar o sêmen de ratos. À época, doze animais foram expostos a um celular durante 1h/dia por 28 dias. Metade do grupo (controle) ficou com o celular sem bateria, enquanto a outra metade ficou com o celular com bateria. Nos dois casos, o celular foi colocado numa caixa de madeira para isolamento térmico. Não houve uso do celular no período. Após o período de exposição, os animais foram sacrificados. Não houve alteração em relação à quantidade de espermatozoides entre os grupos, entretanto o grupo exposto ao celular com bateria teve a mobilidade dos espermatozoides prejudicada.

Enquanto no segundo estudo houve o isolamento térmico do celular, os autores do primeiro estudo concluíram que o efeito se deu mais pelo calor emitido pelo aparelho do que pela radiação em si. Já no caso da alteração observada nos ratos, o efeito seria relacionado apenas à radiação.

 

Uso do celular é associado a diversos problemas de saúde

Talvez o público mais jovem não se lembre, mas quando o telefone celular começou a se popularizar, muito se debateu sobre o potencial efeito cancerígeno dos aparelhos. Aventava-se a possibilidade de a radiação emitida pelos celulares ser capaz de causar tumores cerebrais, já que o sistema nervoso central seria a porção do corpo mais exposta a elas durante seu uso — ao menos quando a gente ainda tinha o costume de usar o telefone para fazer ligações.

Vários estudos foram feitos na tentativa de confirmar ou refutar essa hipótese e os resultados são contraditórios. As próprias agências governamentais divergem quanto a esse assunto. Recentemente a IARC, Agência Internacional para a Pesquisa em Câncer, vinculada à Organização Mundial da Saúde, noticiou sobre um estudo realizado na Dinamarca, Finlândia e Suécia que não encontrou associação entre gliomas e uso de celular.

Como em todo assunto envolvendo uma grande indústria, há quem divulgue que a própria indústria patrocina estudos com o objetivo de refutar a hipótese, enquanto outros afirmam que há pesquisas que provaram a relação entre celular e câncer, porém seus resultados não foram divulgados por pressão das grandes corporações.

Voltando ao tema da infertilidade, sabe-se que o aumento da temperatura da bolsa escrotal diminui a viabilidade dos espermatozoides. Por isso a varicocele, que é o aumento de vasos sanguíneos na bolsa escrotal, pode levar à infertilidade. E para manter a temperatura mais baixa que o resto do organismo, o próprio corpo possui mecanismos de controlar a temperatura ideal. Por isso, quando está frio a bolsa escrotal contrai e se aproxima do corpo. Já em temperaturas mais altas ela relaxa e se afasta do organismo.

Sendo assim, o estudo realizado até tem uma justificativa plausível. Mas algumas ressalvas, que os próprios autores também fizeram. O estudo é muito pequeno e por isso não é possível extrapolar seus resultados para a população geral.

Ainda, a análise foi feita in vitro, ou seja, fora do corpo. Dessa forma, não é possível afirmar que no corpo humano o efeito seria o mesmo (até porque, como eu disse antes, temos mecanismos compensatórios).

Terceiro que o celular ficaria dentro do bolso de uma vestimenta e isso também poderia funcionar como uma barreira. Da mesma forma como as causas da infertilidade são multifatoriais. Sabe-se que homens com mais de 40 anos têm queda na fertilidade, e inferir que isso seja decorrente do uso de celulares é falacioso.

Por fim, estamos vivenciando aumento no número de casos de câncer de forma geral, seja pelo aumento da expectativa de vida, pela exposição a diversos agentes químicos, pelos hábitos de vida como o sedentarismo e má alimentação, seja pelo estresse.

Com tantas variáveis sendo introduzidas ao mesmo tempo, é difícil avaliar qual foi a determinante para o aumento dos casos. Independentemente disso, cabe a reflexão do impacto de nossos hábitos de consumo e atitudes na nossa qualidade de vida.

 

Referências:

Does Exposure to Cell Phone Wi-Fi Spell Trouble for Sperm? – Medscape –
https://www.medscape.com/viewarticle/983047?src=MKM_endo_infertility_YYMMD_MSCMR
K&uac=276876HN&impID=4885864

Effect of Electromagnetic Radiation Emitted by Cell Phones on Sperm motility and Viability – An in vitro study – ASRM scientific Congress 2022 –
https://asrm.confex.com/asrm/2022/meetingapp.cgi/Paper/16130

Radio Frequency Electromagnetic Radiation (RF-EMR) from GSM (0.9/1.8GHZ) Mobile Phones Induces Oxidative Stress and Reduces Sperm Motility in Rats. Clinics, 2009 –
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2705159/

Mobile phone use and risk of brain neoplasms and other cancers: prospective study. Int J Epidemiol, 2013 – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23657200/#:~:text=Conclusions%3A%20In%20this%20large
%20prospective,meningioma%20or%20non%2DCNS%20cancers

Use of mobile phones and risk of brain tumours: update of Danish cohort study – https://www.bmj.com/content/343/bmj.d6387

Mobile phone use and glioma risk: A systematic review and meta-analysis. PLoS One, 2017 – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28472042/

Time trends in mobile phone use and glioma incidence among males in the Nordic Countries, 1979–2016. Environment International, 2022 – https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412022004147?via%3Dihub

Time trends in mobile phone use and glioma incidence among males in the Nordic countries, 1979–2016 – publicação IARC/OMS, 2022 – https://www.iarc.who.int/news-events/time-
trends-in-mobile-phone-use-and-glioma-incidence-among-males-in-the-nordic-countries-1979-2016/

Cancer Research UK – https://www.cancerresearchuk.org/about-cancer/causes-of-
cancer/cancer-myths/do-mobile-phones-cause-
cancer#:~:text=No.,increase%20the%20risk%20of%20cancer

The inconvenient truth about cancer and mobile phones – The Guardian –
https://www.theguardian.com/technology/2018/jul/14/mobile-phones-cancer-inconvenient-truths