Olá gente, tudo certo? Está ficando cada dia mais difícil saber como as pessoas viviam em tempos atrás, não é? Como era viver sem geladeira? Como era possível sobreviver sem Netflix ou conversar somente por cartas? Entre os hábitos que começamos a absorver, sem nos darmos conta, estão os serviços alimentícios entregues diretamente em nossas casas ou locais de trabalho, os serviços delivery (entrega, do inglês)! Por que será que houve um aumento da procura por tal tipo de trabalho, que tem remodelado lógicas inteiras do mercado de alimentos e de relações empregatícias? É o que iremos descobrir agora! Se quiser pedir um lanchinho enquanto lê, eu espero o pedido ;) …

Com a chegada estrondosa dos meios digitais no dia a dia das empresas logo em 2010, muitas lojas comuns obtiveram novas possibilidades de trabalho e de criar conteúdo sobre a sua marca [1], muito impulsionadas pelo adventos dos smartphones e das redes sociais (e também pela economia criativa, se lembrou da gourmetização, né?), bem como o incremento dos aplicativos que só a tecnocultura moderna foi capaz de trazer.

Mesmo tendo a resistência inicial de pequenas e médias empresas, que insistiam no modelo tradicional de pedidos por telefone (“esse negócio de computador é modinha”), muitos donos de lanchonete, food-truck, pizzaria e restaurante notaram o maior engajamento dos comensais em redes sociais e a consolidação da identidade visual e do nome dos concorrentes na boca do povo. Percebendo que ficariam para atrás em tempos de mudança, a criação de redes sociais, serviços de atendimento online ou a adesão em aplicativos sofreu um aumento descomunal para o Brasil, gerando novos empregos de transporte dos produtos [1]. O serviço de entrega geralmente é realizado por um motoboy, profissional com certo conhecimento da cidade e disposto a levar a refeição em suas motos, grandes companheiras dessa nova figura da alimentação.

O motoboy é o personagem principal nessa modalidade, pois é ele quem cria a flexibilidade espaço-temporal buscado pelos comensais. A imposição do frenesi das atividades do trabalho é um estado muito bem percebido pelos novatos na profissão, gerando um reflexo no seu comportamento no trânsito (lembra do Homem-Aranha com as pizzas?). Uma sociedade de urgência (tempo é dinheiro) alinhado com ritmos temporais sobre-humanos e com frágeis laços de solidariedade confirmam a imagem do motoboy como um empregado não fixo, que provavelmente abandonará seu trabalho em qualquer oportunidade nova que aparecer [2]. A hipersolicitação (pedido atrás de pedido) o tempo todo do empregado é um dos motivos para o maior risco associado a profissão, geralmente com a criação da imagem do motoboy como “sem medo do perigo”, “motoqueiros sem noção do risco” e de “vida louca”.

Figura 1: O imediatismo imposto pela subcultura delivery pode ser responsável por diversas atitudes de risco para quem trabalha na entrega da refeição. Na foto, reportagem do Jornal O tempo sobre o comportamento de um funcionário em querer entregar o pedido apesar da enchente. A mesma reportagem cita a situação de vulnerabilidade econômico-social do empregado, que trabalhava em regime de 10 horas para sustentar a família [6].

O motoboy inicia sua rotina sabendo que tanto o espaço quanto o tempo também são mercadorias, em trânsito mais valiosas do que o dinheiro, pois, não sabendo reconhecer isso, sua vida pode estar em risco. Chegando na casa do cliente, o mesmo é retribuído pelo seu trabalho imaterial, por todo o serviço que é feito nas suas formas de informação, antecipação das necessidades dos consumidores, cuidado, conforto, tranqüilidade, segurança, satisfação, sentimento de bem-estar, valores, contato e interação humana [2] (e muitas vezes, nem recebendo uma gorjeta descente!).

O trabalho imaterial do motoboy, nesse sentido, é uma força produtiva muito forte na nossa sociedade de consumo e das necessidades de relação humana e na economia sob demanda. É estranho pensarmos que o motorista é a única figura de referência que temos de seus locais de trabalho, não mais vemos atendentes, garçons, cozinheiros, assistentes de cozinha e churrasqueiros, por exemplo.

Apesar da construção da imagem do mobile-commerce alinhado aos produtos junk food, essa associação não é real. Tanto alimentos mais saudáveis, gourmet ou mesmo produtos étnicos e regionais podem ser requisitados pelos serviços de entrega. Indo de rivalidade direta aos alimentos fast food, a tendência slow food foi recentemente valorizada no Brasil, com o crescimento da produção informal de alimentos e o preparo realizado na própria moradia do empreendedor, com o transporte feito por um funcionário. Ter um investimento inicial mais baixo, alta taxa de retorno e uma estrutura operacional mais barata é um fator que contribuiu em peso para a entrada nessa modalidade de entrega [3], sendo que o feedback dos clientes tem um valor muito grande para o serviço.

 

Figura 2: O uso de serviços delivery para produtos de mercado, feiras, farmácia e variedades estava em amplo crescimento até mesmo antes da epidemia do vírus Covid-19. Em reportagem, a empreendedora Débora Tesch revela como utiliza o serviço para a entrega de produtos orgânicos plantados pela família para ser distribuído diretamente para o cliente na cidade grande [7]!

Se, digamos, você quisesse ter um serviço de entrega, o primeiro ingrediente que você precisaria ter é a lealdade do seu cliente. Sempre existirá um entrave de desconfiança para novos serviços delivery, devendo o dono passar uma boa primeira impressão para garantir sua posição no mercado [1]. Não somente o dono, mas a fórmula do sucesso tem que partir de todos os funcionários, com educação ao tratar de cada pedido ou crítica dos comensais (nada de dar chilique nos comentários do iFood) [4].

A construção da lealdade está alinhada inclusive com a facilidade de gerenciamento (alterar cardápios e pratos de forma rápida e intuitiva), agilidade na implementação e de benefícios operacionais (poder atender mais de um pedido ao mesmo tempo). A lealdade, de forma geral, é conquistada com a personalização do relacionamento (quando já chama o cliente pelo apelido ou mesmo sabe onde fica a casa), benefícios extras (“vou colocar mais molho pro senhor”) e até uma comunicação efetiva com os funcionários (comprometimento de cada um) [4].

Em um programa de fidelização, é custoso conquistar um cliente, mas é beeem mais custoso lidar com um comensal frustrado, então não podemos vacilar nessa parte! Apesar da flexibilização (oferecer serviço diferente para cada cliente) ser o ideal nesse relacionamento, o  essencial no serviço precisamos manter em cada um, como a qualidade higiênica, por exemplo. E já que chegamos nesse ponto, qualidade higiênica é o mínimo para se ter sucesso nesse ramo!

A natureza do problema microbiológico que um alimento de pronta-entrega pode ter varia muito com a composição da comida. Os principais problemas ligados a lanches são a alta contagem de bactérias aeróbias mesófilas, coliformes totais, Escherichia coli, Salmonella sp., Bacillus cereus, Staphylococcus aureus, Clostridium sulfito redutor, bolores e leveduras [6]. São realmente muitos problemas ligados aos alimentos e suas medidas de contenção de danos, mas a implementação de programas de qualidade vem ajudado todas as empresas que esperam se acertar nesse meio. O Brasil é um país com desafios sanitários e microbiológicos reais, e toda medida de melhoria é de grande ajuda para a imagem da empresa!

Mas então escreva sua opinião sobre o texto! O que pode ser feito para ajudar na fidelização de clientes nestes espaços? Existem riscos pela forma hiper-solicitada como são tratados os motoboys? Quais são as medidas de mitigação para este grupo? Não se esqueça de compartilhar, até a próxima (espero que o lanche esteja a caminho agora)!

 

 

Referências:

[1]: MARQUES, Fernando A.; CAMPOS, Lívia MC; JÚNIOR, José C. de S. Desenvolvimento de um aplicativo multilateral de negócios para pequenas e médias empresas delivery de alimentos. Instituto Federal Goiano, Iporá. Organização do Material, v. 76200, p. 28-31. Disponível em: <https://enati.ifgoiano.edu.br/anais/Anais-ENATI-2018.pdf#page=28> Acesso em 08 mar. 2020;

[2]: GRISCI, Carmem Lígia Iochins; SCALCO, Priscila Daniel; JANOVIK, Mayara Squeff. Modos de trabalhar e de ser de motoboys: a vivência espaço-temporal contemporânea. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 27, n. 3, p. 446-461, set.  2007.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932007000300007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 08 mar.  2020;

[3]: PAIVA, Thatiana Stela Coelho de; MURTA, Rachel Sant’Anna. Reestruturação de delivery de alimentação saudável. CASOTECA (Acesso livre), Senac, v. 1, n. 1, 2019;

[4]: SILVA, Christopher Mateus Tavares da. Fatores que contribuem para a construção da lealdade em negócios que vendem alimentos prontos através do serviço de delivery e usam aplicativo como canal de distribuição. 2018, 73 p. Trabalho de conclusão de curso (graduação em administração) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade, Fortaleza, 2018. Disponível em: <http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/37100> Acesso em 08 mar. 2020;

[5]: SANTANA, Franciele Aparecida; VIEIRA, Michele Cristina; PINTO, Uelinton Manoel. Qualidade microbiológica de sanduíches de estabelecimentos com serviço tipo delivery. Rev Inst Adolfo Lutz, v. 74, n. 2, p. 156-61, 2015. Disponível em: <http://www.ial.sp.gov.br/resources/insituto-adolfo-lutz/publicacoes/rial/10/rial74_2_completa/pdf/artigosseparados/1650.pdf> Acesso em 08 mar. 2020;

[6]: MENEZES, Bruno. ‘Fiz 2 entregas ainda’ conta entregador de Ifood que superou alagamento em BH. Jornal O Tempo, Belo Horizonte. 19h30 de 30 jan. 2020. Disponível em: < https://www.otempo.com.br/cidades/fiz-2-entregas-ainda-conta-entregador-de-ifood-que-superou-alagamento-em-bh-1.2291187> Acesso em 11 mar. 2020;

[7]: GONÇALVES, Siumara. Venda online vira alternativa para o comércio durante crise do coronavírus. A Gazeta, Economia, 20 mar. 2020. Disponível em: <https://www.agazeta.com.br/es/economia/venda-on-line-vira-alternativa-para-o-comercio-durante-crise-do-coronavirus-0320> Acesso em 20 mar. 2020;