Quanto tempo eu não apareço por aqui. Espero que todos estejam bem.

Hoje vamos dar continuidade aos exemplos de anéis. Além disso, esse vai ser um texto de revisão, vamos ver um exemplo de anel e fazer a demonstração de suas propriedades utilizando o que foi dado nos textos anteriores.

Como faz muito tempo desde minha última publicação (quase meio ano), eu vou pedir a vocês encarecidamente que releiam meu último texto antes de ler este. Vou tentar deixar esse texto o mais claro possível para que possamos começar o próximo com um ritmo legal.

Bom, eu disse, no fim do último texto que iria começar esse com algum exemplo “não simples” do que é um anel. Para não começar com um exemplo desconexo da definição e para não, simplesmente, repetir toda a definição do último texto, eu vou começar dando uma definição equivalente do que é um anel.

 

Definição: Seja A ≠ {} (lê-se: azão é um conjunto não vazio) munido de duas operações denominadas (*) e (#). Esse conjunto é um anel (A, *, #) se:

  • (A, *) for um grupo abeliano (um grupo comutativo).
  • A operação (#) for associativa:

a # (b # c) = (a # b) # c, Ɐ a, b, c ∈ A (lê-se: para todo a, b, c pertencente a Azão)

  • A operação (#) é distributiva sobre a operação (*)

a # (b * c) = a # b * a # c      e     (b * c) # a = b # a * c # a,  Ɐ a. b, c ∈ A (lê-se: para todo a, b, c pertencente a Azão)

 

Agora que demos um relembrada na definição, vamos ao exemplo não trivial de um anel. Não só darei o exemplo como vou provar que de fato se trata de um anel.

 

Afirmação: (ℤ × ℤ, *, #) é um anel com as operações sendo definidas como:

  • (a, b) * (c, d) = (a + c, b + d)
  • (a, b) # (c, d) = (ac, ad + bc)

Demonstração:

Antes de começarmos com os cálculos, vamos entender do que tudo isso se trata:

  1. ℤ × ℤ se lê como zê cartesiano zê. Esse é o conjunto dos pares ordenados de números inteiros. Ou seja, quando fazemos pares (a, b) e tanto ‘a’ quanto ‘b’ são números inteiros, então estamos falando desse conjunto. Alguns exemplos de pares que pertencem a esse conjunto são: (-1, 1); (2, 5); (-3, -9). Exemplos de pares que não pertencem a esse conjunto: (π, -1); (⅗, 9); (⅕, ⅞).
  2. Quando fazemos a operação (a, b) * (c, d) = (a + c, b + d), o símbolo ‘+’ que aparece na segunda parte da equação é a operação de soma usual. Aquela que faz 3 + 5 = 8.
  3. Quando fazemos a operação (a, b) * (c, d) = (ac, ad + bc), aparecem coisas como “ac”. Essa união de letras em nenhum sinal entre elas significa que essas letras estão multiplicando na maneira usual. Ou seja, se ‘a’ for igual a 3 e ‘c’ for igual a 4 então “ac” vai significar 3 vezes 4 que tem resultado 12. Além disso, a multiplicação usual vai preservar todas as suas propriedades como a distributividade e comutatividade.

Agora que já entendemos o significados de algumas coisas que podem parecer estranhas vamos demonstrar que (ℤ × ℤ, *, #)  é de fato um anel.

 

  • (ℤ × ℤ, *) é um grupo abeliano.

Bom, vamos argumentar algumas coisas aqui. Os elementos dos pares ordenados de ℤ × ℤ são números inteiros. A operação (*) faz com que cada elemento do par se some com o elemento correspondente do outro par.

(a, b) * (c, d) = (a + c, b + d)

Nós sabemos, do texto sobre grupos que (ℤ, +) é um grupo abeliano. Ou seja, a operação (+) é fechada, tem elemento neutro (o zero), e tem elementos inversos em ℤ. Além disso, é fácil ver que a soma também é comutativa em ℤ, em outras palavras, a ordem que se soma não faz diferença para o resultado final. Podemos somar 3 com 5 que é o mesmo que somar 5 com 3, ou seja 8 e o mesmo vale em outros exemplos que se podem ser pensados: 3 + (-5) = (-5) + 3 = -2; (-6) + (-3) = (-3) + (-6) = -9 e assim por diante.

Sabendo disso, podemos entender essas propriedades de forma natural para o grupo (ℤ × ℤ, *).

 

Elemento neutro: Vamos lá, precisamos de um elemento neutro e esse é o par (0, 0).

(a, b) * (0, 0) = (a + 0, b + 0) = (a, b)

 

Elementos inversos: precisamos de elementos que sejam inversos em relação a operação (*), como (*) é uma composição de somas, então, os elementos inversos no conjunto ℤ × ℤ para a operação (*) serão do tipo (-a,-b).

(a, b) * (-a, -b) = (a + (-a), b + (-b)) = (0, 0)

Exemplos disso:

(5, 3) * (-5, -3) = (5 + (-5), 3 + (-3)) = (0, 0)

(-2, 1) * (-(-2), -1) = (-2 + (-(-2)), 1 + (-1)) = (-2 + (2)), 1 + (-1)) = (0, 0)

 

Fechamento e comutatividade: Bom aqui vamos usar diretamente o que herdamos do grupo (ℤ, +), afinal a soma é comutativa e fechada em ℤ. Isso nos permite fazer coisas do tipo:

(a, b) * (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) * (a, b)

Além disso tanto (a + c) quanto (b + d) são elementos de ℤ, pois sua soma é fechada, ou seja (a + c, b + d) forma um par cujos elementos pertencem a ℤ. Isso é o mesmo que dizer que (a + c, b + d) pertencem a ℤ × ℤ.

 

  • A operação (#) é associativa:

((a, b) # (c, d)) # (e, f) = (a, b) # ((c, d) # (e, f))

Para demonstrar essa propriedade vou resolver dos dois lados da equação de forma independente e mostrar que eles são iguais.

 

Primeira parte da equação:

((a, b) # (c, d)) # (e, f) = (ac, ad + bc) # (e, f) = (ace, acf + (ad + bc)e) =

= (ace, acf + ade + bce)

Aqui vale ressaltar aquilo que foi falado do item ‘3’ da início da demonstração: (ad + bc) e é uma multiplicação usual do termo (ad + bc) com o termo ‘e’. Como essa multiplicação é a usual ela preserva a sua distributividade o que nos permitiu fazer o que é visto na segunda linha da resolução da primeira parte da equação.

 

Segunda parte da equação:

(a, b) # ((c, d) # (e, f)) = (a, b) # (ce, cf +de) = (ace, a(cf + de) + bce) =

= (ace, acf + ade + bce)

Conclusão: A primeira parte da equação é igual a segunda parte da equação. O que nos permite afirmar: ((a, b) # (c, d)) # (e, f) = (a, b) # ((c, d) # (e, f))

 

  • A operação (#) é distributiva sobre a operação (*):

(a, b) # ((c, d) * (e, f)) = ((a, b) # (c, d)) * ((a, b) # (e, f))

Aqui farei no caso anterior,  vou resolver dos dois lados da equação de forma independente e mostrar que eles são iguais.

 

Primeira parte da equação:

(a, b) # ((c, d) * (e, f)) = (a, b) # ((c + e, d + f)) = (a (c + e), a(d + f) + b(c + e)) =

= (ac + ae, ad + af + bc + be)

 

Segunda parte da equação:

((a, b) # (c, d)) * ((a, b) # (e, f)) = (ac, ad + bc) * (ae, af + be) =

= (ac + ae, ad + bc + af + be) =

= (ac + ae, ad + af + bc + be) =

 

Conclusão: Assim como com associatividade, conseguimos mostrar que a primeira parte da equação é igual a segunda parte da equação. O que nos permite afirmar: (a, b) # ((c, d) * (e, f)) = ((a, b) # (c, d)) * ((a, b) # (e, f)).

 

Espero que tenham gostado do texto. Eu tentei deixar explicado sem deixar repetitivo. Se vocês têm dúvidas quanto aos símbolos, podem deixar nos comentários.

Eu sei que foi um texto inteiro só para um exemplo, mas foi justamente para revisar os conceitos apresentados nos textos anteriores buscando utilizar esses conhecimentos de forma ativa para ver se eles fixam bem na nossa mente hehehe.

Por hoje é só. Beijocas.