“Filho, olha o que eu comprei!”

“O que mãe?”

“Uma árvore de Natal!”

“Por quê?”

“Como assim, por quê? Você não pedia sempre para a gente ter uma árvore de Natal?”

Foi engraçada a reação da minha mãe, e ela estava certa, durante a minha infância inteira, eu enchi a paciência dela para termos uma árvore de Natal. Só que chegou tarde demais.

Vamos pensar a sério: por que, vivendo em um país tropical e cuja população, em dezembro, vê os termômetros marcarem entre 30 e 40 graus Celsius, festejamos o Natal com neve, renas e um simpático velhinho ligeiramente obeso com um grosso casaco de inverno, gorro e botas?

Na mesma linha de raciocínio: por que celebramos a Páscoa sempre entre os meses de março e abril? E por que ovos coloridos e flores e coelhos entregando chocolates? Na minha cabeça adolescente, nada disso fazia sentido. E, já passados vários anos desde a adolescência, continua sem sentido, a não ser um: nosso legado cultural europeu e eurocêntrico.

Uma amiga alemã que vive há tempos no Brasil sempre faz questão de enfeitar sua casa na Páscoa e no Natal, especialmente por causa das filhas, mas admite que não existe aqui o ambiente de festa que há nesses feriados na Europa. Por lá, são duas épocas bastante celebradas – não necessariamente por conta do significado religioso -, com casas enfeitadas, presentes (inclusive na Páscoa) e são inclusive época de férias escolares.

Sendo um país americano e, principalmente, cuja a população nativa foi dizimada, pouco restou de referencial cultural dos povos indígenas no Brasil. Algumas lendas e canções se incorporaram ao nosso folclore, mas em grande parte muito se perdeu: línguas ancestrais, mitologias, cosmogonias. Por outro lado, recebemos muita influência do colonizador europeu e dos negros africanos. Mas, por ser dominante, prevaleceu de fato a cultura judaico-cristã europeia.

E aqui está o nó: por termos recebido as narrativas e comemorações pascais e natalinas vindas da Europa, acabamos por incorporá-las às nossas próprias festividades, mas sem uma “aclimatização”. A Páscoa, por exemplo, deriva da celebração da chegada da Primavera no Hemisfério Norte. Apesar de aqui estarmos em pleno Outono, celebramos o Coelho da Páscoa, símbolo da fertilidade e que trazia a promessa de tempos amenos e propícios para a agricultura, após os rigores do inverno que findava.

Também o Natal, que se tornou uma grande celebração cristã, tem sua origem justificada no rigor do Inverno, que impunha o recolhimento ao lar, uma vez que a caça escasseava nessa época do ano e as colheitas já haviam sido feitas. Com o Cristianismo, essa época de recolhimento e abrigo passou a celebrar o nascimento de Jesus de Nazaré.

Como mencionado, a simbologia dessas festas, embora sejam caras à grande parte (provavelmente imensa maioria) da população brasileira (e sul-americana, em geral), pouco sentido faz em nossa realidade. E aí entramos (finalmente) na questão do etnocentrismo/eurocentrismo.

Etnocentrismo, de acordo com a Antropologia, é a tendência de considerar o seu modo de vida como o correto e natural. Ou, no extremo, considera-lo como o mais correto e superior a todas as outras formas culturais, o que serviu de justificativa para diversas atrocidades ao longo da História, das Cruzadas ao Holocausto, passando pelo massacre das populações ameríndias e a escravidão africana. Embora não de forma extremada, todos possuímos essa característica, quando, por exemplo, não entendemos por que os índios encontrados pelos portugueses trocavam seu ouro por espelhinhos e miçangas. Já ocorreu a si, caro leitor, imaginar que aquele metal dourado procurado por aquela gente branca, não possuía para as tribos nativas nenhum valor? Então, se achamos que eles fizeram um mau negócio, estamos opinando de modo a qualificar o modo de vida indígena como inferior, por não valorizar o que os portugueses – e nós, em pleno século XXI – valorizamos.

Mesmo no nosso ensino de História na escola, somos orientados quase que totalmente por essa visão eurocêntrica, que, há não muito tempo, era ensinada com base em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea. Essas divisões estão intrinsicamente vinculadas com os fatos históricos ocorridos em solo europeu, pois não podemos falar de uma Idade Antiga do Belize ou do Peru nos mesmos moldes em que tratamos a Península Italiana. No entanto, apesar de termos tido grande influência da cultura africana, por meio dos escravos que foram forçados a vir para cá, e apesar dos índios já habitarem aqui centenas de anos antes das naus portuguesas aportarem em Santa Cruz, nossa história ainda é contada e condicionada aos determinantes da história europeia.

Felizmente, há alguns obstinados que começam a resgatar essas histórias que pareciam condenadas a desaparecer. Hoje, temos muito mais acesso a vídeos e textos que nos ajudam a aprender sobre os povos indígenas e sobre os africanos e as respectivas culturas, crenças e histórias.

Ninguém precisa deixar de comprar presentes no Natal ou deixar de gostar de ovos de chocolate. Mas é importante reconhecermos também que há muitas outras narrativas que compõem a nossa cultura e sociedade e que influenciam nosso modo de vida e que, por conta do etnocentrismo que ainda perdura no nosso estudo de História, foram ignoradas por muito tempo, mas estão a cada dia mais acessíveis para nós.

 

 

Video Povos Indígenas – Conhecer para Valorizar

Video África – Um Continente sem História?

Crédito da Imagem: Papai Noel Caipira – de Marcius Vitale –