Olá, pessoal!

Temos hoje mais uma entrevista de nossa série de entrevistas com pesquisadores brasileiros que estudaram fora do país. O objetivo é trazer para vocês o caminho das pedras, a opinião de quem viveu a experiência e conselhos para quem está passando pela experiência. Espero que gostem!

Hoje iremos falar com o Lucas Cassiano!

Olá, Lucas, você pode nos falar um pouco sobre você?

Oi, sou de Natal/RN, to com 26 anos e desde moleque sou apaixonado por ciência e tecnologia. Sou formado pela UFRN em ciências e tecnologias. Sou também Mestre em Mídia, Artes e Ciências pelo MIT, Media lab, em Cambridge, Massachusetts.

Minha trajetória tanto acadêmica quanto profissional vem sendo bem divertida, parece aleatória, mas na verdade é só uma busca por projetos interessantes, nem sempre úteis (admito) mas que tendem a ser desafiadores. Meu trabalho transita entre Engenharia e Design, tanto de produtos digitais quanto físicos, software e hardware, bits e átomos.

Pessoalmente, curto barcos à vela e museus. No meu spotify, hoje, tocou rap nacional, Hendrix, uns 150bpm e Brian Eno. Acho que essa playlist resumiu melhor quem eu sou do que qualquer texto.

Conta um pouquinho pra gente da sua experiência no exterior.

Em 2015 tive a oportunidade de vir pros EUA pelo programa Ciências sem Fronteiras (CAPES). Fui pra universidade pequena (MSOE, em Wisconsin), uns 2 mil alunos que só tinha praticamente cursos de engenharia, foquei em Eng. Computação e Eng. Software.

Foi difícil, meu inglês era ruim, por causa disso eu não fui bem nas aulas, minhas notas foram horríveis no primeiro semestre e fiquei em “probation” que, em resumo, é quando o aluno é ruim e tem um semestre para melhorar, se não é expulso. Estudei muito pra recuperar. Deu certo, não fui expulso.

No verão daquele ano, fui pro MIT fazer pesquisa. Eu faço pesquisa há alguns ano na área de Human-Computer Interfaces (HCIs), que são as formas que temos de nos comunicar com computadores, por exemplo o mouse, ou os computadores se comunicarem com a gente, telas, som, realidade aumentada, vai por aí. E nessa área de HCIs um lab se destaca mundialmente é o MIT media lab. Mandei vários e-mails pra lá até que tive resposta de um e me chamaram pra um summer pra fazer pesquisa lá, por sorte não olharam minhas notas 😇.

Depois desse verão e do CsF, voltei pro Brasil, fiz pesquisa num lab ótimo em Natal chamado LAIS. Fui aprovado em 2016 pro Mestrado no media lab, desta vez financiado pelo MIT (sim! O MIT te paga pra estudar lá! Pesquisa sobre isso, vale a pena). Desde 2016 moro nos EUA, formei em 2018. No fim do mesmo ano fui trabalhar na Google, na Califórnia, no vale do silício. Eu era um contractor, como Designer de Interação, o projeto no grupo do Assistente virtual deles, o “ei, Google..”, o conceito do projeto foi legal, mas não curti muito o ambiente corporativo, muita estrutura e meio lento (em termos de inovação) para ser honesto.

Resolvi então ir para uma startup, dessa vez como Engenheiro de UX, chamada Vicarious, mexe com AI e robótica, trabalha com automação industrial usando o que há de mais moderno em computação. É uma startup de sucesso, 130 pessoas, com cerca de $150 milhões em investimentos vindo de nomes como Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Elon Musk. Nós conseguimos atrair ótimos talentos, gostei demais do nível dos profissionais. Lá eu escrevi alguns dos sistemas de controle e todas as UIs pras pessoas controlarem robôs industriais nas fábricas, sem que precisem entender as contas complicadas que AI tava fazendo pro sistema funcionar. Foi uma ótima experiência, tomei gosto por criar produtos e por startups.

Recentemente aceitei um convite pra ir pra uma startup ainda menor, com umas 10 pessoas, bem no começo ainda, chamada Artificial, também na Califórnia, em Palo Alto, onde moro hoje. Só pelo nome dá pra ver que também usa AI, usa também sensores, robôs etc.. mas essa empresa é aplicada a processos em LifeSciences, ou seja, processos em laboratórios de biologia, sequenciamento genético, biologia sintética, criação de remédios.. nessa linha A idéia é fazer com que processos assim avancem tão rápido quanto software evolui. Se os processos envolvendo a produção de remédios tivessem evoluído tão rápido quanto evoluímos software, teríamos hoje curas mais eficazes para muito mais doenças, menos efeitos colaterais e custando uma fração do que se custa hoje para produzir uma medicação, imagine o impacto disso.
Vamos ver no que dá, tem sempre um alto risco inerente a startups. Mas vai ser divertido.

E do ponto de vista acadêmico, como foi essa experiência de estudar fora?

Na MSOE foi uma boa, mas era bem aquele estilo: estude só com foco em conseguir um emprego nas empresas grandes locais. De todo modo, os cursos, tecnicamente, eram bem aprofundados no conteúdo e os materiais utilizados eram ótimos. Por a universidade ser pequena e só de engenharia, os alunos tinham acesso a laboratórios sempre livres com ótimos equipamentos. Eu tive poucos amigos no cursos de eng. Software e computação, era o maior número de nerds por m². Eu costumava andar só com os brasileiros, isso era normal no CsF.

Já no MIT… foi uma experiência incrível, os pesquisadores lá olhavam pra tecnologia de uma forma única. Eles eram nerds, mas eram nerds que entendiam das artes, filosofia e sociedade. Espécie rara, cultura fascinante. E os recursos para pesquisa eram amplos, bastante dinheiro e ótimos equipamentos. E o melhor: era perto do pier de barcos à vela da Universidade.

Um ponto interessante no MIT é o contato direto com as empresas grandes globais: duas vezes por ano nós recebíamos mais de 100 empresas de tecnologia, como Apple, Google, Amazon, Facebook, LEGO… uma lista enorme, e mostramos nossos projetos. Esse contato foi importantíssimo, pena que ainda não vemos muito disso no Brasil.

Temos também muitos eventos na Universidade, eventos culturais, festas open bar (as que eu organizava tinham sempre caipirinha rodada 😉), noites velejando, almoços e jantares com professores, diversas palestras com pessoas importantes, viagens. Muitos esportes também, tudo de graça. Você vive na universidade e é prazeroso e enriquecedor para sua vida.

Foi muito bom também o contato com artes, aqui ou ali algum amigo do media lab expõe em museus grandes, agora mesmo (fev. 2020) tem um expondo no MoMa em NY. É ótimo trocar idéia com pessoas que têm uma visão mais artística do mundo. Te faz pensar mais, sabe?

E, no dia a dia, pode nos contar como foi?

No mestrado tive mais tempo de explorar novos projetos, criar, aprender a pensar sob diversos ângulos, entender como o que se constrói pode impactar a sociedade. Tentar fazer algo novo e útil.

Sobre Empresas grandes no Vale, pra ser sincero, achei que ia ser melhor. A cultura é interessante, a estrutura física é ótima, mas tudo muito hierárquico. Um dos maiores desafios é você construir a cultura de uma empresa do zero, isso você só pode fazer em startups.

Sobre Startups: muito bom, se aprende mais, muita liberdade criativa, mas muito trabalho (muito mesmo). Eu gosto pois tenho mais responsabilidades sobre os produtos que são criados. E criar ótimos produtos é uma arte que me interessa muito, eu quero ser bom nisso um dia. Acho que em startups as pessoas estão mais empolgadas e isso se reflete na qualidade do que é construído. E se você trabalhar direito e tiver bons contatos com investidores, você ganha quase igual às empresas grandes, às vezes até melhor.

Quais as melhores coisas de ter estudado fora?

Conhecer novos lugares, pessoas, culturas.. Faz com que você repense o que a gente acha que sabe do mundo. Ter feito amigos do mundo todo foi ótimo, essa troca cultural sabe? Trocar uma idéia com uma galera da índia, china, áfrica, europa, américa latina, enfim, mundo todo. O networking com grandes profissionais da área também vem sendo ótimo.

Tem também o acesso mais rápido às tecnologias mais novas do mercado, e a um preço mais baixo se comparado ao Brasil, principalmente se falarmos de desenvolvimento de hardware, isso é uma barreira enorme.

E no meu caso específico também foi legal o fato de poder estar mais próximo dos profissionais que sempre admirei, passar pelos cantos que eles passaram, isso me motiva e tentar construir produtos tão bem quanto eles construíram.

Um ponto que tem seus altos e baixos é morar longe da família e amigos com os quais você viveu sempre. É difícil, mas também traz desafios que só te enriquecem.

Tem alguma mensagem final que gostaria de deixar para nossos leitores?

Mensagem útil? Bebam mais água, durmam pelo menos 8h por noite, comam vegetais.

Bem.. eu sou um brother que saiu da academia – não de vez, não dá pra parar de estudar, aqui ou ali eu curso alguma matéria em Stanford, a última foi sobre business e inovação – e não me vejo fazendo um PhD em breve. Não que Universidade seja ruim, se eu não fosse tão apaixonado por construir produtos eu ficaria na academia, é um ambiente com mentes incríveis. Então não sei se tenho nada de útil pra falar pra quem ta na universidade. Talvez.. explorem mais(?).

É uma pena quando um aluno quer só focar em tirar boas notas, dentro da grade obrigatória… pra pegar o diploma, quando a beleza das Universidades ta nas mentes ali dentro e não no boletim. É como você entrar no Museu, no Metropolitan por ex., e ficar de cabeça baixa lendo o panfleto que dão na entrada, aqueles que tem um mapa sabe? Se você só olhar pro papelzinho, perde de observar a essência humana esculpida em arte.

Sobre empresas, startups e produtos: se juntem com pessoas boas, motivadas, curiosas e que se alinham com sua visão de como o que vão construir juntos vai impactar a sociedade, por que no fim, grandes produtos mudam a cultura, melhoram a vida.

Isso é tecnologia.

Esse caminho nem sempre é fácil, mas independente de em que ponto da vida você tá agora, procura aprender o máximo que puder, construa o melhor. O resto dá pra ir alinhando conforme o vento 😉⛵️.

 

Se você tem interesse em contar a sua história, ou acha que a história de algum amigo ou amiga é interessante, é só entrar em contato através do e-mail [email protected].