Texto de Isabelly Tiemi Nagaoka Godoy

“Todo cogumelo é comestível, alguns apenas uma vez”. Essa é uma piada bem comum de se ouvir quando falamos em cogumelos comestíveis e, apesar de engraçada, reflete muitas vezes o pouco conhecimento — e até um pouco de medo! — que a população em geral pode ter em relação aos cogumelos. Estimam-se que existam cerca de 2000 espécies de fungos comestíveis conhecidas, dessas, 200 são consumidas por povos tradicionais e apenas 35 são cultivadas comercialmente.

Ao redor do mundo, em diversos países, o hábito de coletar e consumir cogumelos silvestres é cultural. Famílias aguardam ansiosas a temporada de caça a essas iguarias, porém no Brasil essa prática não é comum, muitas pessoas inclusive têm bastante medo dos cogumelos, apesar de tocar, manusear, fotografar e até cheirar cogumelos serem atividades seguras, já que apenas a ingestão pode causar intoxicação. Aqui no país, os estudos em etnomicologia (área que estuda a relação dos seres humanos com os fungos), apontam que o consumo de cogumelos não é muito difundido entre os povos originários, com exceção dos Yanomami, que, além de consumir, possuem técnicas específicas para promover o crescimento das espécies comestíveis.

Você provavelmente já comeu cogumelos aqui no Brasil, seja o champignon (Agaricus bisporus) no strogonoff, talvez um shiitake (Lentinula edodes) ou shimeji (Pleurotus ostreatus) em algum restaurante de comida asiática, mas será que temos cogumelos silvestres, encontrados na mata, no ambiente, que sejam comestíveis aqui na nossa terra? Com certeza! O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do mundo, e além da flora e da fauna, a funga (conjunto das espécies de fungos) do nosso país, apesar de ainda pouco explorada, é muito diversa! Um estudo de 2024 registrou mais de 400 espécies de fungos comestíveis no nosso território! (Figura 1) É muita comida que pode estar crescendo perto da sua casa e que você nem sabe.

Figura 1- Algumas espécies de fungos comestíveis silvestres encontrados no Brasil. A: Auricularia cornea; B: Oudemansiella cubensis; C: Phillipsia domingensis; D: Lentinus sp. E: Macrocybe titans; F: Pleurotus djamor; G: Dacryopinax spathularia. Fotos: Isabelly Godoy.

Mas então, sabendo disso, eu posso coletar e comer qualquer cogumelo que eu encontrar? Não! Essa inclusive pode ser uma atividade perigosa! Apesar de muitos cogumelos serem comestíveis, alguns outros podem ser tóxicos e causar sérios problemas de saúde se ingeridos. Algumas espécies tóxicas podem inclusive ser confundidas com comestíveis, como é o caso do guarda-chuvas de esporos verdes (Chlorophyllum molybdites), bastante comum em ambientes urbanos e que, quando jovem, pode ser confundido com alguma espécie comestível do gênero Macrolepiota (Figura 2).  É preciso uma identificação cuidadosa da espécie para garantir um jantar delicioso, e não uma visita ao hospital.

Figura 2- À esquerda: guarda-sol de esporos verdes (Chlorophyllum molybdites), espécie tóxica caracterizada pelas lamelas verdes quando madura. Foto: Isabelly Godoy. À direita: Macrolepiota procera, espécie comestível facilmente confundida com C. molybdites. Foto: https://www.first-nature.com/fungi/macrolepiota-procera.php.

Como saber então qual é a espécie de cogumelo que encontrei crescendo perto de casa? Nos países onde coletar fungos é uma atividade mais habitual, é comum o uso de guias de coleta, livros com descrições, fotos, ilustrações, áreas de ocorrência e outras informações a respeito dos cogumelos que podem ser encontrados nesses locais. No Brasil também há alguns livros para quem quer conhecer um pouco mais do mundo maravilhoso dos fungos, como “FANCs de Angatuba: Fungos Alimentícios não-convencionais de Angatuba e região”, da professora Larissa Trierveiler Pereira, e “Primavera Fungi”, de Jefferson Müller Timm (Figura 3). Vale muito a pena seguir os perfis dos autores nas redes sociais também, @fancnacabeca e @primaverafungi. O @ifungilab também tem um perfil bem legal que divulga as pesquisas do pessoal do IFSP com cultivo de cogumelos silvestres.

Lembrando sempre: não coma nenhum cogumelo sem a certeza da identificação! E sempre que possível, consulte seu micólogo (profissional especialista em fungos) de confiança, ele/ela com certeza ficará muito feliz de conversar sobre fungos com você!

Figura 3- E-book Fancs de Angatuba, disponível gratuitamente para download pelo link https://www.lemic.ufscar.br/inicio/publica%C3%A7%C3%B5es/livros-e-cap%C3%ADtulos.
Primavera Fungi, disponível para compra pelo link https://primaverafungi.com/produto/primavera-fungi-guia-de-fungos-do-sul-do-brasil-3o-edicao-pre-venda/.

 


Isabelly Tiemi Nagaoka Godoy

Bióloga, micóloga, apaixonada por literatura, referências de cultura pop e cafeterias superfaturadas.

Referências:

AIDA, F. M. N. A. et al. Mushroom as a potential source of prebiotics: a review. Trends in food science & technology, v. 20, n. 11-12, p. 567-575, 2009.

DREWINSKI, Mariana P. et al. Over 400 food resources from Brazil: evidence-based records of wild edible mushrooms. IMA fungus, v. 15, n. 1, p. 1-24, 2024.

PEREIRA, Larissa Trierveiler. FANCs de Angatuba: Fungos Alimentícios Não Convencionais de Angatuba e região. 1ª edição. Porto Alegre: Simplíssimo, 2019.

PRADO-ELIAS, A. et al. “Não dá muda, não dá semente, como cresce?”: Conhecimento Etnomicológico de uma Comunidade Rural Caipira no Sudoeste Paulista. Gaia Scientia, v. 17, p. 74-96, 2024.

TIMM, Jeferson Müller. Primavera FUNGI: Guia de fungos do Sul do Brasil. 3ª edição. Via Sapiens, 2018.

TRIERVEILER-PEREIRA, Larissa; PRADO-ELIAS, Amanda. Oswaldo Fidalgo, pioneiro da etnomicologia no Brasil. Ethnoscientia-Brazilian Journal of Ethnobiology and Ethnoecology, v. 7, n. 1, p. 147-157, 2022.