Olá, pessoas em bolhas, vocês sabiam que esse é o mês da visibilidade trans? Pois é, nem parece, né?!

Nós não vemos propagandas, não vemos bandeiras ou mesmo comentários sobre esse mês e seu valor para comunidade LGBTQIAP+. Esse é um mês de visibilidade, e não de orgulho. As empresas não tem orgulho do que somos, a sociedade não tem orgulho do que somos, mas nós não podemos mais ser invisibilisades, afinal, eu escrevo esse texto com foco no país que mais consome pornografia trans no mundo. Logo vemos que o problema não é sermos vistes, na verdade, o problema é não aceitarmos estar no local ao qual nos relegaram.

Na figura acima vocês podem ver o que aparece ao pesquisar no google pelo termo “trans” em um perfil anônime. Quatro dos dez primeiros resultados relacionam o termo a crimes contra pessoas trans. Eu estou falando isso em um mês em que já se começou BBB e temos uma participante travesti.

Pesado, né?! Foi assim que eu decidi introduzir meu texto. A vida de uma pessoa trans não se resume a isso, mas isso é parte inegável da nossa vida. Não podemos nos deixar ser pegues desprevenides. Eu me permito fazer esse texto hoje pois vocês podem ver mais de mim em todos os meus outros trabalhos. Eu não me resumo a uma vítima de violência, mas se eu a ignorar, eu não consigo entender como cheguei até aqui. É um pouco do meu olhar como cientista, não posso ignorar um fato só porque ele não me agrada, ainda mais quando ele compõe o que eu me proponho a estudar.

Apesar dessa introdução, o meu texto não é sobre isso, é sobre o que está no título. É sobre como esse mês é muito diferente do “mês do orgulho gay”.

Mas Emerson, não seria orgulho LGBT???

Seria. Gostaria muito que fosse, que todas as letras tivessem o mesmo valor, mas, apesar de movimentos históricos como Stonewall terem pessoas de todas as letras da sigla na linha de frente, não é isso que vemos ser acolhido na pela sociedade, mesmo no tal mês de orgulho.

Volto a perguntar a vocês, notaram que esse é o mês da visibilidade trans? Eu, particularmente, não notei. Eu sei que esse é o mês, mas não notei. Não vi nem mesmo um animalzinho falando para alguma marca “quem lacra não lucra”, sabe por quê? Pois eu não vi comerciais usando essa temática esse mês. Na verdade, esse mês parece só existir na bolha minha e de pessoas que buscam esse assunto por qualquer motivo que seja. É triste.

Esta é a bandeira do orgulho Trans

Pode parecer paradoxal, mas o motivo de eu não me dar bem com o pride month está intimamente ligado com o problema aqui. Os meses e dias de orgulho só existem quando eles são comerciáveis. Ou seja, há um esvaziamento do seu valor enquanto movimento social. E qual o fio disso tudo? Machismo e foco em hétero-cis-normatividade.

E o que são esses termos todos????

Bom, acho que não preciso explicar o machismo, então vou focar no segundo termo, hétero-cis-normatividade. Vamos por partes?

Bom, -hétero- se refere à heterossexualidade, ou seja, a orientação sexual referente ao diferente (se eu sou uma mulher, eu vou gostar de/me relacionar com/casar com um homem).

E cis? Uma pessoa cis é uma pessoa que se identifica com o mesmo gênero que lhe é designado ao nascer, ou seja, se eu nasci com pênis e testículos e me identifico enquanto homem, eu sou uma pessoa cis [MUITO LONGE DO MEU CASO HAHAHAH], qualquer pessoa que fuja disso é dita como trans [cês podem gostar desses posts do twitter sobre]

E normatividade? Isso é referente ao que é normal, comum, um modelo a ser seguido, aquilo que é “certo”. Entenderam? Hétero-cis-normatividade é uma ideia, mesmo que inconsciente, de que o “certo” para sociedade é o modelo hétero-cis, ou seja, o modelo a ser seguido é um homem com pênis casando com uma mulher com vagina. Tudo que foge a isso é abominável e errado.

Notaram o problema da invisibilidade do mês de agora e da visibilidade do “mês do orgulho”? Em uma sociedade machista e hetero-cis-normativa, onde está concentrada a renda? Exato, no homem-cis-hétero. Mas lembrem, isso é uma norma, um modelo, logo, qualquer um que possa se disfarçar ou se assemelhar a tal tende a ter os mesmos privilégios, logo, homens-cis gays que sigam o padrão comportamental da heteronormatividades tentem a ter mais renda que aquelus que não seguem (aqui vale acrescentar o branco também, afinal, sociedade racista).

Isto tudo me leva ao que falei um pouco mais acima. Junho é, para muites, inclusive para as empresas, o mês do orgulho gay. Obvio que não é qualquer gay, não é o gay afeminado, é um gay bem específico, aquele que mais se aproxima da hetero-cis-normatividade. Nesse mês temos comerciais e falamos sobre o assunto, pois essa é uma parcela da população vista como mais economicamente significativa, de modo a ser mais lucrativo se dedicar para atingir esse público e, por tanto, incluí-lo como parte visível da sociedade.

E isso nos faz voltar às diferenças entre esses meses. Temos pautas diferentes, muito diferentes. Enquanto o slogan do “mês do orgulho” é voltado para “ o amor de todas as formas” ou “o amor não tem forma” e coisas do tipo, pessoas trans estão lutando para subir sua expectativa de vida para níveis acima dos registrados na Europa durante a peste. É necessário entender que o amor não é democrático, pessoas trans, por muitas vezes, não são agraciadas com isso, tanto do lado familiar quanto romântico. Então, não, não estamos lutando pelo direito de amar. Pessoas trans lutam para viver, por emprego, por respeito.

Eu sei, isso parece o mínimo e você pode me dizer que você, enquanto uma pessoa cis, também luta por isso, verdade. Mas duvido muito que você insista em chamar o Fencas pelo pronome feminino quando ele se afirma um homem, ou a Jujuba pelo masculino quando ela se afirma mulher. Duvido que não levaria seu animalzinho ao Tarik, simplesmente por ele ser o Tarik ou que ficaria a sessão de RPG inteira tentando diminuir o Guaxa por ele ser o Guaxa. É isso que ocorre com a pessoas trans. Nossos pronomes não são respeitados, nossos empregos são negados, não importando o nosso currículo. Só por sermos nós e nos expressarmos assim.

ADENDOS

O mês da visibilidade trans não é para dar uma visão pessimista das coisas, como se a vida de pessoas trans fosse somente dor e sofrimento, mas eu decidi explorar uma problemática nesse texto. Eu posso estar errade quanto aos comerciais desse mês, então adoraria que vocês me mostrassem isso nos comentários. Eu também não quis ou quero em nenhum momento dizer que a culpa disso é dos homens gays cis, a situação ao redor deles é um sintoma de como a sociedade se organiza e do que ela valoriza.

AGRADECIMENTOS

Para fazer esses textos eu pedi ajuda de alguns amiges, pois não sou uma pessoa muito de rede social, então gostaria de agradecer-lhes por terem me mandado as coisas do twitter. Gostaria de agradecer às Garotrans, seu podcast me ajudou muito a formular esse texto.

INDICAÇÕES

1) Eu gostaria de indicar o videocast que a Alina Durso participou no Lança a Braba. Sua fala sobre o “amor democrático” me impactou muito e é um ponto a ser refletido e conhecido por mais pessoas.

2) Eu descobri outra doutora trans na física graças ao blablalogia, é a Gabi Weber, ela tem um café com quê, tem um vídeo falando sobre o mês da visibilidade trans junto a nossa imperatriz Mila e, pessoal do twitter me mandou um podcast.

3) Existem duas cantoras que eu ouço bastante que são a Linn da Quebrada e Liniker. Vão ouvir, valorizem as artistas pretas do nosso Brasil.