Desde tempos imemoriais, a busca pela felicidade tem sido um objetivo humano central. Essa busca gerou diversas teorias e conceitos que procuram explicar o que nos faz sentir bem e porque nos sentimos bem. Um desses conceitos amplamente difundidos é o dos “hormônios da felicidade”. No entanto, como veremos, essa ideia simplificada não é capaz de contar toda a história.

Você provavelmente já ouviu essa expressão colorida nas redes sociais ou em palestras motivacionais. “Hormônios da felicidade” é o termo frequentemente usado para se referir a um grupo de substâncias químicas que desempenham papéis importantes em nossas emoções e bem-estar. Embora essa ideia tenha ganhado popularidade e seja utilizada regularmente em contextos de aconselhamento e coaching, é importante compreender que essa expressão é uma simplificação excessiva da realidade e muitas vezes é usada de maneira equivocada.

A felicidade é um estado emocional complexo, influenciado por uma variedade de fatores, incluindo o ambiente, experiências de vida, saúde mental e até a genética! Por isso, seguir dicas e estratégias que supostamente aumentarão a produção desses hormônios pode ser um problema e gera expectativas irreais. Tendo isso em mente e sabendo que este é um texto meramente informativo — não vamos tentar te vender um método de boost hormonal — , vamos entender o que a ciência nos explica sobre eles.

As principais substâncias frequentemente associadas ao termo são a Serotonina, Dopamina, Ocitocina e Endorfina.

 

Serotonina

Também conhecida como “hormônio do bem-estar”, foi identificada no início do século XX, quando pesquisadores começaram a investigar substâncias químicas presentes no corpo que estavam envolvidas em funções nervosas e emocionais. Ela foi inicialmente isolada no intestino, onde desempenha um papel fundamental na regulação das funções deste órgão e na comunicação entre as células nervosas. Você já escutou alguém falar que o intestino é o nosso segundo cérebro? Seguindo essa analogia, a serotonina seria o âmago do nosso cérebro intestinal.

No cérebro — tanto o convencional, quanto o “intestinal” — a serotonina é produzida por células denominadas enterocromafins. Dentre as suas funções primordiais estão a regulação do humor, associada com sentimentos de calma e alegria, além da atuação na manutenção do ciclo sono-vigília a partir do controle do nosso ciclo biológico e do apetite, influenciando na sensação de plenitude após as refeições.

Níveis reduzidos deste hormônio estão relacionados com diversas alterações, como transtornos alimentares, ansiedade e depressão. Uma das classes de medicamentos mais utilizados para a depressão tem como mecanismo de ação o “atraso” na recaptação de serotonina por neurônios produtores. Isso faz com que fique disponível por mais tempo no local de liberação, aumentando o seu tempo de atuação. Apesar da “hipótese da serotonina”, pela qual essa tem correlação com o desenvolvimento de depressão, é importante entender que a complexidade do distúrbio envolve fatores genéticos, ambientais e neuroquímicos.

 

Dopamina

A dopamina é um neurotransmissor (isso mesmo, sequer é um hormônio!), responsável pela comunicação entre neurônios de diversas regiões do cérebro, em especial, uma área conhecida como substância negra.

Desempenha um papel fundamental no controle do movimento corporal. Os tremores característicos da doença de Parkinson estão relacionados à deterioração das vias produtoras de dopamina. Também influencia as funções cognitivas, como a atenção e o aprendizado. Nesse aspecto, a diminuição dos níveis de dopamina abaixo do adequado são atribuídos ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade ou TDAH.

A função mais conhecida da dopamina é sua associação com o sistema de comportamento motivado e é nesse sentido que é — incorretamente — classificada como hormônio da recompensa. Quando experimentamos algo prazeroso, como uma comida saborosa ou uma conquista pessoal, sua liberação é aumentada, criando a sensação de motivação para continuar buscando essas experiências.

O que poucas pessoas sabem é que isso também ocorre nos vícios, como o abuso de álcool, drogas e jogos de azar. Essas atividades podem levar a um aumento artificial na liberação de dopamina, contribuindo para a repetição desses padrões de comportamento.

 

Ocitocina

Dentre os “hormônios da felicidade”, os mecanismos de ação da ocitocina são os menos elucidados. O famigerado “hormônio do amor” está relacionado com diversas funções e emoções ligadas a conexões sociais e vínculos emocionais. Foi identificada durante a investigação de substâncias que influenciam as contrações uterinas durante parto e a liberação do leite durante a amamentação, por isso, a sua associação com o amor materno.

Alguns estudos sugerem que desequilíbrios na ocitocina podem estar relacionados a dificuldades na formação de vínculos sociais e empatia, o que pode estar interligado a condições como o transtorno do espectro autista.

 

Endorfina

A palavra “endorfina” é derivada dos termos “endógeno” (originado no corpo) e “morfinas” (substâncias analgésicas). Foi descoberta no início da década de 1970, quando os pesquisadores começaram a investigar os sistemas internos de alívio da dor.

Além de atuar como um opioide interno, a endorfina causa um efeito de euforia e bem-estar. Já escutou a expressão “endorfina do corredor” ou tirou sarro do seu amigo que disse estar “endorfinado” após um treino de musculação? Sua liberação é intensificada durante a prática de atividades físicas e também após dar aquela gargalhada ou ouvir uma música nostálgica. Pura endorfina!

Algumas condições de dor crônica, como enxaquecas, estão relacionadas a desequilíbrios na produção desse hormônio.

 

Fique ligado…

Embora a expressão “hormônios da felicidade” tenha seu valor, é importante abordar essa ideia com ceticismo e discernimento. O bem-estar está relacionado à atividade dessas substâncias, porém é um conceito complexo e multidimensional, influenciado por uma infinidade de fatores.

Enquanto os hormônios desempenham um papel em nossas emoções, não podem ser vistos como chaves únicas para a felicidade. Coachs e influenciadores devem abordar essa expressão com responsabilidade, baseando suas informações em ciência de verdade e cientes de que a busca pelo bem-estar requer uma abordagem que considere a individualidade de cada pessoa e os diversos fatores que contribuem para a sua satisfação pessoal.

 

Referências

Alexander, R., Aragón, O.R., Bookwala, J., et al. (2021). The neuroscience of positive emotions and affect: Implications for cultivating happiness and wellbeing. Neurosci Biobehav Rev. Feb;121:220-249. doi: 10.1016/j.neubiorev.2020.12.002.

Molina, P. (2021). Fisiologia Endócrina – 5ª Edição. Editora AMGH – Lange.

Russell, J.A. (2018). Fifty Years of Advances in Neuroendocrinology. Brain Neurosci Adv. Nov 16;2:2398212818812014. doi: 10.1177/2398212818812014.

Silverthorn, D. U. (2017). Fisiologia Humana – 7ª Edição. Editora ArtMed.

 


Rafaella Angeli

Cirurgiã-dentista fascinada por biologia. Mestre e doutoranda em Fisiologia pela Universidade Federal do Paraná, pesquisa sobre os efeitos de substâncias naturais de plantas nativas do Brasil sobre células tumorais, sempre nutrida do seu combustível, popularmente conhecido como cafeína.