Esse texto tá longe de ser uma propaganda para o governo. Se tem uma coisa que não tenho é simpatia pelo governo do estado de São Paulo. Eu quero falar aqui dos aspectos científicos que fazem com que o projeto de despoluição do Rio Pinheiros seja hoje o mais próximo que já tivemos do que pode dar certo.  

Vamos falar, é claro, de saneamento básico, de problema urbano, de moradia, de gasto de rios de dinheiro (perdão!) e do tamanho do problema que é despoluir um rio do tamanho do Pinheiros.

Se você ouve o Scicast e lê meus textos aqui, já me ouviu falar e escrever sobre saneamento básico e a importância de ter saneamento adequado, qualidade da água etc. Não vou chover no molhado (oi, de novo). 

Para quem não sabe, o Rio Pinheiros é um rio super importante para a história de São Paulo. Junto com o Rio Tietê eles foram responsáveis pela formação da cidade de São Paulo. A cidade se desenvolveu em volta dos rios e desde sempre a população conviveu com eles.  O Rio Pinheiros tem sua extensão da Represa Billings ao Rio Tietê e possui uma usina hidrelétrica. 

Localização dos Rios Pinheiros e Tietê. Fonte: Modificado de Google Earth

Hoje tem uma região do Pinheiros que é mais chique e tem várias empresas próximas ao rio, além de uma importante linha de trem de transporte metropolitano que passa bem do seu lado. O que mais a gente vê as pessoas falando é sobre o cheiro horrível do rio. Na época do inverno, aqui chove menos e, com menos água, o cheiro parece ainda pior. 

Rio Pinheiros com Muito Lixo em Seu Curso. Fonte: aqui

O que aconteceu para chegarmos nesta situação? 

Com o crescimento desordenado da metrópole e a ocupação dos espaços, os rios urbanos, que antes eram cheios de meandros e davam voltas que ocupavam grandes extensões de áreas, foram retificados (tiverem seu curso tornados retos) para viabilizar a ocupação na beira dos rios. Falamos bastante disso nos dois casts de Águas Urbanas, se você não ouviu, vale super a pena (aqui).  

Acima vemos o rio Pinheiros em 1930 com seus meandros serpenteando a área de várzea e ocupando todo o entorno. Abaixo é possível ver o rio em 2018 retificado, com a área de várzea ocupada pela Marginal Pinheiros e prédios. Fonte aqui

Destruição da mata ciliar do rio, retificação, ocupação irregular às margens do rio, falta de saneamento básico, despejo industrial irregular, falta de coleta de resíduos. Enfim, o rio não aguentou. 

A qualidade das águas dos rios piorou e muito e os principais motivos são a falta de saneamento básico nas áreas do entorno do rio, o que faz com que o ele seja um verdadeiro depósito de cocô e de resíduos que chegam ao rio, seja jogados  diretamente, seja indiretamente com as chuvas e enchentes. 

É isso mesmo que você leu, o que faz o Rio Pinheiros estar poluído todo esse tempo é a falta de saneamento básico das áreas do entorno. Quem tá mais perto do rio precisa ter o esgoto coletado e tratado para que ele não chegue no rio, simples assim. 

Despoluição Rio Tietê

O Rio Tietê, outro rio super importante para São Paulo, já teve investimentos financeiros na casa dos R$8 bilhões para sua despoluição. Desde 1992 o governo do estado “tenta” despoluir o rio com vários projetos milionários e mirabolantes. Como o rio Tietê nasce na região metropolitana de São Paulo e atravessa o estado inteiro, a mancha de poluição do rio se estende por vários quilômetros dentro do estado, o que dificulta ainda mais a despoluição. 

A poluição nos casos dos rios Tietê e Pinheiros é o que a gente chama de poluição difusa, ou seja, a poluição vem de diversas fontes. Isso dificulta muito as ações. Se fosse um cano só jogando esgoto e água contaminada nos rios, era fácil, bastava seguir o caminho inverso e fazer o despejo irregular parar. 

O mesmo problema – esgoto doméstico

Assim como no Rio Pinheiros, o Rio Tietê tem como maiores poluentes o esgoto doméstico, os despejos industriais irregulares e os resíduos jogados direta ou indiretamente nele. 

O consenso entre os especialistas sempre foi que a despoluição devia ser feita com a ligação dos imóveis à rede de coleta e tratamento de esgoto. 

As críticas que foram feitas aos projetos de despoluição ao longo dos últimos 30 anos é que não basta coletar os resíduos do rio, retirar a água contaminada, tratar e colocar de volta no rio. 

Achar que tratar a água do rio vai acabar com a poluição é ingenuidade e falta de compromisso com dinheiro público e com as evidências científicas da área, pra dizer o mínimo. 

Dragagem para Retirada dos Resíduos Sólidos do Rio. Fonte aqui

Problema de Moradia 

Ao longo do tempo a quantidade de despejo industrial (água contaminada despejada pelas indústrias) nos rios foi diminuindo, graças aos mecanismos de controle e fiscalização dos órgãos ambientais, como a CETESB –  Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, órgão responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento das atividades poluidoras do estado de São Paulo. 

Hoje já se sabe que a principal fonte de poluição dos rios urbanos é o esgoto doméstico e isso está diretamente ligado ao problema crônico de moradia. 

Por que tem despejo irregular de esgoto doméstico nos rios? Porque as casas não estão ligadas a rede de coleta e tratamento de esgotos. E por que as casas não estão ligadas? Porque grande parte é moradia irregular. 

Assunto Antigo

A falta de um programa robusto de moradia que forneça casa em local seguro, com infraestrutura urbana suficiente para dar uma vida digna às pessoas, faz com que a ocupação irregular se alastre nas grandes metrópoles. É bem fácil de entender, se a pessoa tem onde morar e esse local tem abastecimento de água e coleta de esgoto ela não vai preferir morar em um barraco que mal tem água. Mas se não tem onde morar, a moradia irregular é o que resta. 

Historicamente em São Paulo e região metropolitana, o problema da moradia contribuiu para a poluição dos rios urbanos. O poder público assistiu durante todos os anos a situação da metrópole deteriorar e não fez nada. 

A gente tem mania de separar o meio ambiente da gente, mas nós estamos integrados ao ambiente que vivemos. Um problema que seria majoritariamente urbano, e dentro da região metropolitana de São Paulo, causa um problemão ambiental no resto do estado todo. 

Então quer dizer que se eu resolver o problema de moradia eu de quebra resolvo problema de poluição dos rios? Isso mesmo. Também resolve problemas de mobilidade, de poluição e de um monte de outras coisas, mas isso é conversa para outro texto. 

Despoluição do Rio Pinheiros 

A essa altura você já entendeu que para um projeto de despoluição do Rio Pinheiros ser no mínimo sério ele tem que estar falando em ligação das moradias ao sistema de coleta e tratamento de esgoto, né? Se isso não tiver no plano é só balela para gastar dinheiro público. 

Bom, é exatamente isso que esse projeto prometeu e vem fazendo. 

O programa está dividido em 4 eixos: Eixo Saneamento, que pretende ligar mais de 500 mil imóveis aos sistemas de coleta e tratamento de água e esgoto, Eixo Manutenção, que pretende retirar os resíduos de assoreamento e obras de proteção das margens, Eixo Resíduos Sólidos, que vai retirar os resíduos flutuantes e o Eixo Revitalização, com a criação de um parque e uma horta urbana. 

Resultados Até Agora 

A CETESB realiza o monitoramento de 13 pontos do rio Pinheiros e em 11 deles já houve uma redução de DBO para níveis abaixo de 30mg/L, (falamos bastante disso nos casts de Água (aqui) e Esgoto (aqui)), o que já reduz os níveis de odor ruim. A redução de DBO mostra um menor nível de matéria orgânica na água, o que melhora seu odor e turbidez. 

No twitter eu já vi gente falando que o cheiro ruim do rio diminuiu um pouco, mas eu ainda não dei uma volta por lá para conferir se dá para notar as mudanças. 

O projeto ainda tá em andamento e vai até o fim  de 2022 (pelo menos no papel) e o que a gente pode dizer é que pelo menos a ideia inicial é mais condizente com a realidade e o que se espera de um projeto de despoluição de um rio do tamanho do Rio Pinheiros.

Ainda tô cética? Sim, só quem é de São Paulo e já viu as várias obras e projetos que já foram prometidos ao longo de anos e que simplesmente não chegam ao fim sabe esse pé atrás que a gente tem. 

Espero que dessa vez seja diferente.  Quando o projeto chegar ao fim e se estiver dando bons resultados eu volto e dou o braço a torcer, tá? Prometo que faço outro texto elogiando. 

Até a próxima.

 

Imagem de Capa: Vista do Rio Pinheiros com a Marginal Pinheiros ao lado do rio, assim como a ciclovia e a linha de trem. Ao fundo é possível ver a Ponte Estaiada. 

Fonte: Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Disponível aqui. 

Referências Bibliográficas 

Melhoria da qualidade da água de rios urbanos: novos paradigmas a explorar – Bacia hidrográfica do rio Pinheiros em São Paulo . Pereira, M.C.S et al. 

Eng Sanit Ambient | v.26 n.3 | maio/jun 2021 | 577-590. Disponível aqui. 

Despoluição do Rio Tietê em SP já consumiu R$2,1 bilhões em 10 anos, diz TCE. G1 São Paulo. 04/05/2021 por Thiago Scheuer. Disponível aqui.

Por que São Paulo ainda não conseguiu despoluir o rio Tietê? BBC Brasil 04/12/2017 por Letícia Mori. Disponível aqui.

Novo Rio Pinheiros. Governo do estado de São Paulo. Disponível aqui.

Programa Novo Rio Pinheiros: 85% das águas já têm mais oxigênio e menos poluição. Portal Tratamento de Água 25/03/2022. Disponível aqui.