Parafraseando Engenheiros do Hawaii: “crimes perfeitos não deixam suspeitos”. Mas essa máxima está cada vez mais difícil de ser verdadeira.

A ciência forense tem à disposição diversas técnicas para a solução de crimes. Várias delas encontramos nos seriados e filmes policiais: balística, odontologia forense e a análise da arcada dentária, toxicologia forense para a busca de substâncias, dentre várias outras. Mas uma delas tem sido cada vez mais utilizada para a solução de crimes até então insolúveis, assim como também tem sido alvo de debates e polêmicas: a genealogia forense.

A genealogia forense utiliza o resultado do sequenciamento do DNA encontrado no local do crime e compara com bancos de dados de empresas. Um site que tem sido amplamente utilizado pela polícia americana é o GEDmatch, que compara os dados brutos de DNA sequenciados com o de milhares de pessoas que carregam as informações no site em busca de informações sobre ancestrais e possíveis parentes.

Esta técnica foi utilizada pelo FBI para solucionar alguns cold cases. O primeiro, e talvez mais emblemático, foi o caso do Golden State Killer. Joseph James DeAngelo Jr. foi condenado à prisão perpétua após o FBI cruzar o DNA de amostras coletadas em cenas do crime com o banco de dados do GEDmatch.

Após esse primeiro caso, outros foram solucionados utilizando a técnica, como o NorCal Rapist, Borrego Springs, assassinato de Nancy Bennallack, entre vários outros.

De acordo com o site do estado de Washington, mais de 20 casos foram solucionados ou resultarão em prisões e condenações. O Procurador Geral do Estado, Bob Ferguson, destinou aproximadamente 300 mil dólares para o programa em 2022 com o objetivo de resolver crimes violentos, principalmente de motivação sexual.

A técnica, entretanto, auxilia também na identificação de pessoas desaparecidas. O caso mais recente é a identificação do corpo encontrado em Princetown, EUA, e que ficou conhecido como a Senhora das Dunas. Ruth Marie Terry foi identificada após 50 anos graças ao cruzamento de dados do material genético dela com os disponíveis em bancos de dados do tipo.

Mas, apesar da boa intenção na utilização da técnica para a solução de crimes, muito tem se debatido sobre o uso desses dados. As pessoas que aceitaram a política de privacidade de empresas como a GEDmatch e outras do ramo nem sempre foram informadas que seus dados poderiam ser compartilhados com as autoridades e, à época dos primeiros casos, que seriam utilizados para identificação de criminosos.

O debate é até que ponto é legal o uso dessas informações, fornecidas por pessoas com outros objetivos que não a solução de crimes, sem um pedido formal da justiça.

Num primeiro momento, parece uma ótima iniciativa que vai acabar com a angústia de diversas famílias que clamam por justiça ou buscam por entes queridos. Entretanto, as próprias famílias envolvidas nos crimes cometidos por Joseph James DeAngelo Jr. questionaram os métodos da justiça.

Primeiro porque poderia deixar brechas para a defesa do acusado questionar o resultado caso ele não tivesse se declarado culpado.

Segundo, porque alguém aceitou colocar as informações no banco de dados da GEDmatch e acabou implicando na condenação de um parente, que não participou de forma alguma dessa decisão.

E terceiro porque a técnica ainda não permite distinguir entre irmãos gêmeos idênticos. Em 2019, dois irmãos foram presos como suspeitos de estuprar uma garota de 9 anos na década de 1990. A polícia não explicou como chegou ao nome de Kevin Konther, que foi formalmente acusado pelo crime. O irmão foi liberado.

Microrganismos também podem te colocar na cena do crime

Outra técnica potencial para a solução de crimes é a avaliação do microbioma. Este texto do Portal Deviante explicou um pouco sobre o método. O assunto começou a ter espaço nos casos de bioterrorismo em 2001, quando 5 pessoas morreram e outras 17 adoeceram após receberem cartas com Bacillus anthracis, o Antraz.

Um adendo e alerta de spoiler: essa bactéria é a mesma que causa o carbúnculo, doença exemplificada no filme Ataque dos Cães. Pode afetar animais e humanos, como demonstrado no filme. Ela pode causar desde uma doença na pele até graves infecções e levar à morte. A apresentação depende da via de aquisição, se inalatória (como no caso das cartas) ou por contato direto.

Nos casos de bioterrorismo em 2001, cartas contendo pó branco com esporos da bactéria foram enviadas a profissionais da mídia e senadores logo após os ataques de 11 de setembro. Através da análise do genoma do microrganismo encontrado nas cartas, o FBI chegou no pesquisador Bruce Edwards Ivins, único a ter acesso a cepas com material genético idêntico.

Vários pesquisadores já utilizaram a técnica para associar bactérias encontradas em superfícies e pessoas. Um estudo associou corretamente os telefones celulares e seus donos, porém não conseguiu associar as mesmas pessoas com o ambiente através da comparação das bactérias das solas dos sapatos e o chão. Provavelmente, porque a mudança das bactérias na superfície em questão seja muito rápida.

Já em superfícies mais “estáveis”, como o interior do calçado, foi possível associar com o pé do dono. Cinderela seria rapidamente encontrada após perder o sapatinho de cristal, sem precisar testar o calçado em todas as donzelas do reino. :p

A avaliação do microbioma ainda é incipiente e não está claro qual o seu espaço para uso forense, vistas as dificuldades citadas acima. Mas a genealogia já é parte da realidade americana e talvez seja uma questão de tempo até chegar em terras tupiniquins.

E você? O que acha do uso desses dados para a solução de crimes? A pessoa que aceita colocar os dados num banco público deve consentir com a utilização pela polícia, mesmo que isso signifique incriminar um parente, mesmo que distante? Ou a privacidade deve estar acima de tudo, até da possibilidade de punir um criminoso? Deixe sua opinião nos comentários!