No dia 23 de maio passado eu estava a caminho de mais um encontro de astrobiologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Esta universidade fica na cidade de Seropédica, arredores do Rio de Janeiro. A viagem é bem longa e eu fui ouvindo o episódio Moral e Ética (SciCast #319) : buscava inspiração para o tema do encontro. Coube a mim fazer um breve histórico da exploração espacial em que procurei ressaltar as questões éticas, sociais e políticas mais que as questões técnicas. Discuti meio ambiente, direito espacial e esterilização de naves espaciais. Conversamos sobre possibilidades de contaminação e o real valor da missões tripuladas (ver “Dilemas éticos no espaço“).

Contato: o filme

A segunda atividade em que estive envolvido foi um estimulante debate sobre um dos meus filmes preferidos: Contato (Robert Zemeckis, 1997). O filme é baseado no livro homônimo do Carl Sagan de 1985. Ao me munir de informações para o debate me toquei de nunca tinha lido o livro.  Comecei a lê-lo semana passada e espero, em breve, postar uma breve resenha destacando as diferenças com o filme se relevantes.

Na ocasião do evento disse o quanto o filme me toca pessoalmente.  Isto acontece por dois motivos. Primeiro: sou cristão evangélico (isso assusta algumas pessoas e muda até a forma como me tratam). Segundo: minha especialização, durante o bacharelado de astronomia, foi em radioastronomia (apesar de que segui outros rumos logo após a graduação). Logo a discussão Fé-Ciência não me é estranha, nem os radiotelescópios.

Contato: a história

Por outro lado, gostaria de falar sobre o filme sem dar muitos spoilers. Gostaria de verdade que você, que ainda não assistiu, se motivasse a ver. Claro que um filme de mais de vinte anos dispensa alerta de spoilers. Se você é ouvinte do Scicast e leitor do Deviante provavelmente já viu, como eu, este filme mais de uma vez. Eu recomendo muito mesmo.

Trata-se de um filme de ficção científica de alto nível. O plot principal narra a história de uma radioastronoma chamada Ellie Arroway (Jodie Foster). Ellie enfrenta diversos níveis de discriminação por tentar, naqueles anos noventa, estudar cientificamente comunicação com civilizações extraterrestres. Hoje em dia a Busca por Inteligencia Extra-terrestre (Search Extra Terrestrial Inteligence – SETI) goza de um certo charme mas naquela época era considerado suicídio acadêmico.

A Ciência do Filme

Locações em Radiotelescópios de verdade como o de Arecibo e VLA dão um tempero que só um Carl Sagan poria e, provavelmente, só um nerd apreciaria. Ver termos como ascensão reta, harmônicos e a estrela Vega dão um tom muito especial ao filme.

Mais o tema central do filme é a contradição ou contraposição da fé e da razão. Conflitos religiosos e culturais possivelmente resultantes de um contato com uma civilização alienígena. A feira de idéias e interesses que circulariam perigosamente ao redor do evento. Personagens que lidam de formas diversas com o a questão da fé: desde ateus renitentes, agnósticos cautelosos, religiosos de faixada, crentes sinceros e fanáticos religiosos manipulados e manipuladores desfilam como exemplares de uma visão com pretensões a isenção. Há um tom conciliador no filme que lembra um pouco a posição agnóstica moderada de Sagan mais ao fim da sua vida.

Os personagens e seus papéis

Reconheço que Ellie, a personagem principal, tem um histórico que influencia muito sua visão sobre conceitos sobre vida pós-morte, fé, espiritualidade e a figura paterna. Uma sopa que naturalmente esbarra no conceito mais primitivo de Deus. Seu ateísmo é, a principio, quase agressivo. A trama a leva a uma postura mais agnóstica e mais aberta a possibilidade da crença.

Young Ellie: Dad, do you think there’s people on other planets?

Ted Arroway: I don’t know, Sparks. But I guess I’d say if it is just us… seems like an awful waste of space.

Por outro lado, de forma quase antagônica, temos a religiosidade de faixada do seu chefe David Drumlin (interpretado por Tom Skerritt) que vê o mundo de uma forma mais pragmática e cínica. De uma forma oportunista sua declaração de fé é apenas para seu próprio interesse egoísta. A questão da integridade e da sinceridade se colocam claramente.

David Drumlin: I know you must think this is all very unfair. Maybe that’s an understatement. What you don’t know is I agree. I wish the world was a place where fair was the bottom line, where the kind of idealism you showed at the hearing was rewarded, not taken advantage of. Unfortunately, we don’t live in that world.

Ellie Arroway: Funny, I’ve always believed that the world is what we make of it.

O personagem de Matthew McConaughey (Palmer Joss) é um religioso sincero que se envolve romanticamente com Ellie. Sua objetividade (ou subjetividade) por muito momentos serve de contraponto as posições éticas que Ellie defende.

Ainda temos as figuras de dois tipos de fanáticos religiosos: um homem-bomba e um consultor “espiritual”, manipulado e manipulador que vão interferir profundamente na trama.

Política e Ciência

Há também o lado político adoravelmente bem explorado no filme. A mensagem do aliens vem embutida numa imagem de tv. Uma das primeiras imagens de tv transmitidas pela humanidade: a abertura do jogos olímpicos de Munique, Alemanha. A imagem de Adolf Hitler e de uma suástica escandaliza a todos. O governo americano tentando controlar o fluxo de informações dos cientistas.

A cada vez que vejo este filme vejo um aspecto novo. Neste debate alguns colegas destacaram claramente outro aspecto óbvio: o sexismo contra a Ellie.

Uma versão mais moderna do tema foi o recente filme A Chegada.

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