Estava eu desbravando os mares modernos do mundo (vulgo “navegando pela internet”) quando acabei me deparando com um simples desafio: “Você prefere enfrentar 100 cavalos do tamanho de patos ou um pato do tamanho de um cavalo?”. A pergunta é estranha, mas, por incrível que pareça, gera uma boa conversa numa mesa de bar. Entre na brincadeira comigo por um instante. O que você faria? Lance a pergunta para os amigos, incomode seus vizinhos com ela no elevador, ou até mesmo no grupo da família do WhatsApp e veja o que sua vó tem a dizer sobre isso. É interessante como normalmente as respostas começam com “ah, mas é óbvio que…”, só que o óbvio muda de pessoa para pessoa (como muitas outras coisas nessa vida).

O mais legal é que a ciência tem algo a nos dizer sobre a resposta, mas deixa eu começar contando uma outra história (e você pode pensar na sua escolha enquanto isso).

Quadrados e cubos*

*Pssiu! Você pode pegar um atalho para a próxima seção se quiser evitar a parte técnica (e números), não vou te julgar

Quando uma coisa aumenta de tamanho, o volume aumenta mais vezes do que a área. O que eu quero dizer com isso é o seguinte: imagine um cubinho de 1m de lado (tipo um dado gigante). Para saber a área de cada face do cubo é só eu multiplicar lado vezes lado = (lado)². No caso, cada face teria 1m² de área, e se eu quiser pintar todo esse cubo eu vou precisar cobrir 6m² com tinta (já que são 6 lados). Agora, se eu quiser saber o volume do cubo eu tenho que fazer 1 x 1 x 1 (ou 1 ao cubo, para os íntimos), o que vai me dar um volume de 1m³. No dia-a-dia a gente costuma medir volumes em litros, mas um litro nada mais é do que um milésimo de metro cúbico – falando isso de outro jeito, nesse meu cubo de 1m³ cabem 1000 litros!

Imagine que agora eu quero empilhar alguns desses meus cubos de 1m³ para formar um grande cubo de 2m de lado. Quantos cubos eu vou precisar? A imagem a seguir pode dar uma dica:

Se você prestar atenção, vai ver que são necessários oito cubos de tamanho 1 para formar o meu cubo gigante de tamanho 2 – ele tem agora 8m³ de volume! Além disso, cada face agora é formada por quatro quadradinhos – formando 4m² de área em cada face. O meu cubo com o dobro do tamanho tem quatro vezes mais área, mas oito vezes mais volume (você pode pensar que o que acontece é que quando eu junto vários cubos pequenos para formar um maior, só o lado “que fica para fora” desses cubos contribui para a nova área externa, mas todo o cubo contribui para o volume). Se você for acompanhando a imagem, vai ver que, conforme eu pego cubos maiores, o volume continua crescendo cada vez mais do que a área.

Falando em matematiquês, isso é uma consequência do fato de que áreas dependem das dimensões ao quadrado enquanto o volume depende das dimensões ao cubo (tanto que a gente mede áreas e volumes, respectivamente, em m² e m³). O que quer que aconteça com o tamanho de um objeto vai influenciar ao quadrado na área e ao cubo nos volumes: se o objeto fica 10 vezes maior, a área tende a ficar 100 vezes maior enquanto o volume aumenta 1000 vezes!, e assim vai.

Coisas ao cubo e coisas ao quadrado

Se você chegou aqui pegando um atalho na última seção, aqui vai a informação importante: quando uma coisa cresce, o volume aumenta mais vezes do que a área. Isso pode parecer uma informação meio perdida, mas existem várias coisas na vida que dependem disso. A quantidade de calor que um corpo produz, por exemplo, depende do volume deste corpo: pensa que é em todo o seu volume que suas celulazinhas estão distribuídas produzindo energia. Já a quantidade de calor que a gente perde pro ambiente, por exemplo, depende da nossa superfície –  da nossa área em contato com o ambiente.

É por isso, por exemplo, que bebês sentem mais frio do que adultos e elefantes sentem calor. Bebês ainda são pequenos, então eles têm um pequeno volume que produz calor e uma área razoável para perder esse calor pro ambiente. Agora, se você pegar um elefante que é 10 vezes maior que o bebê, embora ele tenha 10² = 100 vezes mais área (mais “pele”, de certa forma) pra trocar calor, ele vai ter 10³ = 1000 vezes mais volume! O volume onde é gerada energia aumenta muito mais do que a área por onde essa energia pode escapar: conforme um animal cresce, vai ter muito mais volume “gerando calor” do que área para perder calor, e o animal vai provavelmente precisar se jogar na água volta e meia para não esquentar demais.


A biomecânica também depende da relação entre quadrados e cubos: a resistência de um osso depende da “grossura” desse osso – a chamada área da seção transversal. Ossos mais grossos são mais resistentes, o que faz todo sentido do mundo. Já a massa do animal depende do volume dele. Se você pegar um animal e fizer ele crescer proporcionalmente (como um pato que foi ampliado 10 vezes), a área dos ossos (por ser uma coisa ao quadrado) ficará 100 vezes maior, enquanto o peso do pato ficará 1000 vezes maior – o peso cresce mais do que a resistência dos ossos, e um pato gigante teria dificuldades em se manter em pé. Mais do que isso, a seção transversal dos músculos (uma área) também não acompanharia o crescimento da massa, e as funções cardio-respiratórias provavelmente ficariam comprometidas.

Do mesmo jeito, se você encolher um cavalo até o tamanho de um pato, fazendo ele encolher umas 10 vezes, seus ossos estariam 100 vezes menos resistentes, mas seu peso estaria cerca de 1000 vezes menor (o que faz sentido se você parar pra pensar que um cavalo adulto pode pesar até 1000kg, enquanto um pato pesa em torno de 1kg). De certa forma, agora “sobra resistência” nesses mini cavalos!


É por isso que, como ilustrado por J. B. S. Haldane, “animais grandes não se parecem com os animais pequenos”. Pegando emprestado o exemplo da wiki sobre o assunto, um elefante não é um rato grande. Os ossos de um elefante devem ser proporcionalmente mais grossos do que seriam os ossos de um “rato grande”, para compensar o peso extra. Da mesma maneira, as criaturas de filmes de ficção, como Godzillas e King Kongs, não poderiam ser reais: a partir de um certo tamanho o próprio peso do animal faria seus ossos colapsarem.

Outra coisa interessante é que a água “ajuda a sustentar o peso” do animal devido ao empuxo (é o que faz você se sentir mais leve quando está boiando em uma piscina), o que faz com que criaturas aquáticas consigam crescer a tamanhos inimagináveis sem precisar da mesma estrutura muscular e esquelética que seria necessária para animais terrestres. Não é a toa que os maiores animais que já existiram são animais aquáticos :)

O que a ciência tem a nos dizer sobre o dilema do início do texto? Se fosse para entrar numa batalha de vida ou morte, escolha sempre enfrentar o pato gigante e deixe que as proporções entre quadrados e cubos derrubem ele por você.


Felipe G. Ben é doutorando em Física Teórica, professor de física do Me Salva!, aspirante a podcaster e não gosta de longas caminhadas ao entardecer nem da tabuada do sete. Está no aguardo do edital de Hogwarts para o cargo de prof. de Defesa Contra as Artes das Trevas.