Texto de Anna Rita Erthal

Todos os dias, nós, animais humanos, enfrentamos situações complexas que nos causam um turbilhão de sensações corporais e psicológicas, sob as quais nós reagimos e, portanto, sentimos. Digamos que você acorde 10 minutos depois do seu despertador. Você se levanta rapidamente, talvez um pouco assustado e frustrado consigo mesmo, e alguns pensamentos surgem, como por exemplo: “Será que eu vou chegar a tempo?” “Se eu me atrasar, o que será que meu chefe vai pensar?”.

Você logo se depara que sua namorada já havia arrumado a mesa do café pra você antes de sair, te economizando o tempo que você precisava, portanto você se acalma, e a oxitocina é liberada no seu corpo te dando uma sensação de tranquilidade.

Você chega no trabalho e descobre que seu chefe estava organizando uma celebração para te promover. Seu corpo enche de alegria, liberando dopamina, serotonina e outros neurotransmissores que equilibram seu humor.

 

A ausência de emoções

Agora imagine que durante esse dia que te trouxe um carrossel de emoções você só não sentisse nada. Você só acordou atrasado pro trabalho, viu que sua namorada adiantou seu lado, comeu rápido e saiu. Chegando lá você recebe uma promoção, e isso é só mais um dia.

No fundo, você entende que deveria estar se sentindo feliz. Você até sente seu corpo mudando conforme as situações. Dependendo do que acontece, você sua mais um pouco, ou então seu coração se acelera. Mas, parece que o seu cérebro não consegue interpretar aquela situação de forma que você sinta as emoções.

 

O que é alexitimia?

A alexitimia é considerada um traço de personalidade que provoca exatamente esse tipo de sensação: uma dificuldade de expressar e reconhecer suas emoções.  Enquanto seu corpo as reconhece, seu cérebro está enfrentando uma tremenda dificuldade de “dar nome aos bois” e entender o que está se passando realmente (“Isso é ansiedade ou alegria?”).

Infelizmente, essa condição não é tão rara quanto parece, e pode ser devastadora pra quem sofre com isso, assim como para os seus familiares. Uma pesquisa feita pelo departamento de psiquiatria norte-americano notou que a prevalência de alexitimia pode ser de até 10% na população, sendo maior o risco em pessoas neurodivergentes (pessoas parte do transtorno do espectro autista ou com déficit de atenção e hiperatividade), em pessoas que sofreram um traumatismo crânio-encefálico grave ou mesmo em pessoas sofrendo de estresse pós-traumático. Do mesmo modo, a alexitimia é associada a vários outros distúrbios, como ansiedade, depressão e transtornos alimentares.

 

A alexitimia no cérebro

O termo “alexitimia” foi criado pelo psiquiatra Peter Sifneos nos anos 70, portanto a literatura dessa condição psicossomática é relativamente recente. As causas desse traço de personalidade ainda são alvo de debate pelos cientistas, mas quando se trata de distúrbios no cérebro, é comum que seja uma combinação de genética com o meio em que a pessoa vive. Existem muitos estudos de neurobiologia recém-publicados que tentam investigar suas causas e eles nos dão alguma luz para tentar entender algo que é ainda tão difícil e tão pouco falado.

De acordo com algumas pesquisas, há várias distinções entre o cérebro de um ser humano neurotípico e alguém com alexitimia. Por exemplo, o córtex cingulado anterior dorsal e a ínsula, duas partes do cérebro que estão envolvidas com estarmos conscientes das nossas emoções, se mostraram menos ativas quando pessoas alexitímicas viam fotos de pessoas demonstrando uma cara de raiva.

Além disso, foi demonstrado que a amídala, uma parte do nosso cérebro responsável pelo nosso processamento emocional e pelo reconhecimento de emoções de valência positiva e negativa, também se mostrou menos ativa quando pessoas alexitímicas viam fotos que provocavam ansiedade e nojo. Entender o que acontece no cérebro dessas pessoas é essencial para começarmos a buscar formas de tratamento para pessoas que têm uma condição grave de alexitimia.

 

Opções de tratamento

Mesmo alexitimia não sendo considerada uma doença pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), essa condição não deixa de ser desagradável. Portanto, há algumas formas de melhorar o quadro. Por exemplo, é recomendado que o indivíduo faça terapia para melhorar a expressão emocional e para o mesmo ser mais consciente das suas emoções. Outras formas de tratamento incluem o mindfulness, uma técnica de atenção plena que vêm sendo muito discutido na área de psicologia e tem mostrado ótimos benefícios como a diminuição da ansiedade, melhora na regulação emocional, entre outros. Terapia em grupo também pode ser benéfico, e é interessante você se sentir acolhido quanto ao que está enfrentando, e entender que você não é o único passando por isso. Há também estudos que demonstram que se engajar em atividades que envolvem o processo criativo podem ajudar a estimular a imaginação, e te ajudar a melhorar o quadro.

 

A alexitimia pode auxiliar os cientistas

O que é interessante de toda essa história é que ela auxilia cientistas a entenderem melhor como os processos emocionais ocorrem no cérebro. Existe um grande debate entre os neurocientistas, quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? No nosso caso, o que veio primeiro: as reações fisiológicas e depois as emoções ou ao contrário?

A teoria de Cannon-Bard afirma que as duas ocorrem ao mesmo tempo. Por exemplo, você está na selva sozinho e vê um leopardo, você sente medo e seu coração se acelera. Já outros pesquisadores, como William James e Carl Lange, acreditam que você vê o leopardo e seu coração se acelera, depois seu cérebro você interpreta como medo.

Esses são só dois exemplos de múltiplas teorias que os neurocientistas encontraram para explicar esse fenômeno que é o processamento de emoções. Qual é a correta? Ninguém sabe ao certo, e provavelmente não só uma delas, afinal, o cérebro é extremamente complexo. Porém, a alexitimia é um ótimo exemplo da teoria do William James. Você pode até ter a sensação fisiológica causada por qualquer estímulo do ambiente, mas seu cérebro é incapaz de interpretá-lo.

O cérebro é de fato incrível e ainda temos um grande caminho para percorrer. Mas toda e qualquer alteração nele, como a alexitimia, nos dá uma chance de investigar e compreender melhor sobre o nosso comportamento e como ele é moldado por processos neurobiológicos e sociais. Uma simples alteração nos nossos genes ou em partes específicas do cérebro podem mudar a forma que sentimos, assim como a nossa personalidade e nossas vontades. E aí, já agradeceu por sentir hoje?

 

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Anna Rita Erthal

Terapeuta ABA, formada em Psicologia e cursando pós em Neurociência. Tem como hobby ler, cuidar de seus dois pets e entender sobre o mundo que a ronda, principalmente quando se trata de comportamento humano.