Antes mesmo do término da apuração dos votos na eleição para presidente dos EUA vários analistas foram taxativos em dizer que, mesmo com a derrota nas urnas, o Trumpismo saía fortalecido. Concordo com as análises, afinal, não se pode desprezar o fato de que Donald Trump teve a segunda maior votação obtida por um candidato à presidência da República em toda a história dos EUA, perdendo, apenas, para o seu próprio adversário, Joe Biden.

Penso que os eventos ocorridos no último dia 06/01 reforçam tal diagnóstico, pois demonstram a capacidade de mobilização que Trump possui, bem como, a verdadeira idolatria que provoca em seus seguidores, sendo capaz de levá-los a cometer atos criminosos contra as instituições políticas e democráticas do país.

Mas, afinal de contas, o que é o Trumpismo? Para responder essa pergunta, peço o auxílio do Professor e Internacionalista Carlos Gustavo Poggio. No prefácio à edição brasileira do livro Revelando Trump de autoria de Marc Fisher e Michael Kranish, Poggio define o trumpismo da seguinte maneira:

“um movimento político difuso que ganhou força a partir de 2008, simbolizado por indivíduos às margens do sistema político estabelecido que ascendem com uma plataforma antiliberal nacionalista, que mistura mercantilismo e populismo com um viés fortemente anti-imigração”.

Capa do livro “Revelando Trump”. 

Neste primeiro momento e a partir da leitura desse trecho, é possível dizer que o Trumpismo é algo que estava em gestação antes mesmo do surgimento de Trump no cenário eleitoral, em 2016, e, de certa maneira, correspondeu a um fenômeno que não se restringiu apenas aos EUA. Como bem observa o professor: “do Reino Unido à França, da Holanda à Áustria, vários países têm produzido sua própria versão de Trump”.

Diante de tal perspectiva, Poggio alerta para a necessidade de se compreender o trumpismo não como um fato isolado, mas vinculado a um cenário multifatorial que ele divide da seguinte maneira: “uma variável econômica, uma variável sociológica e uma tecnológica”. As duas primeiras atuariam quase que conjuntamente e estariam ligadas ao momento de retração do processo de globalização marcado pela crise do subprime, em 2008. Para ele, tal acontecimento deixou evidente as alterações na estrutura de organização da economia das nações desenvolvidas, provocando perdas econômicas em todas as camadas da sociedade, com especial destaque aos menos favorecidos.

O desemprego e a perda de renda, por sua vez, teriam deixado em evidência as transformações demográficas pelas quais os EUA passou ao longo dos últimos 40 anos, principalmente nas cidades mais afastadas dos grandes centros, dado que os fluxos migratórios transformaram as comunidades rurais, causando maior estranhamento, afinal, “nesses locais a absorção de grupos que falam outra língua e têm costumes distintos tende a gerar um sentimento de deslocamento social e de perda de laços identitários nos grupos estabelecidos”.

Por fim, a última variável é aquela que diz respeito às novas tecnologias da informação que possibilitaram que toda essa insegurança social encontrasse respostas e se organizasse em torno de nomes localizados fora da política tradicional. Se em 2008 as redes canalizaram a insatisfação do público para um nome de menor expressão no mainstream político dos EUA, como Barack Obama, em 2016, elas teriam sido capazes de levar os eleitores para as bordas ainda mais extremas da representação política. Assim,

“com o uso ativo das redes sociais, que permitiu que dialogasse diretamente com seus eleitores sem a necessidade dos filtros das instituições estabelecidas, Trump foi capaz de energizar uma base política relevante, articulando de forma efetiva os anseios gerados pelas duas variáveis apontadas acima”.

Estou de acordo com a leitura de Poggio. Pelo que compreendo, o Trumpismo é um fenômeno que reúne uma série de sentimentos, aspirações e angústias, que nascem da leitura de mundo feita por uma parte considerável do eleitorado norte americano que projetou em Trump um símbolo capaz de defendê-los do mundo criado pelos anos de globalização e devolver a eles o ideal do “sonho americano”.

Neste caso, penso que é correta a leitura de que a crise da globalização é uma peça fundamental para entendermos o Trumpismo. Porém, acresceria ainda um último item à leitura do professor, uma vez que, segundo entendo, o ano de 2008 também marcou o fim da hegemonia neoconservadora dentro dos EUA. Ou seja, daquele tipo de conservadorismo que, apesar de fiel ao tradicionalismo moral, era mais aberto às dinâmicas do mercado transnacional. Diferentemente do conservadorismo tradicional, o seu nacionalismo não estava ligado ao território, pois relaciona a ideia de patriotismo à “missão” dos EUA em levar seu estilo de vida ao mundo e não como um fenômeno doméstico.

Cartaz “Make America first again”(Photo by Jeff Swensen/Getty Images)

O neoconservadorismo é uma ideologia gestada ainda na década de 1950 e que se forjou por meio da aproximação de pensadores conservadores às ideias de liberdade e livre-mercado de autores libertários e que se converteria em hegemonia política nos EUA ainda no final da década de 1970, consagrando-se na eleição de Ronald Reagan em 1980. A crise de 2008 colocou em xeque essa ideologia que sobrevivera mesmo nos anos após Reagan, mesmo durante o mandato do Democrata Bill Clinton. Seu fim, causaria uma fragmentação dentro do partido republicano, possibilitando que outras correntes do conservadorismo norte-americano reivindicassem o espaço dentro da legenda. Neste ponto, é preciso que se diga que o lema de campanha de Donald Trump, America First caiu como uma luva junto a um setor mais reacionário do conservadorismo norte-americano, chamado de paleoconservadores. Conforme escreve Dylan Matthews,

“Eles aderem à tríade conservadora normal do nacionalismo, dos mercados livres e do tradicionalismo moral, mas colocam maior peso na perna nacionalista do banco – levando a uma forma mais estridente de política anti-imigratória que muitas vezes se transforma em racismo, uma política externa isolacionista […] e um profundo ceticismo contra a globalização econômica que os coloca em desacordo com um elemento importante da agenda empresarial”.

Assim, ao final do processo eleitoral, entendo que o trumpismo surge como uma força que decreta um fim definitivo à ala neoconservadora do Partido Republicano e, ao mesmo tempo, diante de um cenário desprovido de um grupo político hegemônico, tornar-se-á o único destino possível onde os eleitores “amedrontados” diante do avanço de pautas progressistas no governo de Biden possam depositar sua fé.