Durante a guerra civil norte americana, aproximadamente 200 mil negros se juntaram voluntariamente ao exército do Norte para lutar contra a escravidão do Sul. Naquele momento, os soldados foram organizados em tropas formadas exclusivamente por negros e intituladas de United States Colored Troops.

Ao final da guerra, as tropas foram dissolvidas e a entrada de negros no exército regular entrou em pauta. Por um lado, os soldos e possibilidade de estabilidade e mobilidade social oferecidas pelo exército apareciam como uma boa chance para que ex-escravos dessem início a uma nova vida. Por outro lado, as Forças Armadas precisavam de mais homens para se juntar as suas fileiras. Afinal de contas, o fim da guerra nem de longe representou a chegada de uma época de paz: era preciso implementar a reconstrução do Sul e garantir a expansão para o Oeste.

Justamente por isso, em 1866, o congresso decidiu pela incorporação de afroamericanos às Forças Armadas, mas sem que eles se juntassem aos batalhões já existentes. Lembremos que o fim da escravidão nem de longe representou o fim do racismo e do preconceito no país e, por isso, decidiu-se pela criação de 4 ajuntamentos formados exclusivamente por negros, comandados por oficiais brancos.

Surgiram, assim, o 9º e o 10º regimentos da cavalaria e dois batalhões da infantaria. Suas principais tarefas eram: ajudar a controlar os nativos americanos das planícies, conduzindo-os de suas terras originais às reservas indígenas; capturar ladrões de gado; e proteger colonos, diligências, trens, vagões e equipes de construções de ferrovias. Ou seja, basicamente, a função desses novos regimentos era o de proteger as propriedades dos colonos, fazendo guerra contra os indígenas.

Ao nono batalhão, treinado em New Orleans e destacado para o Texas, coube o objetivo de proteger a rota comercial que ligava a cidade de San Antonio a El Paso. Já a décima cavalaria foi estabelecida no Kansas para proteger as obras de construção da Pacifc Railroad. Neste período, o grupo que estava no Texas envolveu-se em confrontos contra os povos indígenas, como no caso da famosa Guerra do Rio Vermelho contra os Kiowas, os Comanches, os Cheyenne e os Arapahoe, que durou mais de três meses, entre 1874 e 1875.

E este não foi um caso esporádico. No conflito entre o exército e os indígenas, naquilo que ficou conhecido como Indian Wars e que duraria até 1890, cerca de 20 por cento do contingente utilizado eram formados por soldados negros, que participaram de pelo menos 177 conflitos. E foi justamente desses confrontos que surgiu o nome de Buffalo Soldiers. Afinal de contas, este nunca foi o nome oficial daqueles regimentos.

Trata-se de um apelido dado pelos indígenas aos soldados afro-americanos. Alguns dizem que era uma referência ao porte físico e ao cabelo crespo como pelo dos búfalos, outros afirmam que era uma analogia à virilidade e resiliência dos adversários no combate.

De qualquer maneira, dada a reverência que os indígenas tinham para com os búfalos, essa denominação foi, sem dúvida alguma, elogiosa. Talvez por isso mesmo, os próprios regimentos das duas cavalarias passaram a incorporar o apelido aos seus batalhões e, posteriormente, todos os soldados negros passariam a ser assim denominados.

O fato de batalhões negros terem sido usados para o confronto contra indígenas é um dos traços polêmicos da história dos Soldados Búfalos. Alguns apontam uma contradição pelo fato de uma minoria ter sido responsável pela subjugação de outra minoria étnica. Porém, é possível levantar a hipótese do uso de negros contra indígenas como parte de uma política eugenista do estado naquela época, algo empregado em outras partes do mundo.

De qualquer maneira, o fato é que, depois de 1890, com o fim das guerras indígenas, os dois regimentos da cavalaria se juntaram aos batalhões da infantaria em direção à Flórida. Lá, participariam da guerra Hispano Americana contra a Espanha, em 1898, que redundou na independência de Cuba. Esse foi apenas um dos vários momentos em que os Soldados Búfalos participaram de conflitos internacionais.

O fato é que os Soldados Búfalos existiram regularmente até 1948, quando o presidente Harry Truman emitiu a Ordem Executiva 9981, eliminando a segregação racial nas forças armadas da América.  As últimas unidades totalmente negras foram dissolvidas durante os anos 1950.

Agora, algo muito interessante dessa história é a homenagem que Bob Marley fez a esses homens em sua canção que leva o nome dos Buffalo Soldiers. O que chama a atenção é o fato de Marley ser um jamaicano e não um norte americano, afinal de contas, a história dos batalhões negros está ligada aos EUA.

Porém, como eu já escrevi neste site em outras oportunidades, e, como diz Paul Gilroy em seu ótimo livro, o Atlântico Negro, a identidade negra é construída para além dos limites nacionais, por meio da circulação das referências e da história dos africanos espalhados pela diáspora.

Assim, o exemplo de força dos irmãos da América do Norte poderia ser tido como instrumento para fortalecer sua própria luta contra o racismo e expressa em sua música. Afinal, como os Soldados Búfalos, a sua história se conectava ao dos homens e mulheres “roubados da África para lutar, na América”, na Jamaica ou no Brasil.

Gravei este texto em um vídeo para o meu canal no Youtube. Caso queiram conferir, é só acessar:

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Referências:
Buffalo Soldiers https://www.history.com/topics/westwa… History of Buffalo Soldiers https://www.youtube.com/watch?v=WbcxZ… Buffalo Soldiers: The African Americans Who Won the West | Told by Kevin Frazier | History at Home https://www.youtube.com/watch?v=KQOTT… GILROY, Paul. (2001) O Atlantico Negro. Modernidade e dupla consciência, São Paulo, Rio de Janeiro, 34/Universidade Candido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos.