Acordou em uma cama macia, a vitalidade tinha retornado, não sabia quanto tempo tinha ficado assim. Sentia um ótimo cheiro de comida, era um café bem familiar que vinha de uma mesa ao lado da cama. O sol entrava iluminando o quarto, o local estava arejado, era manhã, uma bela manhã com um sol ainda tímido. Então sentiu um aroma inesquecível nos lençóis e no quarto onde estava, era perfume único de tempos maravilhosos, uma doce lembrança. Quando a porta abriu, o seu coração bateu um pouco mais rápido, pois imaginava quem apareceria e acertou.

– Ora, ora! Quem resolveu acordar! Um dia inteiro nessa folga… Como está se sentindo? – perguntou a moça.

A jovem e bela mulher de pele morena e olhos lindos, com os cabelos encaracolados que desciam e descansavam sobre seus ombros, levava um lenço sobre a cabeça. A moça usava joias e o ouro, era uma característica marcante do povo cigano. Os olhos verdes escuros analisaram por alguns segundos o homem deitado naquela cama que há muito tempo saiu da sua vida, tempo suficiente para ter uma ideia sobre sua condição. Tempo suficiente para ele não notar.

– Bem, estou muito bem – respondeu se sentindo envergonhado.

– Pois coma alguma coisa para recuperar suas forças, não pode continuar assim, seu sócio deve vir ainda pela manhã – dizia ela enquanto sentava em uma das cadeiras.

Quando Daniel levantou, tocou com os pés numa cesta que estava quase em baixo da cama, a cesta tinha seus cabelos, então lembrou da maldição e a magia do momento começou a desaparecer.

– Você está tão bela quanto a última vez que te vi – falou o mago com um sorriso meio forçado no rosto.

– Você diz o dia que te dei o meu presente de despedida? O dia que você me largou? – disse a moça, mas as palavras não refletiram a verdade, pois quase não conseguiu esconder o seu sorriso. – Então você sai da minha vida e quando te revejo, está branco feito a morte – continuou dizendo com tom afetivo.

Daniel parecia ignorar o que a moça falava, estava ansioso para descobrir se a comida sobre a mesa fora preparada por ela, pois Esmeralda sempre foi muito talentosa. Ele optou pelo pão mais saboroso, uma pequena fumaça saia do alimento mostrando que ainda estaria um pouco quente. Ele experimentou o pão com um pouco de manteiga, depois tomou um gole do café.

– A sua comida é excelente, percebi na primeira mordida, tudo ainda é do mesmo jeito – elogiou o rapaz.

– Sim é… Fiquei bem preocupa contigo, sabia? – disse Esmeralda não segurando as lágrimas que escorriam do seu rosto.

Ela abraçou Daniel que retribuiu o abraço carinhosamente, a saudade era grande e as palavras sumiram da boca dele, assim um longo beijo eles trocam.  Daniel ainda não estava restabelecido e por muito tempo ainda conversaram naquela linda manhã naquele quarto.

Durante a tarde, Daniel decidira descer para ver a cidade mesmo não estando tão bem. Discutira com a moça por causa da maldição, ela insistia que aquilo não era uma punição, era um aviso. “Vocês homens são muito lentos, não entendem nada”, disse ela antes de sair irritada do quarto no começo da tarde.

– Estou muito contente para ficar com raiva dela e fraco também – disse para si.

Belo Jardim era uma cidade magnífica localizada no meio de um planalto, os arredores são embelezados com flores lindas de várias regiões que foram trazidas por um antigo artista, as ruas, arborizadas e belos chafarizes, obrigatórios em cada praça. As mansões também caprichavam em seus jardins. Os cidadãos ajudavam e dificilmente sujavam as ruas, mas a parte baixa da cidade era relaxada e pouco cuidada pelas autoridades, as construções precisavam de algumas pinturas e as ruas também, mesmo assim era muito simples e bonito. Andando um pouco mais era possível ver umas moradias improvisadas de madeiras e muita gente na rua procurando algum trabalho, eram os refugiados.

As pessoas comentavam que muitos tinham abandonado uma cidade próxima para se alojarem aqui de qualquer forma, mas não há trabalho para todos, nem moradia. Havia muita discussão e brigas nessa região, guardas corriam de um lado para o outro.

– Onde está aquele anão? – perguntava a si.

Daniel desistiu de sua busca, assim retornou para a hospedagem onde estava, porém, no caminho, viu uma confusão acontecendo, um grupo de mulheres protestava contra algo. Daniel foi se aproximando, era um protesto de umas vinte mulheres em frente a uma grande casa, gritavam que não aceitariam mais trabalhar daquela forma, um senhor estava na frente com uns três capangas.

– Dê uma lição à moça mais agitada – falou o senhor apontando.

Um dos capangas foi em direção as mulheres, deu um tapa na moça que insistia em gritar, depois agarrou a mulher e jogou-a no chão. As outras mulheres tentaram avançar, mas os brutos ameaçaram sacar suas espadas, assim elas recuaram.

– Elas vão ganhar um bom castigo, pegue isso aqui – disse o senhor entregando um chicote ao primeiro capanga.

A careca do homem suava, pegou o objeto com um sorriso no canto da boca. A moça estava com o lábio machucado e um pouco de sangue escorria. Ainda assim não parava de lançar injúrias aos dois, o restante implorava para que o castigo não acontecesse. Daniel já estava quase em frente aos acontecimentos, pois abrira caminho entre as pessoas que só observavam e nada faziam.

– Veremos se sua língua continua afiada com algumas chicotadas – falava isso enquanto deixava o chicote livre.

O capanga bateu com o chicote no chão, o estralo fez toda a coragem da mulher se esvair. Olhava fixamente para o instrumento imaginando o que estava prestes a acontecer. As lágrimas escorreram dos seus olhos, isso fez o capanga abrir um grande sorriso. Quando começou a balança o objeto para aplicar o primeiro golpe, não imaginava que um homem atarracado vinha em sua direção, Alerin vinha em fúria com o rosto vermelho!