Deu na Science: em uma carta enviada para a prestigiada revista científica há algumas semanas, Alexandre Antonelli (Gothemburg University) e Allison Perrigo (Harvard University) discutem alguns dos problemas que podem ser enfrentados por cientistas quando dão entrevista para os meios tradicionais de comunicação (jornais, televisão et caterva). Os autores citam um exemplo que aconteceu no ano passado e causou alguma comoção na comunidade científica. Além disso, sugerem estratégias para evitar que certas situações não desejáveis ocorram quando cientistas forem tentar conversar com um público via artigos que não aqueles indexados em revistas especializadas.

Em poucas linhas, os autores foram cirúrgicos ao apontarem o principal defeito da divulgação científica em meios midiáticos comuns: não há revisão por pares sobre as informações divulgadas. Pior, quem decide o que colocar, o que cortar e de que forma fazer isso não é o autor das informações, mas o editor do veículo. E aí, sabemos todos, que em nossa era atual, em que informações e distrações abundam, a maioria das mensagens deve pegar o leitor já no título para ser pelo menos clicado (alguém falou em click bait?). Para isso, quanto mais polêmico e sensacionalista for a chamada, melhor.

O caso que eles citam aconteceu em novembro de 2017 e envolveu R. Alexander Pyron, que é professor assistente de Biologia na George Washington University, e o Washington Post, um tradicional jornal dos Estados Unidos (também chamado de “Fake News” por um certo senhor). Doctor Pyron escreveu um ensaio cujo título no jornal, em tradução livre ficou: “Não precisamos salvar espécies ameaçadas: extinções são parte da evolução”. Ou seja, dando a entender que tudo bem degradar o meio ambiente, poluir e desmatar, porque não interessa o que façamos, tudo um dia vai mesmo se extinguir.

Não é preciso dizer que a publicação ganhou muitos dislikes e mereceu uma resposta organizada por uma turma representando mais de 3 mil cientistas de 88 países (incluindo Nobelistas). O jornal publicou a resposta e Pyron, o autor do artigo polêmico, colocou como postagem inicial na página do seu laboratório uma justificativa, dizendo que falhou em ser efetivo no que gostaria de dizer, foi mal interpretado e que seu artigo foi editado (ou como dizem os antigos, copidescado) e muitas de suas argumentações foram distorcidas.

Eu li o artigo no Washington Post e me pareceu que algumas coisas estão um pouco fora do lugar, mesmo. As informações estão ali e, de fato, eu concordo com muitas delas do ponto de vista pragmático, ecoando algumas correntes do pensamento ecológico moderno. Por exemplo, uma das grandes discussões hoje recai sobre o fato de que preservar a natureza tem mais a ver  com preservar nossa própria espécie do que com preservar a natureza em si, já que esta irá se recuperar como sempre fez (vejam o que aconteceu no final do Permiano!).

Isso é uma corrente de pensamento lógica e, como eu disse, muito prática e nada romântica. Por isso mesmo, super polêmica. Da maneira como as coisas foram colocadas e editadas no artigo, realmente a informação ficou um pouco escrota, para usar um termo preciso apesar de chulo. E aí, vocês já sabem, né?, em tempos em que a polarização política tem afetado em cheio a ciência, qualquer coisa meio nebulosa é suficiente para incitar uma disputa entre Democratas vs. Republicanos nos USA (o Little Chicken Thighs vs. Bologna Ham deles).

Desta forma, os autores da carta para a Science sugerem algumas estratégias profiláticas contra a desinformação: uma delas é pedir conselhos a alguém mais experiente sobre como pessoas mal informadas (e/ou mal intencionadas) podem distorcer algum fato não muito claro para o grande público. Outra é sugerir os títulos das matérias para o veículo de imprensa. Outra ainda é o autor original exigir ler o texto final e só permitir a publicação se aprovado por este. O importante, enfatizam os autores na Science, é que os cientistas não se furtem de falar com a imprensa, pois a divulgação correta dos avanços científicos é um serviço de utilidade pública, mas que estejam alertas de que pode acontecer de entornar o caldo, uma vez que a palavra final sobre o que será publicado é de um leigo no assunto, com interesses diversos daqueles dos cientistas.

Como mensagem final minha, peço que leiam, divulguem e compartilhem o que aparece aqui no Deviante. Só trabalhamos com informação científica de garbo, elegância e qualidade (y la garantía soy yo!)

Sobre este assunto:

A evolução da revisão por pares de artigos científicos

Vivemos um momento de descredibilidade dos cientistas no Brasil?