Este é um conteúdo em formato podcast, mas, se preferir, pode acompanhá-lo com o texto e imagens a seguir.

Para ver todas as imagens deste episódio, entre nesta galeria.

Capítulo 1 – O Novo Motor

O ano de 1956 foi chamado de Ano Santos Dumont, pois marcava o cinquentenário do voo do 14 bis. Com o sucesso em popularidade do Programa Gaviões e da nossa Rainha do Ar Ada Rogato, Juscelino queria trazer mais atenção ainda para os super-aviões como forma de celebrar o Ano Santos Dumont. Lacerda achava uma temeridade, pois um projeto experimental desse tinha uma chance considerável de gerar acidentes, mas foi voto vencido. O povo queria muito acompanhar sua aviadora preferida, ainda mais nesse ano tão simbólico para a aviação brasileira. Tava ficando comum jornalistas espiando com suas câmeras fotográficas pelas cercas da Base de Alcântara, tentando capturar uma foto de capa ou algum furo de reportagem.

Apesar disso, era maio e ainda não tinha ocorrido nenhum voo. Ada estava muito impaciente:

— Eu achei que tinha sido contratada como piloto de teste, não como turista.

— Tô contigo nessa, Ada. Já faz 4 meses que eu saí do hospital e não aguento mais ficar no chão, a gente não nasceu pra isso.

— Não é possível que esse motor não fica pronto nunca. Assim os gringos vão passar na nossa frente.

Richard havia recebido uma ligação de um colega de dentro do National Advisory Committee for Aeronautics, o órgão que se tornaria a NASA em alguns anos, dizendo que um avião-foguete com asas viradas para frente e canards na parte dianteira estava em construção. Sim, os americanos estavam claramente copiando o desenho de Richard. Não aceitariam ficar para trás no recorde de velocidade e altura.

Só que o Apoena ainda estava sendo remontado, com melhorias na cabine e na fuselagem. Os dados coletados a partir do “Salto da Fé”, que foi o apelido que deram para o voo histórico de Ada, já estavam rendendo frutos.

Mas e o outro avião, o Goitacá? Você deve estar se perguntando. Richard decidiu fazer uma melhoria nos motores do jato: instalar um pós-queimador. O pós-queimador, ou afterburner em inglês, era um conceito que já estava sendo experimentado desde a segunda guerra e vinha sendo incorporado aos poucos nos novos motores turbojatos.

A ideia é a seguinte. Lembra que eu falei que um motor a jato nada mais é que uma caixa com um ventilador socando ar na parte da frente e, depois da queima da gasolina, sai um jato de ar quente muito rápido pela parte de trás? Acontece que, durante a queima da gasolina, não dá para usar o máximo de combustível possível, ou a temperatura seria tão alta que derreteria o próprio motor. Isso quer dizer que, na saída de ar do motor, ainda existe muito oxigênio disponível que não foi queimado. Alguém um dia pensou “E se a gente jogasse mais gasolina na saída do motor e queimasse esse oxigênio que tá dando sopa?”. E assim nasceu o pós-queimador, que é exatamente isso, uma segunda queima após a primeira queima.

A vantagem do pós-queimador é adicionar ainda mais força no motor, pois os gases saem com ainda mais velocidade. A desvantagem é que se gasta muita gasolina no processo e esquenta muito. Então o pós-queimador pode ser acionado apenas em certos momentos do voo, normalmente para decolar e, numa batalha aérea, para conseguir fazer manobras mais arrojadas e ter alguma vantagem sobre o inimigo. No caso do Goitacá, a ideia era conseguir fazer o avião voar mais rápido e chegar em Mach 2, ou duas vezes a velocidade do som.

Capítulo 2 – Ivo Lopes

Finalmente, no dia 18 de maio de 1956, o S-2 Goitacá estava na pista, com seus motores Avon 107 com pós-queimadores, pronto para o teste. Ada faria a estreia, pois ela já tinha voado aquele jato antes, mas Ivo estava desesperado:

— Por favor comandante, eu fiquei 4 meses no hospital sem voar e agora mais 5 meses esperando o avião ficar pronto. Me deixa assumir?

— Não acho uma boa, major. Com o pós-queimador, o S-2 pode tá mais arisco. A Ada já tá acostumada.

— Mas eu já piloto jato faz tempo, tenho dois anos com o Meteoro.

— Hum, Ada, o Ivo tem um ponto, mas você que decide. Desde que ninguém se arrebente, tanto faz pra mim.

— Aahh, poxa, eu também tô esperando tanto por esse momento…

— Imagina então meu caso, minha querida. 10 meses sem entrar num cockpit. E o próximo voo é com o Apoena, daí vai você.

— Tá bom, Ivo. É, acho que fiz amizade com o Apoena. Cuida do Goitacá então. Vai filhão!

Ivo emibarca no S-2 e na decolagem já deu tudo errado. O pós-queimador  funcionando a toda potência aumentou muito a pressão sobre o trem de pouso. No momento que o jato empinou para sair do chão, a pressão nas rodinhas de trás foi tão grande que  explodiu os pneus. O Goitacá conseguiu ganhar voo, mas os problemas estavam só começando. 

 Ivo, Ivo, o que houve? Que barulho foi esse?

— Alcântara, temos um problema. Parece que o sistema hidráulico do trem de pouso traseiro parou de funcionar, não tá subindo.

— Aqui da torre dá pra ver, os pneus explodiram. A explosão deve ter arrebentado alguma mangueira. Veja se vai no manual.

— Aaahh, aaaaah… sem chance, tá emperrado.

— Deixa eu ver aqui como a gente segue.

— Ivo, Lacerda aqui. Aborta a missão, aborta, aborta! Você vai ter que ejetar. Não tem como pousar com essas ferragens saindo por baixo do Goitacá.

— Mas senhor, se eu ejetar a gente perde o avião.

— Eu sei, mas não tem o que fazer. Não dá nem para pousar de barriga na água.

— Hum, major… Então deixa eu cumprir a missão primeiro. Já que a gente vai perder o jato, pelo menos vamos tirar algo de valor disso.

— Jayme aqui. Ivo, acho que não dá para você chegar em Mach 2 desse jeito, o arrasto extra vai atrapalhar o regime supersônico.

— Ora, se não der tudo bem, é só eu ejetar. Deixa eu tentar pelo menos.

— Tá, Ivo, mas vai com calma, não vai se colocar em risco.

— Pode deixar, comandante!

Aplicando potência no motor, Ivo leva o Goitacá até 18km de altura, quando liga os pós-queimadores no máximo. E não é que esse pós-queimador era bom mesmo? Mesmo com duas varetas se arrastando no vento, o Goitacá alcança Mach 2, mas não parece nada estável: ele treme e balança absurdamente. Ivo precisa segurar os controles com toda força para manter o jato minimamente alinhado, e agora começam a contar os 5 minutos, que é o tempo mínimo para os corpos de prova na fuselagem do avião coletarem os dados de pressão aerodinâmica.

A cada 2 segundos em média o avião balança de um jeito forte que obriga Ivo a fazer o movimento contrário no manche, para impedir que ele saia do controle, o que, nesta velocidade, significa uma ruptura da fuselagem tão rápida que seria morte certa. Esses serão os 5 minutos mais longos de sua vida.

— Ahh, aaaaaa, vamooo, vaaaaa mo!

O suor escorre como uma cachoeira. A cada solavanco, Ivo pisa em um dos pedais e inclina o manche. Nem mesmo terminou de corrigir o movimento, já precisa reagir ao próximo, e ao próximo. O barulho na cabine é ensurdecedor.

— Alcântara para Ivo, copia? Ivo?

Ivo mal escuta. Sua atenção nos controles só é compartilhada com o velocímetro e o cronômetro. Após 2 minutos Ivo começa a sentir dores nos ombros. Mais um minuto e ele passa a sentir cãibras no pescoço.

— Aaaah, aaaaah!

Fazendo um esforço prodigioso, Ivo mal acreditou quando o cronômetro atingiu os 5 minutos. Reduzindo o motor, o Goitacá baixa do regime supersônico e volta a ficar estável, agora ele podia falar no rádio:

— Alcântara, missão cumprida, preparando para o pouso.

— Ivo. Que pouso?! Tá maluco? Você tem que ejetar.

— Comandante, eu pensei aqui, se eu ejetar, todos esses dados serão perdidos, além do avião. Eu já pousei avião pior que esse, deixa eu tentar.

— Não Ivo, sem chance. Não dá para arriscar, sua vida é mais importante que tudo isso.

— Comandante, eu consigo, confia em mim.

— Não, Ivo, você tem que ejetar… Ivo?… Ivo? Puta merda… só tenho piloto kamikaze nessa base, não é possível! Jayme, prepara o pouso de emergência.

A equipe dos bombeiros jogava água na pista, para diminuir o atrito, quando o Goitacá aponta no horizonte. Ivo já havia esvaziado todo o combustível, para deixar o jato mais leve e evitar um incêndio. Ele, agora, aciona os flaps no máximo, para aumentar o arrasto e reduzir a velocidade. O avião vem com o nariz para cima, planando, sangrando o excesso de velocidade até quase entrar em estol. Nesse momento, as ferragens do trem de pouso tocam na pista, lançando faíscas compulsivamente e forçando o bico para baixo, o que faz a rodinha da frente, a única funcional, se apoiar sobre o asfalto. O Goitacá vai deslizando, rabeando, escapando de traseira. Ivo aperta os pedais, tentando conter o movimento errático do avião. É tudo muito rápido, muito difícil, mas, incrivelmente, ele tá segurando, de algum jeito parece que vai dar certo. A  velocidade vai diminuindo enquanto o avião gira em torno de si mesmo como um patinador no gelo fazendo rodopios. Todos os observadores estão congelados, cerrando os punhos ou roendo as unhas. O problema é que, nessa dança maluca, a aeronave vai se aproximando perigosamente da borda da pista. De repente, a roda da frente passa por cima de uma lâmpada de sinaliza ção, o que lança o bico para cima e faz a nave girar, indo parar de barriga para cima sobre a grama. Pelo menos, dessa vez, o avião está com todas as asas no lugar e o piloto com todas as costelas intactas.

— Alcântara, major Ivo comunicando… pouso finalizado!

Enfim, o êxtase. Todos rompem em emoção, se abraçando, comemorando, enquanto os jornalistas metralham seus cliques por entre as telas do alambrado.

Ivo é considerado herói. Uma cerimônia foi realizada na base para lhe entregar a “Medalha do Mérito Aeronáutico no Grau Cavaleiro”. Se Ada era a Rainha do Ar, Ivo Lopes entrava no rol da realeza como o Cavaleiro Alado.

— Bonita medalha Ivo, parabéns!

— Brigado, querida, acho que consegui me redimir finalmente do fiasco anterior.

— Mas parece que continua insistindo em pousar de cabeça pra baixo, hehe.

— É verdade, hehe.

— Quem sabe eu tento isso no meu próximo voo, vai que ganho uma medalha também.

Capítulo 3 – A Manobra

Duas semanas depois, Ada embarca num Apoena totalmente reconstruído e atualizado. O objetivo era cruzar os 50km. Foi um esforço enorme para ela cortar os motores, várias vezes passou pela sua cabeça continuar subindo, mas, ela conseguiu se controlar e chegou até os 54km, para felicidade do Lacerda. O pouso foi suave e dessa vez ela nem precisou cantar. Parecia que tinha desvendado o Apoena.

Na sequência foi o Ivo, pilotando o Goitacá: outro voo para Mach 2 por 5 minutos, sem maiores contratempos. A pesquisa para entender a aerodinâmica nessa faixa de velocidade estava só no começo, seria preciso uns 40 minutos no total para os cientistas coletarem todos os dados necessários. O problema é que o Goitacá, mesmo tendo 20 minutos de combustível, só conseguia 5 minutos de Mach 2 por voo. E o motivo era o seguinte, visualiza esse trajeto:

O Goitacá decola e segue em frente, subindo o mais rápido possível até a altura de 18km. Com os pós-queimadores no máximo, ele acelera até cruzar a barreira do som. Nesse momento o avião já tá muito longe da pista. Se continuar em linha reta, não vai ter combustível para voltar. Então o piloto faz uma curva de 180, perdendo velocidade no processo, e só então, pode retomar a potência máxima até chegar no Mach 2. Após os 5 minutos, o Goitacá não apenas já voltou todo o caminho como já ultrapassou a base (esse é o problema de voar em Mach 2… em 5 minutos você avançou 200km). E  agora, o avião já precisa dar meia volta e retornar, ou não vai ter combustível para pousar depois. Ada tava incomodada com esse perfil de voo. Dos 20 minutos só dava para aproveitar 5. Será que não tinha outro jeito? Bom, ela tinha uma ideia.

Perfil de voo padrão do Goitacá para ter 5 minutos de Mach 2.

Duas semanas depois, Ada decolava de Alcântara a bordo do Goitacá, mas, em vez de seguir em linha reta como indicado pelo perfil de voo, ela iniciou uma curva suave para a esquerda.

— Ada, deu algum problema no avião? To vendo que você tá desviando da rota.

— Alcântara, tá tudo bem. Vou tentar uma outra manobra.

— Hum, Ada, acho que o Lacerda não vai ficar muito contente com isso.

Tudo que o Lacerda queria eram dois pilotos disciplinados. Ao invés disso, tinha os melhores pilotos que jamais imaginou ter, só que eles faziam o que queriam. Por que ele não chamou o tenente Pontes? Aquele era um puxa-saco de primeira, nunca sairia da linha.

Mantendo a curva para a esquerda, Ada ligou os pós-queimadores e foi acelerando o avião, enquanto controlava o leme e os ailerons para sustentar a inclinação ideal.

 

Em 2 minutos, o jato chegou em Mach 2, mas dessa vez ele estava fazendo um círculo enorme.

— Vamo, Goitacá, um pouco mais fechado… isso… parece bom. Se tudo der certo, a gente vai voltar para a base no final dessa curva.

Era uma manobra muito inteligente. Se ela conseguisse manter o Goitacá em Mach 2 durante toda essa curva, teria 15 minutos de dados coletados em vez de apenas 5 min.

Manobra proposta pela Ada, para dar 15min de Mach 2 ao Goitacá.

Claro que ela conseguiu. Ao pousar, todos aplaudiam sua ousadia, menos Lacerda, que a chamou para a sala dele.

— Ada, isso tem que parar, você e o Ivo não podem mais continuar a desrespeitar as regras.

— Comandante, eu sinceramente não entendo. Acabei de criar uma manobra que vai acelerar a pesquisa em 3 vezes, e tudo que o senhor tem a dizer é que eu tô errada? Outro dia bati o recorde mundial e saí com uma advertência.

— Você é uma piloto excelente, mas não é assim que as coisas funcionam num programa. Não dá para sair improvisando, Ada! Eu vou ter que fazer algo drástico, mas não tenho escolha. Você vai ficar sem voar até o final do ano.

— O quê… não… Lacerda… o que você tá… não, não faz isso. Por favor, não.

— Eu tava evitando chegar nesse ponto, mas sinto que é o único jeito. Você vai continuar no programa, é só uma pausa para esfriar a cabeça.

— Não… eu… eu VOU voar!

— Não, não vai, Ada. Melhor parar de discutir ou isso pode ficar pior.

— Ai, como eu pude ser tão burra. Claro que a corda ia estourar do lado da mulher.

— Do que você tá falando? Isso não tem nada a ver com o fato de você ser mulher.

— Aé?! Então agora é você que vai escutar Lacerda. Quando eu fiz o voo de 70km com o Apoena eu tava seguindo exatamente as ordens. O perfil dizia: passar dos 40km, e foi o que eu fiz, não tinha teto nenhum. Faltou bom senso? Faltou. Eu podia ter morrido? podia. Mas não morri, e, no final, além de bater dois recordes mundiais, consegui um feito pro avanço do programa. Só que quando o Ivo tava voando e o senhor mandou ele ejetar, ele se negou. Não foi falta de bom senso, ele claramente desobedeceu uma ordem expressa sua. Mas, no final, ele ganhou uma medalha por isso! É Lacerda, então acho que tenho bons motivos para achar que o problema é mais o que falta no meio das minhas pernas do que outra coisa.

— SAI DAQUI AGORA!

— Pode apostar que vou!

Lacerda ficou vermelho de raiva. “Quem ela pensa que é pra falar comigo desse jeito?”

Ada saiu correndo, com os olhos cheios d’água.

— Ada… Ada? Você tá… bem?

 

Mais tarde, Zé vai até o quarto dela.

— Boa tarde, Ada…

Ela estava fazendo as malas.

— Acabou pra mim, Zé. Coloquei o dedo na cara do Lacerda.

— Eita… é…  mas… você tá bem? Quer falar sobre isso?

— Não, não tô bem… e não tem o que falar. Ele me cortou depois da minha manobra.

— Nossa, mas… por que ele faria isso?

— Porque eu sou um babaca!

— Major?… éeeee com licença.

— Ada… escuta… você tem razão. Eu fui um covarde. Eu devia ter punido o Ivo quando ele desrespeitou minha ordem. Acabei caindo no discurso do ministro e da imprensa. Eu não queria dar aquela medalha, e agora vejo como essas pequenas decisões fazem toda diferença… Depois, quando você saiu do perfil de voo, comecei a perceber que eu tava perdendo completamente a mão. E sim, eu fui covarde novamente por descontar tudo em você. Ada, você é a melhor piloto que já vi na minha vida, por favor… não vá embora. Me desculpe por tudo. O que eu mais quero é ver você voando.

Ada larga as roupas e olha para ele longamente. Então… lhe dá um abraço.

Capítulo 4 – Mayday

Passado esse alvoroço, as coisas vão voltando ao normal no Centro de Alcântara. Ivo faz um novo voo com o Goitacá, seguindo a manobra da Ada, o que é o suficiente para coletar os 15 minutos de Mach 2 que faltavam. O avião começa a ser preparado para a nova etapa.

Em outubro, os soviéticos lançaram o primeiro foguete da sua plataforma exclusiva em Alcântara. Era um foguete mediano chamado R-1, um pouco menor que o Laurare e, até onde puderam perceber, fez um voo com sucesso. Os brasileiros não tinham acesso aos detalhes da missão, mas provavelmente foi um voo de teste para avaliar a capacidade deles de montar um foguete por aqui, testar todos os equipamentos da torre de lançamento, telemetria etc.

Começou a ser comum os pilotos e engenheiros brasileiros almoçarem com os russos no refeitório principal da base, enquanto ensaiavam uma comunicação por sinal ou às vezes em francês. Naquela época, a língua oficial para comunicação internacional era o Francês, que era aprendido nas escolas brasileiras, além do latim. Com o tempo, porém, os soviéticos foram aprendendo português e, os brasileiros da base começaram a arranhar umas palavras em russo. Muitos se aproximavam de Ada pedindo autógrafo, e ela se divertia com a companhia dos estrangeiros.

A vila de Alcântara foi crescendo rápido, para abarcar todos os russos e ucranianos que migraram para cá. Já estava ficando até comum os restaurantes apresentarem cardápios bilíngues.

Em setembro, o projeto do foguete orbital brasileiro ficou pronto. Praticamente todos os 102 engenheiros que trabalhavam na base nessa época foram alocados para a construção desse foguetão gigante de 22m de altura e 52 toneladas.

Em outubro, Ada fez mais um voo com o Apoena. Parecia que a equipe do Zé tinha feito um ótimo serviço, pois o salto de 65km ocorreu sem nenhum problema, muito mais suave que aquele de 69km meses atrás.

Em novembro foi a vez de Ivo pegar o Goitacá para atingir a incrível marca de 2.500km/h. Os motores aqueceram bastante, mas aguentaram.

No final do ano de 56, Ada ficou na base durante o natal ajudando a testar o novo motor que os engenheiros estavam criando. Era um protótipo a partir da engenharia reversa do motor do Apoena, o XLR-11. Chamaram de XBR-11, esse BR de “feito no brasil”. Só que o negócio tava enroscado, não tava saindo no prazo, de forma que, quando chegou março de 57, a Ada, que iria fazer um voo com o Goitacá, acabou declinando para continuar focada nos testes do protótipo. Ivo aceitou de bom grado a missão: acelerar o jato até 2.700km/h por 3 minutos.

Assim, no dia 7 de março, o Goitacá levantou voo para sua 7ª missão e tudo estava indo bem até que, chegando perto dos 2.700km/h, Ivo ouviu um estrondo gigantesco e o avião imediatamente perdeu o controle.

— Mayday, mayday, mayday. Goitacá em espiral descendente, 18.000m, tentando retomar.

— Ivo, qual sua localização?

— 150, 120 km ao sul da base. Houve uma explosão nos dois motores. Consegui retomar, mas perdendo altitude rápido.

Os dois motores Avon-107 com pós-queimadores explodiram.

O calor intenso gerado pelos pós-queimadores, somado ao atrito com vento, fez o motor direito explodir, o que levou o esquerdo a explodir também. Embora o resto do avião não tenha sofrido avarias, sem o peso dos motores gigantescos atrás o Goitacá ficou com o nariz pesado. Não havia jeito de puxar ele para a horizontal.

— Mayday, mayday, impossível planar, nariz pesado, nariz pesado. Preparando para ejetar.

— Já tamo iniciando o protocolo de emergência. Boa sorte, Ivo.

Ivo puxa o punho sobre a cabeça, que libera a cúpula do cockpit. Depois, puxa uma alça entre as pernas que aciona uma carga de combustível sólido abaixo do assento que o impulsiona para cima numa força de 9G.

O paraquedas se abre com sucesso e Ivo está agora a 2.000m de altura, flutuando sobre uma floresta tropical a 120km de distância da base. Ele procura algum lugar para pousar, mas só vê árvores por todos os lados.

Epílogo

Você ouviu o nono episódio de “O Brasil vai pro espaço”, produzido pelo Scicast.

Os eventos narrados aqui, embora fictícios, utilizam como base fatos e pessoas reais da história do Brasil e do mundo. Em especial, neste episódio:

Durante 1956, o chamado Ano Santos Dumont, a Ada da vida real resolveu fazer um circuito aéreo por todo o Brasil, pousando nas capitais de todos os estados e ainda sobrevoando um longo trecho da selva amazônica chamado de “Inferno Verde”. Ela foi a primeira pessoa a fazer essa travessia num avião pequeno que nem rádio tinha. Até hoje, mesmo existindo um sistema de Vigilância da Amazônia, esse trecho atemoriza muitos aviadores.

Ao todo, o circuito totalizou mais de 25.000km em 163 horas de voo, mais um feito incrível para a carreira de Ada Rogato. Claro que na nossa alternativa a Ada acabou perdendo essa oportunidade porque ela estava em Alcântara batendo recordes mundiais. Tá desculpado né?

E aproveitando o assunto, quero dizer que a gente já gravou um Scicast sobre a vida da Ada contendo em detalhes todos os seus feitos e ficou sensacional. Deve sair em breve, fiquem de olho.

Sobre o ensino de línguas estrangeiras no Brasil, embora o inglês estivesse presente nos currículos desde o século 19, o latim e o francês recebiam mais tempo em sala de aula, este último pela sua importância internacional. A partir da Segunda Guerra e com a crescente influência americana, o inglês vai ganhando cada vez mais espaço e, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, o ensino de línguas estrangeiras deixa de ser obrigatório, cabendo aos estados essa decisão. Nesse momento, o inglês se torna a principal opção e o latim é praticamente abolido (como um estudante e entusiasta do latim, isso me entristece). Na nossa história, é mais plausível que, em 1956, tanto os brasileiros quanto os russos fossem mais versados em francês do que em inglês.

Os assentos ejetáveis eram algo bastante recente na aviação nessa época. Antes, o piloto simplesmente abria o canopi (a cúpula da cabine), tirava o cinto e pulava pra fora, vestindo uma mochila de páraquedas. Outra opção era virar o avião de cabeça para baixo e deixar a gravidade puxar o piloto pelo teto. Conforme os aviões a jato ganham mais e mais velocidades, essas manobras se tornaram muito arriscadas pois o piloto podia acabar se chocando com a cauda o avião no momento do salto, e assim os assentos ejetáveis se tornaram essenciais. Os primeiros modelos do Meteoro de Gloster não tinham assentos ejetáveis mas, nas minhas pesquisas, descobri que os modelos importados pelo Brasil, os F-8 foram os primeiros a ter essa melhoria, então me senti à vontade para incluí-los na nossa história.

O texto, narração e direção deste episódio foram feitos por mim, o Pena.

Vozes:

Ada Rogato por Jujuba

Lacerda por Marcelo Guaxinim

Jayme por Lennon

Zé por Fencas

Ivo Lopes por Felipe Queiroz

Consultoria histórica por Willian Spengler, CA e Fencas.

Consultoria técnica por Lennon

Revisão por Sil Perez

Edição e mixagem por Felipe Reis.

Vinheta por Vitor Moreira

E a distribuição é do portal Deviante.