Duvido que algum de vocês nunca tenha criticado uma tradução de título de filme. DUVIDO! Mas, se eu estiver errada, aceito a chuva de pipocas.

Vou dar, tendenciosamente, alguns exemplos.

A título de diversão (“porque a ciência tem que ser divertida”), cubra uma das colunas e tente adivinhar a outra:

Tradução brasileira Título original
 
Guerra nas Estrelas (1977) Star Wars
 
Gatinhas e Gatões (1984) Sixteen candles
 
Splash – uma Sereia em Minha Vida (1984) Splash
 
Loucademia de Polícia (1984) Police Academy
 
Três Solteirões e um Bebê (1987) Three men and a baby
 
Te Pego lá Fora (1987) Three o`clock High
 
Uma Babá Quase Perfeita (1993) Mrs. Doubtfire
 
Cidade dos Sonhos (2001) Mulhulland drive
 
O amoré cego (2001) Shallow Hal
 
Onde os Fracos Não Têm Vez (2007) No country for old men
 
A Outra (2008) The other Boleyn girl
 
Os Mosconautas no Mundo da Lua (2008) Fly me to the moon
 
Meu Malvado Favorito (2010) Despicable me
 
Jogos Vorazes (2013) The hunger games
 
Wolverine – Imortal (2013) Wolverine – Imortal
 
Mad Max – Estrada da Fúria (2015) Mad Max – Fury Road
 
Divertida Mente (2015) Inside out
 
Animais Noturnos (2016) Nocturnal Animals
 
Rogue One – uma História de Star Wars (2016) Rogue One – A Star Wars Story
 
La La Land – Cantando Estações (2017) La la land

 

Vontade não falta de continuar com essa lista eternamente…mas vamos ao que interessa.

Imagino que, se você fez a proposta da brincadeira de adivinhação, você tenha acertado mais depois dos anos 2000. Por quê? Vamos começar do começo:

O que é um título? Seja ele de um livro, um disco (CD) ou filme, um título é a primeira leitura que se faz de algo. Assim como ‘a primeira impressão é a que fica’, quando se escolhe um título, há um cuidado na escolha das palavras. Seja para instigar curiosidade, seja para despertar determinados sentimentos, o importante é que há uma preocupação especial com quão vendável será aquele título.

Isso significa adaptar a uma determinada cultura algo proveniente de outra cultura. Apesar de saber que quem traduz os títulos não é um tradutor, mas alguém do marketing/publicidade, há na teoria da tradução a discussão sobre aproximar da cultura traduzida ou deixar as características originais. Há argumentos interessantes dos dois lados e podem ser usados, convenientemente, em situações distintas.

No caso das versões dos títulos acima, a questão da diferença entre as culturas fica evidente, principalmente, em:

Sixteen Candles: nos Estados Unidos, não era aos 15 anos que as meninas eram apresentadas para a sociedade, mas aos 16. A escolha da versão, no entanto, não faz nem menção a aniversário ou idade. Esse é um dos exemplos que provavelmente gerou careta.

Three o’clock High: O horário de termino das aulas no ensino médio nos Estados Unidos é às 15h, diferentemente do Brasil. A escolha pela expressão comum à época, te pego lá fora, que na minha escola era te pego na saída, tem tudo a ver com o original.

Fly me to the moon: Existe aqui uma intertextualidade (menção a um texto conhecido) com a famosa música do Frank Sinatra. Lembrando que o foco maior é a venda da animação e não a precisão linguística, achei a saída que encontraram bem legal, usando, inclusive uma expressão muito própria do brasileiro, no mundo da lua.

Bakhtin diz que a linguagem é uma interação social, coloca a palavra como um ‘ato de duas faces’, sendo elas determinadas por quem fala e por quem recebe. A consciência do perfil de quem receberá a informação é, portanto, essencial para uma comunicação eficiente. Deve ser levado em consideração, então, que a interpretação do receptor depende da construção mental da realidade que cerca este indivíduo. São feitas, então, hipóteses a respeito do alvo que o discurso propagandista quer atingir, mais especificamente, dos imaginários nos quais esses indivíduos estão inseridos.

Adotando a concepção de indivíduos como atores sociais e de texto como o lugar da interação, a compreensão é produção de sentido e este sentido se dá a partir de conhecimentos compartilhados entre quem produz o texto e quem o recebe. Ao identificar o interlocutor, o receptor da mensagem, é possível produzir textos mais específicos e, consequentemente, mais efetivos.

Eu identifico três estratégias principais usadas na tradução dos títulos: Manutenção integral do título, Manutenção parcial do título – com uma breve explicação sobre o filme – e Adaptação total à outra cultura, seja pelo motivo que for, inclusive ideológico.

A necessidade de explicar o filme no título, que vemos nas versões mais antigas, mostra uma característica cultural do brasileiro, que ia/vai ao cinema mais pelo título do que pelo diretor ou pelos atores. Ou pelo menos era assim que os responsáveis veem/viam seus interlocutores. Que outro motivo haveria para explicar Splash – uma sereia em minha vida ou La la land – cantando as estações?

Analisemos a tradução de The Other Boleyn Girl para apenas A Outra. Minha conjectura é que a traição (a outra = a amante) seja mais vendável. Mais provável do que o desconhecimento da personagem histórica feminina, que não interferiria em nada na compreensão do filme.

Um aspecto ideológico muito interessante de ser trabalhado é o reforço ao amor romântico em O amor é cego. O título original apresenta uma crítica ao comportamento do personagem principal, Hal, o chamando de superficial, enquanto a tradução corrobora para a construção da beleza padrão das mulheres. Ele a ama, mesmo ela sendo gorda. Ele se sente atraído por mulheres feias.

Outro aspecto que não pretendo me aprofundar, mas vale ressaltar é que “coincidentemente” a mudança na tradução dos filmes com o tempo ocorre em um momento em que mais e mais pessoas sabem inglês e o ingresso ficou mais e mais caro… O meio social em que os indivíduos circulam tem suas convenções e normas de conduta, portanto, quando as palavras das versões dos títulos para outra língua são escolhidas, pressupõem-se determinados conhecimentos contextuais por parte do interlocutor.

Como já foi dito antes, a escolha dos nomes dos filmes está relacionada com o momento histórico que retrata e com as realidades e construções culturais e sociais daquele país. Portanto, quando se faz a tradução de um título de filme, existe uma escolha entre traduzir literalmente ou mudar o título para algo mais próximo à realidade do país em que o filme será mostrado, uma versão. As escolhas dos nomes e traduções mostram uma carga de ideologias, preconceitos e valores que podem e devem ser analisados.

Talvez eu devesse ter restringido minha afirmação peremptória de que todos, algum dia, já fizeram careta para a tradução de um título de filme para o pessoal acima dos 30…

Mas gosto demais de pipoca.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo, Contexto, 2006.

KOCH, Ingendore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto.São Paulo, Cortez, 2002

NORD, Christiane. Translating for Communicative Purposes across Culture Boundaries. Journal of Translation Studies 9(1) (2006), 43–60


Debbie Cabral Analista do Discurso. Educadora. Feminista. Eterna aspirante a retirante dos seus lugares comuns. Netflix addict. Ótima para rir, péssima para fazer piadas.