Em minha última contribuição para o Portal, falei um pouco a respeito do meu contato inicial com o trabalho de Stephen Krashen, linguista e pesquisador estadunidense que foi um dos pioneiros na proposição da hipótese da aquisição de linguagem. Com base em uma série de justificativas teóricas e empíricas, a proposta de Krashen gira em torno de uma premissa fundamental: a ideia de que todos adquirimos nossas línguas maternas da mesma forma, isto é, absorvendo e decodificando seus padrões por meses a fio, antes mesmo de tentarmos balbuciar nossas primeiras palavras.

Krashen parte desse pressuposto para argumentar que, se somos capazes de adquirir nossas línguas maternas dessa maneira, deveríamos também ser capazes de replicar o processo para, então, adquirir segundas, terceiras ou quartas línguas. Emergem desse raciocínio a chamada hipótese do input e também uma crítica ferrenha aos sistemas comuns de ensino de línguas.

Ambas giram em torno da ideia de que, ao iniciar a aquisição de um novo idioma, deveríamos investir muito mais tempo ouvindo e lendo a língua em questão, do que tentando falar ou escrever. Assim, estaríamos priorizando a receptação de informações (input) à sua emissão (output), e dando condições para que nossos sistemas cognitivos absorvam e reconheçam os padrões da língua-alvo, antes de tentar reproduzi-los. Esse processo, então, levaria a uma compreensão mais clara da língua-alvo, minimizando a ocorrência de erros em sua reprodução, e permitindo-nos atingir fluência muito antes do que seria considerado o normal.

Como já comentei, tive contato com essas ideias em meio ao meu processo de aprendizado de japonês. E a partir do momento em que fui atingido por elas, passei não só a rever a forma como estava tentando aprender línguas no presente. Também comecei a olhar para trás, e perceber o quanto as ideias de Krashen explicavam com perfeição situações de aquisição da língua inglesa que eu havia vivido no passado. Em um terceiro momento, comecei a questionar: dadas as óbvias semelhanças entre linguagem e arte, não seria possível pensar que as hipóteses de Stephen Krashen também teriam aplicabilidade no universo da música?

Afinal de contas, é inegável o fato de que, tal como a linguagem verbal, a música é um vasto e complexo sistema de comunicação. Com regras e padrões eventualmente mais maleáveis, e capaz de transmitir informações muito mais abstratas, talvez. Mas ainda assim um sistema de comunicação, em que frequentemente melodias são equiparadas a frases; timbres são equiparados a tons de voz; regras de harmonia são equiparadas a regras gramaticais, e diferentes gêneros são equiparados a diferentes sotaques, ou mesmo a diferentes idiomas.

Eu sabia empiricamente que ouvir determinada obra ou gênero com frequência contribuía enormemente para a capacidade de reproduzir seus padrões com sucesso. Isso chega a ser óbvio. No universo da música, falamos o tempo todo sobre a necessidade de desenvolver o ouvido e de estar sempre imergindo na obra de outros artistas.

Mas essas obviedades ganharam um novo nível de profundidade quando vistas sob a ótica da hipótese do input. De repente, me ocorreu a sugestão de que não bastaria simplesmente imergir em determinada obra ou gênero, mas que, para adquirir fluência em seus padrões, seria fundamental buscar fazer isso antes de se tentar reproduzir tais padrões.

Pensando nisso, comecei a revisitar meu histórico com o jazz, um gênero que pouco conhecia antes de entrar na faculdade de música, mas que se tornou uma obrigação no meu dia a dia nos quatro anos em que estive lá. Com um passado de fã de rock e heavy metal, eu tive extrema dificuldade quando me deparei com o jazz e seus derivados. Não só por seu conjunto de padrões, muito mais amplo e complexo do que eu estava acostumado. Mas principalmente porque, desde o primeiro momento, me foi exigido que eu os reproduzisse, e fizesse algo com eles, antes de ter a chance de imergir no gênero para compreende-los e decodifica-los propriamente.

O resultado disso foi uma absorção extremamente falha, de minha parte, de tudo aquilo que o jazz poderia oferecer. Em um primeiro momento, aprendi seu vocabulário e suas regras básicas com pouco entusiasmo, levando-me, por muito tempo, a tratar o gênero como uma língua que eu houvesse aprendido forçadamente, e que, portanto, eu raramente utilizaria para me comunicar espontaneamente.

Essa perspectiva só começaria a mudar anos mais tarde, quando, liberto das obrigações acadêmicas, passei a me reaproximar do jazz como admirador. Agora na condição de alguém que queria ouvir sem a pressão de ter que reproduzir, finalmente comecei a perceber sentido intuitivo em muitas das regras que já havia absorvido racionalmente. E pouco a pouco, por meio desse processo natural de decodificação, desenvolvi interesse genuíno em me comunicar por meio dessa linguagem. E a partir desse momento, a fluência que sempre havia sido inalcançável tornou-se perfeitamente atingível, mesmo que ainda um pouco distante.

Olhando em retrospecto, passei a tratar esse histórico como evidência de que, no universo da música, a tentativa de reprodução de algo sem que antes haja uma quantidade considerável de input pode se tornar um desserviço ao próprio aprendizado. E por outro lado, a apreciação de algo parece abrir um caminho mais certeiro para o sucesso na reprodução daquilo, já que quase sempre vem acompanhada de vastos e espontâneos períodos de imersão.

Ao menos a princípio, me parece que a aplicação das ideias de Stephen Krashen ao universo da música se sustenta. E já começo a imaginar como poderia usá-las para ensinar música de forma mais efetiva.