Os Três Porquinhos é uma fábula que tem sua origem desconhecida, vinculada aos contos populares da Inglaterra. A primeira versão registrada da história apareceu em 1853. Porém, no lugar de porquinhos, os protagonistas eram pixies, que são uma espécie de elfos e que viviam nas florestas.

A história em sua forma mais conhecida apareceu no livro The English Fairy Tales de Joseph Jacobs, publicado pela primeira vez em 1890. E essa é a história que vocês mais ou menos conhecem: dos porquinhos que constroem suas casas de palha, graveto e tijolo, e são atacados por um lobo. A diferença é que nessa versão, o lobo não apenas derruba a casa dos porquinhos, como também os devora. Porém, quando ele resolve invadir a casa de tijolos pela chaminé, ele acaba caindo em um caldeirão e virando ensopado.

Essa versão mais branda, em que os porquinhos fogem e se juntam todos na casa de tijolos; em que o lobo mal queima o traseiro, mas sai correndo vivo de volta para casa aparece justamente na versão do Walt Disney responsável por converter a fábula em um fenômeno mundial.

A versão de Disney surgiu como um curta metragem de pouco mais de 7 minutos e foi lançado nos cinemas dos EUA em 27 de maio de 1933, convertendo-se imediatamente em um grande sucesso. Fato que fez com que outras versões e continuações da obra fossem lançadas imediatamente. A própria Disney produziu 3 derivados do curta: The Big Bad Wolf de 1934, Three Lilltle Wolves de 1936 e The Pratical Pig, de 1939. Aliás, Practical Pig é o nome do porquinho que constrói a casa de tijolos. O nome dos outros dois são Fifer e Fiddler.

Com o sucesso retumbante, não demorou para que a concorrência lançasse suas versões da fábula. Em 1942 a Metro Golden Mayer trouxe aos cinemas Blitz Wolf e, entre 1943 e 57, a Warner faria 4 obras inspiradas no conto. Para além das telonas, a modalidade de animação apresentada no título da Walt Disney acabou por abrir mercado para a chegada de novos protagonistas às televisões, como Tom e Jerry, Pernalonga, Patolino, entre tantos outros.

Mas, afinal de contas, por que essa história fez tanto sucesso?

Se vocês conhecem um pouco da história dos EUA, irão se lembrar que em outubro de 1929 aconteceu a quebra da bolsa de Nova York, que jogou os EUA em uma grande recessão. Naquela época, o presidente era o Herbert Hoover e, por uma série de motivos, tanto de ingerência ou de inação do seu governo, a recessão foi se agravando até que se converteu em uma verdadeira depressão.

Para vocês terem uma ideia, em 1933, aproximadamente 27% da mão de obra ativa norte-americana, estava sem emprego, algo em torno de 16 milhões de pessoas. Assim, um ano antes, nas eleições de 1932, Hoover seria derrotado por Franklin Delano Roosvelt que ao assumir a presidência em 4 de março de 1933, colocou em prática uma proposta de retomada da economia, tendo o Estado como o grande promotor de desenvolvimento.

Seu plano envolvia a reorganização dos sindicatos e das relações trabalhistas; a expansão do estado de bem-estar social, com a criação do seguro-desemprego e aposentadoria; mas, sobretudo, a contratação de mão de obra para a construção de obras públicas e a expansão do setor de construção civil. A ideia era dar um choque na economia logo nos primeiros 100 dias e que recebeu o nome de New Deal.

Porém, mesmo assim, 1933 foi o ano em que as pessoas estavam atravessando o pior momento da crise e, uma das formas de fugir daquela realidade de miséria era por meio do entretenimento, sendo que os quadrinhos e os filmes eram as opções mais baratas de diversão.

Pois então, quando as pessoas foram para os cinemas e se depararam com aquela história de três porquinhos que juntos enfrentavam o lobo mal, elas logo se identificaram, compreendendo a fábula como uma grande metáfora de suas vidas.

Rapidamente, a animação se tornou uma lição de vida para aqueles que estavam sofrendo durante os tempos econômicos difíceis. O público viu o lobo representando as dificuldades que as pessoas enfrentavam, como um símbolo da grande depressão. Já os porquinhos que faziam suas casas de palha e gravetos eram exemplos da preguiça e do insucesso. A saída era se espelhar na dedicação do Porquinho Practical, pois, se trabalhassem como ele e se unissem contra o lobo, poderiam expulsar a recessão para longe da porta de suas casas.

Se a gente parar para pensar, existem vários elementos da fábula que dialogam com as estruturas de sentimentos dos americanos daquela época, para além da questão do lobo e dos porquinhos. O discurso de que a crise se supera por meio do trabalho coletivo estava diretamente vinculado aos ideais de Roosevelt, de se substituir o conceito de liberdade negativa, por um conceito de liberdade positiva.

Mesmo a ideia de união, conversa com a reorganização dos sindicatos desenhada pelo presidente. E lá nos EUA, os sindicados são chamados de Union. E, se vocês repararem bem, dos três, a roupa do porquinho Practical é a que mais se assemelha aos macacões de fábrica. Além disso, o próprio tema da construção civil, tão amplamente difundido pelo New Deal ,também aparece na animação.

Por isso, assim como os três porquinhos foram capazes de superar as adversidades por meio do trabalho árduo, muitos americanos acreditavam que o esforço dedicado acabaria por tirá-los da Grande Depressão.

Agora, enquanto eu pesquisava para escrever esse texto, não encontrei nada que me afirmasse que essa foi a intenção de Disney quando lançou o filme: que o filme dos 3 porquinhos foi produzido para ser uma metáfora da grande depressão, afinal de contas a estrutura é muito semelhante ao conto original, do século dezenove, inclusive em sua moral. Porém, é fato que foi assim que as pessoas receberam a animação. Da mesma forma que, 3 anos mais tarde, o filme dos Three Little Wolves seria associado à ascensão de Hitler e do nazismo na Alemanha.

Para o bem da verdade, precisamos lembrar que é amplamente documentada a união de Franklin Delano Roosevelt com a indústria do cinema, principalmente para a produção de filmes que se tornaram verdadeiras peças publicitárias durante a segunda guerra mundial. De Chaplin a Disney, todos tiveram algum tipo de participação para a difusão de uma mensagem anti-nazista pelo mundo. O próprio Filme produzido pela Metro Golden Mayer que eu mencionei anteriormente é um exemplo disso. Em Blitz Wolf, o lobo faz o papel de Hitler (ou seria o contrário?).

Além de ser um instrumento de campanha anti-nazista, as animações de Disney também serviram como produtos de soft power que deram força para o estreitamento dos laços de amizade com o vizinhos do continente americano, naquilo que ficou conhecida como a Política da Boa Vizinhança. Está aí o Zé Carioca para não me deixar mentir.

No entanto, no caso específico de Os Três Porquinhos não é possível afirmar que esta foi uma peça publicitária encomendada por Roosevelt para propagandear o New Deal. Já li que sim e até já até escrevi isso, mas hoje eu não tenho mais certeza. Algo muito diferente do caso do Galinho Chicken Little. Afinal, sua versão de 1943, lançada pelos estúdios Disney, foi, na verdade, uma encomenda feita pelo governo americano, como campanha anti-nazista. Mas essa história fica para outro texto.