Basicamente, o terrorismo é um modo de impor vontades por meio do uso sistemático do terror e do medo, não necessariamente por danos materiais. Essas vontades podem ser com fins políticos, de desorganização ou até uma tomada do poder. A última acaba sendo improvável, pois geralmente os terroristas são grupos pequenos e sem muito poder bélico. Por isso eles usam o terror psicológico, o que força o governo a tomar atitudes firmes e muitas vezes exageradas. Eles também costumam deixar algum tipo de manifesto porque sabem que a mídia vai divulgar e disponibilizar na íntegra. É tudo um teatro. Os terroristas propõem a narrativa, o Estado e a mídia não só compram como também atuam como personagens principais no palco do terrorismo. Tem como amenizar os impactos do terrorismo com a mídia e o Estado fazendo papeis diferentes? É realmente necessário e justificável os estados gastarem bilhões na guerra ao terror?

O verdadeiro impacto do terrorismo em números

Os terroristas são ótimos em fazer o que eles propõem: conseguem levar o terror para centenas de milhões de pessoas e sacudir estruturas políticas estáveis. Nos últimos 18 anos, os terroristas tem matado, em média, cinquenta pessoas na União Europeia, sete na China e dez nos Estados Unidos. No resto do mundo, onde há menos holofote da mídia ocidental, o terrorismo têm matado aproximadamente 25 mil pessoas por ano. Os principais lugares são: Iraque, Afeganistão, Paquistão, Nigéria e Síria. O que você acha desse número? Será que 25 mil pessoas é um número aceitável ou exorbitante? E o que esse número significa?

Para efeito de comparação, vamos analisar alguns números de situações que não estão ligadas ao terrorismo. Enquanto na União Europeia 50 pessoas perdem suas vidas devido ao terrorismo, também morrem 80 mil europeus em acidentes de carro todo ano. São 1600 vezes mais mortes no trânsito das cidades europeias do que em atentados terroristas. A nível mundial, o diabetes mata cerca de 3,5 milhões de pessoas todos os anos. Isso é 140 vezes mais pessoas do que em atentados terroristas. Também a nível mundial, a poluição do ar mata cerca de 7 milhões de pessoas por ano. Isso não quer dizer que o terrorismo não é importante, mas sim que a resposta do Estado é desproporcional ao real impacto do mesmo. Quando você vai ao supermercado, não vê nenhum tipo de aviso alarmante em produtos extremamente açucarados, apesar do impacto gigantesco na infraestrutura de saúde do país e na vida das pessoas. Porque os governantes perdem eleições por conta de ataques terroristas esporádicos, mas não pelo combate — ou a falta dele— ao açúcar? Ou mesmo pela negligência em relação ao meio ambiente?

O terrorismo como justificativa da vigilância em massa

Depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, a política e o discurso antiterrorista tornaram-se pauta principal do país e influenciou muita coisa pelo mundo — desde o modo como a segurança básica dos aeroportos funcionam até o gasto de bilhões de dólares na ‘guerra ao terror’ por diversos países. Na última década, tem-se tornado cada vez mais comum que liberdades civis sejam violadas e que agências governamentais de inteligência vigiem em massa. Não só dentro do próprio país, como também pelo mundo, muitas vezes ferindo a soberania dos paises — como denunciado por Edward Snowden em 2013. A questão aqui é: essa vigilância em massa é justificável pelo medo ao terrorismo? Isso tem deixado esses paises mais seguros?

Logo após os ataques em 2001, os EUA criou o Terrorist Surveillance Program (Programa de Vigilância de Terroristas) sob a égide da guerra ao terror declarada pelo então presidente George W. Bush. Em principio, esse programa foi criado para interceptar conversas entre membros da Al-Qaeda. Com essa tecnologia e registros antigos, os EUA obtiveram informações de milhões de estrangeiros e filtraram árabes e muçulmanos dentro do país. Cerca de 80.000 pessoas foram obrigadas a registrarem-se, 8.000 foram chamadas para entrevistas conduzidas pelo FBI e mais de 5.000 foram presos preventivamente. Sabe quantos terroristas foram identificados? Zero. Além de ter sido um fracasso, o gasto de dinheiro e recursos empregados nisso não serviram pra absolutamente nada. E eles desistiram? Pelo contrário, investiram mais e mais nesse programa. A NSA, por exemplo, tem o poder de ligar o microfone do seu celular ou ligar a câmera do seu notebook na hora que quiser e sem você nem fazer ideia de que eles estão te vigiando.

Câmera e microfone do notebook de Mark Zuckerberg tampadas com fita.

Geralmente, o governo americano usa o discurso clássico de “se você não tem nada a esconder, também não tem nada a temer”. Ignorando totalmente que essa vigilância em massa é opressora e fere princípios de privacidade, segurança e liberdade. O Estado deveria garantir a privacidade de seus cidadãos e não atacá-la. Você pode não estar sendo vigiado, mas não é perigoso que o Estado tenha a possibilidade de fazê-lo quando bem entender?

As leis antiterrorismo pelo mundo

As leis antiterrorismo são um excesso legislativo e também dependem muito da interpretação do juiz. Certo, nós concordamos que a Al-Qaeda é um grupo terrorista, mas e movimentos sociais contra o aquecimento global?
Depois dos ataques de novembro de 2015 em Paris, a França expandiu as suas leis antiterrorismo. Algumas semanas depois, foi provado que as autoridades usaram essa expansão na lei para terminar protestos contra o aquecimento global.

A Polônia, Espanha e Hungria restringiram, por meio dessas leis, coisas fundamentais como liberdade de expressão e agrupamento. No Índice de Liberdade de Imprensa, a Turquia vem piorando sua classificação nos últimos anos e ainda há pessoas presas por criticarem o governo de Erdogan. Todas essas ações motivadas por leis antiterroristas. Onde é que isso melhorou a segurança desses paises?

As leis antiterroristas e a vigilância em massa nem sempre existem simultâneamente nos paises, mas ambas tem como motivação a “guerra ao terror” e a proteção da sociedade. Esse tipo de política vem falhando e não é de hoje. Governos gastam fortunas em coisas que são benéficas somente para os próprios terroristas.

O terrorismo é complexo e a solução não é simples. Nenhuma lei pode impedir que pessoas fabriquem bombas no porão de casa e que adquiram armas — ainda mais nos EUA. A proporcionalidade deve ser mantida e a resposta deve ser coerente com o problema. Tirar a privacidade, segurança e liberdade do seu próprio povo e usar o terrorismo como justificativa é ilógico e, principalmente, desproporcional. Devemos usar as leis existentes e adaptá-las, não criar leis autoritárias e rígidas. No final, estamos fazendo justamente o que os terroristas querem: pelo medo, estamos tirando nossa própria liberdade e deixando que estruturas políticas sólidas se desestabilizem.

O reação do Estado e o papel da mídia

Diferentemente do que pensa a opinião pública, os terroristas não são fundamentalistas que agem por impulso pra levar a destruição e o medo a determinado país. Na verdade eles são ótimos estrategistas e manipulam muito bem todo o teatro mundial. Existem métodos sólidos e alguns ataques são planejados durante anos antes da sua execução. Mas como esse método funciona?

Os terroristas sabem que seu poder bélico é risível quando comparado ao poder de superpotências. Por isso, eles não procuram causar danos materiais como acontece em guerras comuns. O objetivo deles é que o medo e a confusão causados por um atentado levem a uma reação exagerada por parte do Estado. E eles atingem esse objetivo. Os governos reagem com um show de segurança, agressividade e organizando demonstrações de força desproporcionais. Às vezes invadindo países estrangeiros, às vezes perseguindo etnias inteiras ou até mesmo retringindo liberdades individuais do seu próprio povo.

O gasto do dinheiro público nessas situações são exorbitantes, além de desgaste político. A opinião pública oscila, o mercado fica instável e presidentes perdem eleições. Há uma desproporção grande entre a força efetiva dos terroristas e o estrago que eles conseguem fazer inspirando medo. Essa é a estratégia. Eles são produtores teatrais que montam a peça e deixam o resto na mão do Estado e da mídia.

O teatro do terror não terá êxito sem publicidade. É sabido que a mídia influencia diretamente na opinião pública. Os terroristas sabem disso e, por isso, deixam manifestos. A mídia faz um papel de divulgação para os terroristas que eles jamais conseguiriam ter. E, dessa forma, a mídia colabora para a histeria generalizada da população e, mais uma vez, os terroristas conseguem o que quer. Eles são alimentados pelo caos, pela raiva e pelo medo das pessoas.

Essa contribuição da mídia no teatro do terrorismo é criticada por acadêmicos e especialistas há muitos anos. Adam Lockyer, professor e pesquisador da Universidade de Sydney, destaca que um dos principais objetivos do terrorismo é justamente levar sua mensagem para o máximo de pessoas possível. E adiciona: “Os meios de comunicação são o oxigênio do terrorismo. Sem eles, os terroristas seriam sufocados e morreriam”.
Jacques Wainberg, especialista em comunicação e professor da PUCRS, declara que “Existe uma relação umbilical entre terror e mídia. Se há um lugar onde a violência é bem-vinda é nas redações de jornal; a infelicidade do mundo é a felicidade da redação”. Se ao longo do texto você estava se perguntando o porque da mídia fazer essa publicidade grátis, Wainberg já deixou a dica para a resposta: a mídia age dessa forma porque o terrorismo gera uma comoção muito grande, portanto, se o jornal tem imagens e artigos sobre um atentado terrorista, venderá mais jornais e atingirá um número maior de espectadores/leitores.

Conclusão

Como dito anteriormente, os terroristas são ótimos produtores teatrais, e o teatro funciona assim: os terroristas realizam o atentado, a mídia causa a histeria na população e o Estado se vê em uma situação em que a única resposta possível é mais teatro e mais fumaça. Nesse contexto, os únicos que saem ganhando são os terroristas. Eles despertam o medo da população, o interesse da mídia e a reação do Estado. Dessa forma, eles usam a histeria da sociedade contra ela mesma.

O teatro funciona assim: os terroristas realizam o atentado, a mídia causa a histeria na população e o Estado se vê em uma situação em que a única resposta possível é mais teatro e mais fumaça. Nesse contexto, os únicos que saem ganhando são os terroristas.

Um ataque terrorista que matam cem pessoas desperta o terror em milhões. Portanto, não basta apenas os governos e a mídia mudarem a sua abordagem diante ao terrorismo se a sociedade continuar sendo paralizada pelo medo. O combate ao terror tem que ser feito de forma ampla, racional e proporcional. A mudança deveria começar pela própria população. É importante que cada cidadão liberte sua imaginação construída dos terroristas e que encare o terrorismo levando em conta as verdadeiras dimensões dessa ameaça. Se a população não é dominada pelo medo, a mídia não vende tantos jornais e a reação do Estado tende a ser mais proporcional. Os EUA gastaram trilhões nas últimas décadas em operações na Ásia, no Oriente Médio e na África. Estamos falando de um montante de dinheiro suficiente para erradicar a fome no mundo. Isso é contraproducente não só para o próprio EUA, como para o mundo. O sucesso ou o fracasso do terrorismo depende de nós.