Aqui no Brasil ela é muito mais frequente do que a neve! Estamos falando da geada. Nesse texto eu vou contar para vocês a diferença entre neve e geada e também vou explorar os tipos de geada, já que esse assunto foi bastante comentado no último mês.

Definição de precipitação

Acho relevante falar da definição de precipitação. De acordo com o WMO Guide to meteorological instruments and methods of observation, também conhecido pelos meteorologistas como CIMO Guide:

Precipitação é definida como o produto líquido ou sólido da condensação do vapor d’água que cai das nuvens ou que é depositado do ar no solo. Isso inclui chuva, granizo, garoa, neve, orvalho e geada

Percebam que, de acordo com a definição da Organização Meteorológica Mundial, neve e geada são sim formas de precipitação, porque o termo precipitação engloba tanto o que cai da nuvem quanto o que deposita nas superfícies a partir do próprio ar.

Na prática, parece esquisito falar dessa forma porque de fato vemos os flocos de neve e as gotinhas caindo das nuvens. Já quando o vapor d’água contido no ar passa para o estado líquido e depois para o estado solido, depositando-se nas superfícies (um gramado, um portão, etc), não conseguimos “ver” isso acontecendo, vemos apenas o resultado final.

Mesmo que tanto a neve quanto a geada sejam formas de precipitação, é importante compreendermos que são fenômenos que acontecem de maneiras diferentes.

Geada

Vamos agora falar da geada, a famosinha do inverno. Todos os dias o planeta Terra passa por um ciclo de aquecimento da superfície (que começa logo que o Sol nasce) e resfriamento (que começa logo que o Sol se põe). Quando o Sol se põe, não há mais fonte de energia, de modo que a superfície do planeta só perde calor para o espaço.

Numa noite bem fria e sem nuvens (aquelas noites que os astrônomos amam), a superfície da Terra perde calor e não tem as nuvens para “segurar” parte desse calor. Ou seja, já chegou um ar frio proveniente de uma massa de ar polar que se deslocou até aquele local e o calor que tinha escapou para o espaço. Em situações assim, a superfície do solo fica com temperaturas próximas de 0ºC. Mesmo que a temperatura do ar não fique negativa. Se a temperatura do ar for baixa o suficiente, a temperatura do solo pode ficar abaixo de zero. Isso ocorre porque o solo e o ar possuem capacidades térmicas diferentes.

O vapor d’água contido na atmosfera, em contato com a superfície fria, acaba passando para o estado líquido (condensação). Dessa maneira forma-se o orvalho, que é outro fenômeno meteorológico bem mais conhecido e mais comum e bem típico do outono e do inverno. Só que, se estiver realmente muito frio (ou seja, com a temperatura do solo muito baixa, por volta dos 0°C), as gotinhas que formam  o orvalho acabam passando para o estado sólido (solidificação). Isto é geada, este ‘look’ branquinho. Também dizemos que ocorre geada quando o vapor d’água existente no ar sublima (passa do estado gasoso direto para o estado sólido, sem passar pelo líquido). Temos dessa forma a geada de radiação, porque houve perda de calor por parte da superfície.

Pode ocorrer também o que chamamos de geada de advecção, que acontece quando ar bem frio é injetado na superfície, normalmente em decorrência de uma queda abrupta de temperatura, por exemplo, devido a passagem de uma frente fria. Em geral, as geadas são resultado dos dois processos atuando simultaneamente (geada mista).

O efeito visual da geada (vamos chamar de geada comum para diferenciar dos outros tipos de geada que vou mencionar adiante) são gramados bem branquinhos, como na galeria de fotos que apresento no início desse texto e na imagem de capa. A vegetação rasteira, que fica mais em contato com as temperaturas frias do solo, fica toda cheia de pequenos cristais de gelo.

Geada e agronomia no Brasil

A geada preocupa principalmente a produção de café, que é uma cultura muito sensível às baixas temperaturas. Além disso, o café é uma commodity muito importante e somos o maior exportador de café do mundo. Também devemos considerar que 38% da produção de café no Brasil é feita através de agricultura familiar, ou seja, é a principal fonte de renda de muitas pessoas no nosso Brasilzão.

Quando a temperatura do solo fica muito baixa e há condições para a ocorrência de geada, algo pode acontecer com o cafeeiro. A seiva do tronco, numa região bem próxima ao solo (na base da planta), pode congelar e isso pode destruir a planta. O nome desse fenômeno é geada de canela. Há ainda a geada de capote, que afeta apenas a parte externa das plantas e é menos preocupante que a geada de canela.

Tanto a geada de capote quanto a geada de canela (principalmente a geada de canela) podem fazer com que a planta fique escurecida, com as folhas com uma tonalidade castanha. Em casos assim, a planta pode morrer e o produtor rural pode perder toda sua produção. Foi o que aconteceu com alguns cafeicultores do sul de Minas, nos últimos episódios de geada nos meses de junho e julho de 2021. Alguns produtores perderam todos os pés de café, principalmente os que tinham pés novos (menos de 5 anos de idade), porque a geada de canela prejudica mais as plantas mais jovens.

Como as plantas ficam escurecidas, muitas vezes a gente lê o termo geada negra e esse nome é dado devido ao aspecto visual das plantas após o fenômeno.

Geada negra. Os pés de café escurecidos e mortos devido a ocorrência do fenômeno de geada de canela. Imagem de Cinema em Curitiba

As condições para ocorrência da geada comum (da qual falamos anteriormente) são bem semelhantes das necessárias para a ocorrência de geada de canela: ar muito frio, devido a passagem de uma frente fria por exemplo, e resfriamento noturno. É comum que os dois fenômenos ocorram no mesmo lugar, com a geada afetando os campos abertos e a geada de negra afetando o cafezal.

Um famoso episódio de geada negra aconteceu em 1975 e foi um dos responsáveis pela mudança no cenário agrícola do Paraná. Muitos produtores de café perderam tudo nessa ocasião e venderam suas propriedades, migrando para a zona urbana de cidades paranaenses ou para outros Estados brasileiros.

Antes dessa onda de frio de 1975, o Paraná era o maior produtor de café do Brasil. Hoje esse Estado diversificou seus cultivares e o maior produtor de café no Brasil passou a ser Minas Gerais.

A previsão do tempo é uma ferramenta utilizada pelos agrônomos. É possível prever, com alguns dias de antecedência, as condições para a ocorrência de geada. Tendo essa informação, o  produtor pode molhar os pés de café ou produzir fumaça na área dos cafeeiros para evitar o resfriamento. Outros produtores se valem do plantio de eucaliptos ou outras árvores em volta do cafezal que servem como barreira para evitar a penetração do vento frio próximo da superfície.

Fontes (além das mencionadas e linkadas ao longo do texto):

http://www.jornaldosudoeste.com.br/noticia.php?codigo=203953

https://agrosmart.com.br/blog/voce-sabe-o-que-fazer-para-minimizar-o-impacto-de-possiveis-geadas-no-cafe/

https://meteoropole.com.br/2021/07/geada-negra-o-que-e/

https://meteoropole.com.br/2021/07/a-terrivel-e-inesquecivel-onda-de-frio-de-18-de-julho-1975-o-fim-da-era-do-cafe-no-parana/

https://meteoropole.com.br/2015/06/o-que-e-geada/