A teoria musical é um tema controverso. Infelizmente, menos pelas discussões e debates de ideias que podem proporcionar, e mais por constantes questionamentos sobre a necessidade ou não de sua existência. Em pouco mais de uma década imerso no universo da música, não foram poucas as vezes em que ouvi questionamentos como “para que serve a teoria?”, “isso realmente me fará tocar melhor?”, ou  “qual a relação disso com o meu instrumento?”.

Até aí, nada grave. Especialmente se levarmos em conta que questionamentos dessa natureza geralmente partem de perspectivas inocentes e inexperientes. Aí, tornam-se portas, oportunidades para que se iniciem descobertas em série. As luzes vermelhas se acendem, no entanto, quando se ouvem vozes muito mais influentes e experientes afirmando coisas como “a teoria não leva a nada”, “música é para se tocar, não para se analisar”, “teoria é só uma tentativa de se explicar o inexplicável”.

Já ouvi palavras assim proferidas por músicos ditos profissionais, por artistas com pretensão de fazer sucesso mundial, e até mesmo por donos de escolas de música. E isso, sim, indica que algo anda muito, muito errado.

Tal como a ciência, a filosofia ou qualquer outro tipo de elaboração minimamente mais complexa, a teoria musical vem sistemática e progressivamente sendo vista como um campo hermético, feito para poucos, e certamente inútil, inaplicável à vida do cidadão médio.

“Calma pessoal, não é teoria musical, é só ciência de foguetes” é uma piada ótima e ao mesmo tempo triste, ao passo em que traduz uma realidade compartimentalizada, em que o conhecimento mais assusta do que atrai, e mesmo a possibilidade de se entender o funcionamento de algo belo e prazeroso parece causar mais desprezo do que interesse.

É um processo semelhante ao que faz com que dividamos o mundo, e a nós mesmos, em exatas, humanas e biológicas. E é no mínimo irônico que um campo tão interdisciplinar quanto o da música sofra com isso. Insistimos em criar dicotomias entre razão e sensibilidade, ignorando sua complementaridade inata, e abandonando ambas à deriva.

Reconhecemos Johann Sebastian Bach por seu nome, e talvez até por algumas de suas principais melodias, enquanto ignoramos que sua obra ajudou a estabelecer um sistema universal para afinação dos instrumentos, facilitando enormemente a comunicação e o intercâmbio entre compositores do Século XVIII em diante.

Nos emocionamos com a beleza do choro, enquanto passamos reto pelo fato de que sua escrita evidencia uma clara história de miscigenação entre melodias europeias e ritmos afro-brasileiros: um longo processo histórico escrito em sons!

No cinema, nos deixamos levar pelos temas musicais dos Vingadores, de Star Wars ou de Harry Potter, sem saber que um dia houve um compositor alemão obcecado por escrever melodias que fossem capazes de representar sonoramente os elementos cênicos e narrativos de suas óperas. Seu nome era Richard Wagner.

E nos impressionamos com músicos de Jazz improvisando, sem nos dar conta que seu frenesi sonoro nada mais é do que uma forma de diálogo, construída com base em vocabulários, regras gramaticais e intenções de expressão, tal qual a língua que falamos todos os dias.

Se fôssemos menos alheios a fatos como esses, será que a música não se tornaria ainda mais impressionante, envolvente, emocionante aos nossos ouvidos?

Pensando bem, talvez o universo da música tenha ainda muito a aprender com a divulgação científica.