A escolha dos temas para os textos que escrevo para o Portal é motivada principalmente por assuntos que ficam em loop na minha mente durante o ócio. Coloca-los no papel é o equivalente a dar uma boa coçada na mente. E o tópico que vem sendo responsável por prurido mental significativo nos últimos 2 meses é a relação entre inteligência artificial (I.A) e o médico em um futuro próximo. Exponho aqui para que os leitores me ajudem a coçar porque acho que esse eu não alcanço sozinho.

Não irei entrar em detalhes técnicos sobre machine learning, deep learning, redes neurais ou big data. Temos excelentes episódios do Scicast para isso (machine learning #253; big data #99). Vou me ater à relação entre a I.A e o médico humano.

“Elementar meu caro watson…”

Há um medo crescente de perda do emprego para I.A. nos próximos anos entre os profissionais das mais diversas áreas. E, mesmo de maneira incipiente, o assunto já começa a gerar inquietação e um início de resistência a implantação da nova tecnologia no meio médico. Convém lembrar que são pouquíssimos os algoritmos que iniciaram sua aplicação na prática clínica real, ainda com muita cautela, supervisão e sem nenhuma autonomia. A quase totalidade das aplicações da I.A na medicina ainda são experimentais e esse texto e o próximo são um grande exercício de futurologia.

A primeira indagação que me fiz ao ler os artigos mais recentes sobre I.A na área da saúde foi sobre até que ponto ela altera o conceito de medicina e do que é ser médico. A medicina é, e sempre foi, fruto do desejo humano de entender a mente e o corpo e, através deste conhecimento, obter uma vida saudável. Saúde seria o estado de maior equilíbrio orgânico e psíquico possível entre o nascer e o morrer. O médico é o individuo que se dedica ao estudo e a prática desse princípio, pelo resto da sua vida (ninguém te avisa isso antes de você passar no vestibular).

Notemos que a medicina é anterior ao conceito contemporâneo de ciência, e, antes mesmo que ela existisse, usou todas as ferramentas disponíveis em sua busca infinita pela saúde (e tem gente que acha o Thanos ambicioso, jóias do infinito…tsc…tsc). Médicos da antiguidade eram astrônomos, alquimistas, ocultistas, magos, etc… Com o surgimento da ciência contemporânea os médicos se apropriaram das mais poderosas ferramentas humanas até hoje já criadas para aquisição de conhecimento: o método científico e a tecnologia que dele deriva. O método científico nos tornou cientistas. Isso mudou os médicos ao longo do último século. Novas formas de pensar, novos conhecimentos necessários, novas práticas médicas, especialidades surgiram. Já imaginaram radiologistas sem física nuclear? Ou patologistas sem microscopia?

Porém, leitores, por mais que a ciência e a tecnologia imprimam mudanças e adaptações, para o verdadeiro médico, aquele que compreende e executa a rigor a medicina (médico raiz!), são apenas ferramentas, a busca primordial ainda é a mesma.

Partindo desse pressuposto temos a I.A, os algoritmos atualmente em desenvolvimento por si só não desejam entender a mente e o corpo humano, nem buscam o equilíbrio máximo do corpo e da mente humana. Eles não nascem, tão pouco morrem. Assim  a I.A é a  próxima ferramenta dos médicos na cruzada infinita, provavelmente a mais eficiente já utilizada.

Aos futuros vestibulandos de medicina, enquanto houver o desejo humano de alcançar uma vida saudável, existirão médicos. Pensando diferentemente dos médicos de hoje, praticando a medicina de uma forma diferente, com ferramentas diferentes (melhores, espero) porém a medicina é uma condição inerente a humanidade.

Na parte 2 tratarei de possíveis aplicações futuras da I.A na área médica e como ela modificará o papel do médico. Vamos que ainda continua coçando.