Luca estava a noroeste do reino, a dois dias de distância do litoral. Ali é uma linda região que conhecia apenas por relatos e histórias, postergou o interesse por alguns meses desde que abraçou a ideia de andarilho. Finalmente, estava na província de Astrid.

Estava montando no seu cavalo pardo dentro de uma grande floresta, tinha passado pela última vila há dois dias em direção a Ridan, que ficava mais próxima da fronteira norte. Bruscamente, Luca sentiu um forte impacto de cima para baixo seguido de um grande estalo fazendo seu cavalo cair para fora da pequena estrada de terra.

Uma pantera cravou suas presas no pescoço do seu cavalo, fazendo o pobre animal tombar no chão quase sem vida, o felino ignorou a presença de Luca, um erro fatal. O jovem paladino acertou a fronte do predador através do olho esquerdo fazendo a criatura tombar sem vida quase instantaneamente.

Luca teve dificuldades para liberar a perna esquerda, que ficara presa embaixo do cavalo e doía um pouco. Verificou o seu cavalo sentindo uma grande tristeza, tinha perdido um companheiro de várias viagens. Mesmo com alguma dor, decidiu que iria arrastá-lo para a margem e cobrir seu corpo com algumas folhas, notou que a pantera fez um ataque desesperado, estava um pouco esquelética, claramente com dificuldades para conseguir alimento.

Cobriu o corpo do companheiro, disse algumas palavras carinhosas e ficou em silêncio por alguns minutos. Depois pegou seu equipamento e decidiu seguir em frente, acreditava que chegaria em Ridan ao final do dia, se tivesse sorte conseguiria comprar uma nova montaria lá.

Mesmo optando por livrar-se de alguns equipamentos, a tarefa de carregar tudo com dor por quase meio dia foi bem dura. Não havia vento ali, a sensação era bem ruim, o calor da floresta incomodava bastante, mas continuava em direção ao seu destino, só restava isso a ele, porém algo chamava bastante sua atenção, a floresta estava estranhamente silenciosa até…

– Olha que surpresa a floresta deixou chegar aqui – disse um homem de barba rala com vestimentas um pouco velhas, mas cheias de detalhes em azul em cima de uma árvore à direita de Luca.

– Você fica feliz? – disse surpresa uma jovem moça de roupa azul, claramente uma aprendiz segundo os conhecimentos de Luca.

– Punir invasores é uma coisa, enfrentar um mago é outra, será uma experiência inesquecível para você – disse o homem.

– Sou um membro da Ordem Branca, não um mago – respondeu Luca com tom de desafio.

– Ainda assim, é uma pessoa ligada à magia como nós dois – respondeu o mago mais velho.

– Eles se acham melhores que nós, especiais, porém somos a mesma coisa seguindo caminhos diferentes e somos inimigos, claro – continuou o mais velho explicando.

– Eu sei disso, vocês falam sobre isso na academia com frequência, quase todo tempo – disse a jovem, não escondendo seu nervosismo dessa vez.

Então ele retirou um cajado de ébano bem trabalhado e cheio de runas, um pouco maior que um quarto de um fencas, ela mostrou uma varinha branca como marfim de quase um pefencas.

Os olhos do mago começaram a brilhar quando começava a falar as primeiras palavras mágicas, porém uma arma mortal foi lançada por Luca, acertando em cheio o peito daquele mago que, surpreso e em dor, ainda não tinha entendido como tinha perdido a vida para um simples membro da Ordem Branca, então lembrou de algo e disse:

– É o andarilho, garota. Você não pode fugir, mas… Faça isso! Fuja! Depois se esconda deles… – disse o mago fechando os olhos sem vida, morto pela adaga lançada por Luca.

Luca se lamentava, mas não teve opção, agora de joelhos com a perna doendo, sabia que não teria chance contra os dois, os elementaristas são bem agressivos. Assim o ataque fatal era a única opção que restara a ele.

A jovem, em desespero, energizou todo seu poder mágico fazendo aparecer lascas em sua varinha, que disparou um raio avermelhado contra Luca. O ataque mágico foi quase totalmente defletido pela armadura de Luca, que correu em direção à garota e interrompeu o resto da mágica com um soco muito forte no estômago dela.

Algum tempo depois, a jovem acordou com uma dor imensa no meio da noite, estava deitada com um pano na cabeça e um cobertor sobre o corpo. Luca tinha enfaixado completamente a coxa de uma das pernas e ainda colocava sua mão brilhando em cima. Ela concluiu que o andarilho estava se curando, ainda reparou no lado esquerdo da armadura bem escurecida que segurou boa parte do feitiço dela e pensava como ele ainda estava de pé.

– Porque não fui executada igual ao Eric? – Disse a jovem com voz sonolenta e manifestando alguma dor.

– Você não é definitivamente uma ameaça. E não foi uma execução, eu me defendi. Obrigado, preciso colocar o nome na lápide que fiz –  ele puxou uma tábua de madeira mal feita e começou a escrever.

– Não sou? Porque acha isso? Eu… – dizia a jovem ofendida.

– Você não tem ainda um bom controle, desperdiça poder mágico e o resultado é abaixo da sua expectativa. Claramente, não teve uma boa orientação. Não vou fazer nada contra você, se quiser esperar, pode ir embora pela manhã – disse Luca.

– Eu não tenho para onde ir, um elementarista nunca recua, é matar ou morrer. Se eu voltar sem uma prova de que você morreu com meu tutor morto na minha presença, eu… – a jovem acabou em silêncio.

– Entendi, vou entregar o cajado e a varinha à Ordem, vou dizer que matei os dois. Posso te acompanhar até sair da região e você pode começar uma nova vida em outro lugar ou na capital, se… – Luca parou para pensar no que diria em seguida.

– Se? – indagou a jovem curiosa.

– Se não for muito apegada, pode se juntar à ordem como iniciada…

– Era esse o seu plano!? Recrutar uma nova devota!? – disse a jovem irritada com os olhos azulados e uma leve aura azul.

– Não, claro que não, mas você já tem uma conexão forte com os elementos. Se você manifestar isso lá, vai ser expulsa e presa como espiã – explicou Luca.

– E você? O que fariam com você? – Lina perguntou.

– Hã… Interrogado, preso e possivelmente julgado – respondeu ele imaginando a situação e achando graça.

– E diz com tanta calma!? Quer correr esse risco? – perguntou a jovem mais calma.

– Basta você não mostrar esses olhos medonhos, é bem…

– Eu não sou medonha! Seu @#$$@! – gritou a jovem.

– E claramente mal educada também – disse ele tentando irritá-la ainda mais.

– Eu sou Lina Greenwood, bisneta de Elerina, Lábios Mortais.

– Sou a nova geração de ligados a magia há quase 100 anos junto com minhas duas primas, eu deveria ser…

– Um orgulho da família? Às vezes, o destino surpreende a gente com algo melhor, não é? – disse isso tentando encontrar algo de bom no que estava acontecendo.

– Eu quase fui morta, minha doutrina diz que eu deveria ser executada, mas estou conversando com o inimigo que tenho uma dívida por poupar a minha  vida. O que há de bom nisso tudo? – perguntou ela.

– Uma vida normal, longe de tudo isso, de magos e intrigas. Uma vida longa sem sacrificar nada – explicou ele.

– E por que você não fez isso? Por que quis isso? – indagou ela bem irritada.

– Eu? Eu não quis isso! Fui obrigado, minha vila foi massacrada! Minha família morta! Eu era um fracasso até ser escolhido. É meu dever retribuir e ajudar! Até… Encontrar os senhores sombrios…

– Você… Está falando sério? Ou é louco? Ninguém os encontrou há anos! E seria seu fim ou o começo de uma escravidão eterna! – explicou a garota que impressionou Luca com o grande conhecimento com pouca idade.

– Esqueça isso, garoto. Como escondeu esse desejo até agora de mim? – indagou uma voz interior.

 – Já decidi, vou receber instruções suas até essa conexão sumir, então talvez eu entre na ordem – falou a moça com convicção.

– Não! Sou um andarilho e ando só, eu…

– Agora, eu sou sua responsabilidade. Ou prefere ser preso e julgado? – disse ela num tom de satisfação.